9 perguntas (e respostas) sobre a Directiva Whistleblowing, que as organizações com mais de 50 colaboradores vão ter que implementar ainda este ano (multas por incumprimento podem ir até 250 mil euros)

A União Europeia impôs, até dia 17 de Dezembro, a transposição da Directiva Whistleblowing (UE) 2019/1937, para ser aplicada em  todas as organizações públicas e privadas com mais de 50 colaboradores. A Human Resources foi falar com Simão de Sant’Ana, advogado principal da Abreu Advogados, para saber em que é que isso se traduz na prática.

 

Eis nove perguntas (e respostas):

Em que é que consiste exactamente esta directiva?

A Directiva consiste num instrumento legislativo Europeu que tem como objectivo proteger todos os que denunciem violações do Direito da União. Para o efeito a Directiva cria um regime geral de protecção aos denunciantes dos mais diversos tipos de infrações, mais estabelecendo a necessidade de criação de um quadro sancionatório a nível nacional/interno.

Já tem correspondente na Lei Nacional? O que estabelece?

Portugal está muito atrasado, pois já deveria ter transposto a Directiva o que não sucedeu. Até ao momento, o que temos é apenas uma proposta de lei – Proposta 91/XIV/2.ª GOV. Esta proposta, que poderá ainda sofrer alterações até à sua aprovação, prevê um prazo de vacatio legis de 180 dias após a sua publicação, pelo que estamos de facto atrasados. Aliás, como a grande maioria dos Estados europeus.

 

O que está na sua genése e ao que é que pretende dar resposta?

Tanto a nível europeu, como a nível nacional, é cada vez maior a consciencialização do papel dos denunciantes nos mais diversos sectores da sociedade.

Os denunciantes constituem o primeiro passo para a descoberta da verdade e para a descoberta de infrações cometidas, pois são, por regra, aqueles que estão mais próximos das instituições públicas e privadas, logo têm conhecimento dos assuntos internos de tais instituições e, consequentemente, têm maior acesso a informação. Todavia, grande parte dos potenciais denunciantes não se sente confortável em falar, em expor situações potencialmente infratoras das regras de Direito aplicáveis e isto leva a que muitos fiquem no silêncio. Por outro lado, o nível da protecção legal dada aos denunciantes em cada estado membro é díspar, pondo ainda mais em risco os denunciantes nos casos transfronteiriços.

Perante este cenário o legislador Europeu quis criar um quadro legal uniforme que garantisse um nível mínimo de protecção aos denunciantes em cada Estado-Membro, este foi o objetivo da Diretiva. Porém, consciente das diferenças legais existentes entre os vários Estados-Membros, o legislador da União apenas pôde aprovar uma Directiva de critérios mínimos, deixando nas mãos do legislador nacional a obrigação de, ao transpor a Directiva, criar um regime de protecção ao denunciante apropriado ao regime legal aplicável no seu respectivo Estado.

 

Que temas cabem nesta Directiva?

A Directiva cobre uma pluralidade de domínios, entre estes se destacam:

  1. i) Contratação pública;
  2. ii) Serviços, produtos e mercados financeiros e prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo;

iii) Segurança e conformidade dos produtos;

  1. iv) Segurança dos transportes;
  2. v) Proteção do ambiente;
  3. vi) Proteção contra radiações e segurança nuclear;

vii) Segurança dos alimentos para consumo humano e animal, saúde animal e bem-estar animal;

viii) Saúde pública;

  1. ix) Defesa do consumidor;
  2. x) Proteção da privacidade e dos dados pessoais e segurança da rede e dos sistemas de informação.

 

O que é que isso vai implicar para as empresas? O que têm que assegurar?

As empresas terão de instituir mecanismos de denúncia interna que cubram todos os referidos domínios – desde que aplicáveis à sua realidade sectorial/actividade.

 

Como é que o “tratamento” destes temas difere, por exemplo, dos de assédio no trabalho?

A Directiva tem um âmbito muito mais alargado e visa a denúncia de infrações/fraudes sobre os domínios identificados, não se prende directamente com a matéria do assédio no local de trabalho. Em relação ao assédio no local de trabalho, a Directiva apenas estabelece a obrigação de os Estados Membros criarem mecanismos de defensa dos denunciantes para que estes, subsequentemente e em virtude da denúncia que apresentaram, não serem vitimas de assédio. Ou seja, o assédio no trabalho não faz parte do objecto da Diretiva enquanto objecto da denúncia, é antes visto como uma represália que tem de ser evitada através de medidas legislativas apropriadas.

 

O que acontece em caso de incumprimento?

Caso a referida Proposta de lei venha a ser aprovada nos termos/redação que hoje tem, os infractores sujeitam-se a serem punidos pela prática de contraordenações e/ou de crimes.

Caso se tratem de contraordenações muito graves, estas serão punidas com coimas de € 1 000 a € 25 000 ou de € 10 000 a € 250 000, consoante o agente seja uma pessoa singular ou coletiva.

Já as contraordenações previstas como graves são puníveis com coimas de € 500 a € 12 500 ou de € 1 000 a € 125 000, consoante o agente seja uma pessoa singular ou colectiva.

Se o mesmo facto constituir simultaneamente crime e contraordenação, o agente será sempre punido a título de crime.

 

É possível assegurar o anonimato de quem faz a denuncia e a existência de “represálias”?

Sim, a Directiva e a referida Proposta de lei nacional obrigam à criação de canais de denúncia que assegurem a confidencialidade e o anonimato e diminuam o risco de represálias.

 

Que impacto a Directiva Whistleblowing pode ter nas organizações?

Para já, tanto o sector privado como o sector público vão  ser obrigados a criarem mecanismos, canais, políticas internas de reporte/denúncia interna ou externa, conforme os casos, o que significa que mais terão de existir responsáveis na empresa – ou fora dela – com formação adequada para tratarem deste tipo de temática sob pena de aplicação das referidas contraordenações.

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