Isabel Viegas, dNovo: «Enquadrar um profissional sénior numa organização exige tanto empenho como integrar um jovem.»

A dNOVO nasceu da vontade de três profissionais, João Castello Branco, Isabel Viegas e Joaquim Paiva Chaves, de apoiar outros profissionais que, com mais de 50 anos e experiências de trabalho muito sólidas, estavam desempregados. Para Isabel Viegas, vice-presidente, aumentar a consciência do talento que está a ser desperdiçado e a riqueza que estes profissionais poderiam estar a criar é o maior desafio em 2023.

Por Tânia Reis

No primeiro ano de actividade, 60 mentores acompanharam 197 profissionais e 40 deles foram reintegrados no mercado de trabalho. Conscientes de que um profissional sénior desempregado constitui um encargo (desnecessário) ao Estado, à sociedade e um talento desaproveitado, a missão da dNovo passa por combater o estigma associado à idade nas empresas e pretende sensibilizar, principalmente, os responsáveis de Recursos Humanos e profissionais de recrutamento para a mais-valia destes profissionais qualificados e com experiência.

 

Que objectivos pretendem alcançar?

O nosso objectivo é contribuir para a empregabilidade sénior qualificada. Para que profissionais qualificados, com mais de 50 anos e desempregados possam voltar a ter uma actividade remunerada, não desperdiçando talento sénior e contribuindo assim para termos um país mais justo nas oportunidades que oferece a todos, independentemente da idade.

 

Que resultados registaram no ano piloto, em 2022? (mentores, mentorados, reintegrações no mercado de trabalho, etc.)

Em 2022, primeiro ano de actividade da dNOVO, com cerca de 60 mentores acompanhámos 197 profissionais e 40 regressaram ao mercado de trabalho. Foi o ano de testar o nosso modelo, que mostrou ser adequado e robusto. Agora queremos escalar esta experiência e chegar a muitos mais profissionais.

 

Qual o perfil dos profissionais que vos procuram?

São maioritariamente homens, com uma média de idade de 54 anos, com formação superior (licenciados, mestres, doutorados) e de diferentes áreas, desde engenharias, recursos humanos, economia, direito, gestão, financeira, psicologia…

 

Como funciona todo o processo de apoio ao profissional sénior?

A dNOVO desenvolveu um modelo, que integra, no apoio aos profissionais, quatro pilares:

  • Mentoring individual e de grupo;
  • Acesso a múltiplos eventos de networking;
  • Acesso a recursos facultados por uma rede de parceiros, por exemplo, na área da formação de executivos (NOVA, Católica, Porto Business School), apoio legal/fiscal, etc.;
  • Integração na plataforma digital dNOVO onde acedem também as empresas associadas da dNOVO e se podem estabelecer contactos entre profissionais e empresas.

 

Quais os momentos que eles mais valorizam?

Diria que o mentoring e os eventos de networking são os dois pilares mais valorizados. Estes profissionais chegam à dNOVO com uma grande necessidade de suporte e este apoio vem essencialmente dos mentores e do contacto com pessoas que estão a viver os mesmos desafios.

 

De quantos mentores dispõem actualmente e qual o seu perfil?

A dNOVO conta actualmente com quase uma centena de mentores, voluntários, pessoas muito qualificadas, com carreiras profissionais muito ricas em experiências e com competência em mentoring (grande foco no outro, capacidade de ouvir, experiências para partilhar, capacidade de apoiar os profissionais a desenhar soluções customizadas e uma atitude positiva que é fundamental no processo de mentoring). Gostaria de fazer um agradecimento muito reconhecido a todos os nossos mentores, pois, sem eles, a dNOVO não tinha ganho vida. Cada dia que partilhamos entre todos uma nova reintegração no mercado de trabalho de um dos nossos profissionais é um dia conseguido, sobretudo, graças ao trabalho e empenho dos nossos mentores.

 

Quais os requisitos para ser mentor da dNovo?

Basta ir ao nosso site e inscrever-se. Na sequência, será contactado pela equipa operacional da dNOVO e é integrado num processo de onboarding que envolve a formação no modelo de sénior mentoring que a dNOVO criou. São muito bem-vindos!

 

Nos processos de reintegração que acompanham, quais as competências mais procuradas pelas empresas?

Ainda que as competências técnicas continuem a ser um factor determinante para selecção de perfis, cada vez mais os candidatos são avaliados pelas suas soft skills e atitude.

 

Que razões aponta para o facto de os profissionais com mais de 50 anos não serem “empregáveis”?

Existem razoes várias, mas a maioria aponta para um preconceito acerca do que estes profissionais são capazes em termos da sua flexibilidade laboral e da sua capacidade de adaptação e de aprendizagem. Na verdade, não é esta a realidade que vemos. Antes pelo contrário. Temos pessoas muito experientes e competentes com clara disponibilidade para voltar ao mercado de trabalho de uma forma diferente da que estavam habituadas e, sobretudo, com uma vontade e capacidade de superação extraordinária. Não temos dúvida de que há um desperdiçar de competências que não devia estar a acontecer.

 

Quais os principais impactos do desemprego sénior para o profissional?

Os impactos para os profissionais são muitos. A perda de rendimentos é a primeira. O desemprego traz muitas vezes a necessidade de alterar padrões de vida, com impacto numa família, não só numa pessoa. Depois são os efeitos na autoestima: estes profissionais acreditam nas suas competências e experiências, mas o mercado não os vê da mesma forma. E começam a percorrer o “caminho das pedras”, com portas que não se abrem, respostas que não recebem e a autoestima pode vacilar. Muitos dos profissionais chegam-nos desentusiasmados, desgastados e estes são aspectos que a dNOVO trabalha muito com cada um: desenvolver uma atitude positiva e resolutiva face à situação em que estão.

 

E para as empresas e economia nacional?

Para as empresas, essencialmente a perda de recursos humanos qualificados. Para a economia, redução do efeito das contribuições fiscais que um não regresso a uma actividade remunerada integra e o pagamento de subsídios de desemprego a aumentar cada vez mais, dado o aumento que se verifica no desemprego nesta faixa etária – por cada profissional desempregado, estamos a falar de um custo, em média de 13.000€ por ano.

 

Se a escassez de talento é uma realidade, por que razão não apostam as empresas nestes profissionais?

Esse é um dos paradoxos da dinâmica do mercado de trabalho. Criou-se um estigma de que os profissionais depois dos 50 anos já não têm a energia que as empresas necessitam, que estão desactualizados, etc. Com alguns, assim será. Mas generalizar é que é estigmatizar. Temos acompanhado na dNOVO profissionais extraordinários, com uma vitalidade enorme, que aproveitaram estes períodos para voltar a estudar, para fazer algum reskilling, estão a olhar para novas áreas de trabalho…

A sensibilização para a empregabilidade sénior qualificada é uma das frentes que a dNOVO persegue. Sem uma mudança de atitude por parte das empresas e das organizações, dificilmente atingiremos bons resultados. Temos já algumas empresas atentas ao tema e a fazer um bom trabalho, mas este é um caminho ainda longo a co-co-construir.

Gostaria de realçar o papel que podem ter as direcções de Recursos Humanos e as empresas de recrutamento / headhunting em todo este movimento, sensibilizando as empresas para este segmento, valorizando a sua experiência e criando a abertura para considerarem candidatos mais experientes nos processos.

 

Que oportunidades representa para as empresas a contratação destes profissionais?

Existem muitas vantagens para as empresas: estes profissionais são qualificados têm uma carreira de experiências que levam consigo, estão abertos a formas de contratação diversas – contrato de trabalho, prestação de serviço, contrato para um projecto, em tempo parcial ou total, durante um tempo determinado -, mostram níveis de fidelização elevados, podem desempenhar funções técnicas, de enquadramento ou de mentoring de equipas mais novas… Na verdade, muitos estudos empíricos que se fizeram sobre este assunto demonstram que o empregado sénior não ocupa, antes propicia, o espaço para o empregado mais novo.

 

E desafios?

São mais as oportunidades dos que os desafios. Diria que enquadrar um profissional sénior exige tanto empenho como integrar um jovem. Clarificar o que se espera, objectivos a perseguir, interlocutores com quem vai interagir, momentos de seguimento… E mostrar que se dá valor ao que já viveu, já experienciou e que pode ser relevante para a empresa.

 

Muitas organizações, regra grandes empresas, dispõem de programas e iniciativas dirigidas aos colaboradores sénior, nomeadamente na preparação para a reforma. Por que considera que não é prática transversal no tecido empresarial português?

Este é um tema também relevante: se a responsabilidade das empresas termina com a saída dos seus colaboradores para a reforma ou se começa antes, preparando-os, formando-os para a nova fase de vida que terão após a “reforma”. A esperança média de vida está a aumentar e vamos viver até mais tarde, querendo ser activos, eventualmente com ritmos diferentes… Algumas empresas têm abordado a dNOVO para começar a trabalhar em conjunto com profissionais em processo de saída, mas antes de tal acontecer. Esta é uma intervenção que valorizamos muito e estamos a preparar-nos para poder apoiar.

 

A actual legislação neste âmbito é suficiente?

Eu diria que o desafio está tanto do lado do estigma como da legislação. Apesar de, nalguns aspectos, a legislação não facilitar ensaiarmos novas formas de relação. Digamos que alguns aspetos de rigidez na contratação prejudicam os desempregados em geral e nessa medida também o emprego neste segmento.

 

O que falta fazer do lado do governo? E das empresas?

A dNOVO precisa muito das empresas: são elas que nos ajudarão a criar as oportunidades que os nossos profissionais anseiam. Estamos actualmente a trabalhar com associações empresariais, pois é uma das formas de chegarmos a mais empresas e esta via surge-nos como muito promissora. Aumentar, pois, a consciência do talento que estamos a desperdiçar e da riqueza que estes profissionais poderiam estar a criar é o nosso maior desafio em 2023.

A dNOVO quer igualmente sensibilizar o governo e os parceiros sociais para esta realidade. E ser um co-criador de soluções inovadoras. Ter um novo enquadramento para novas formas de relação entre pessoas e empresas, criar um estatuto para o segmento que apoiamos – profissionais muito qualificados após os 50 anos – e trabalhar num regime de apoio a empresas para o enquadramento destes profissionais, podem ser vias a explorar. Acreditamos que, considerando os custos para o próprio Estado de muitas destas situações, e que são múltiplos, há muitos bons motivos para incentivar as empresas à contratação sénior.

Este é um desafio onde todos os agentes podem ter uma palavra a dizer, numa postura win-win: profissionais, associações como a dNOVO, empresas, outras organizações, o governo e os paceiros sociais.

Ler Mais