Transparência e igualdade salarial: um compromisso inadiável

Por Leandra Dias, Legal Parametrization representatitive na Cegid em Portugal

 

A Directiva (UE) 2023/970 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de Maio de 2023, pode ainda ser desconhecida para muitos empregadores e trabalhadores, mas já está em vigor e traz consigo mudanças significativas. Os Estados-Membros da União Europeia têm até 2026 para a transpor, o que exigirá uma adaptação considerável por parte das empresas, enquanto os trabalhadores verão os seus direitos reforçados.

Esta directiva visa reforçar a aplicação do princípio da igualdade remuneratória, ou seja, o princípio de remuneração igual por trabalho igual ou de valor igual entre homens e mulheres. Pretende fazê-lo através de novas regras sobre a transparência remuneratória e da criação de mecanismos que a garantam.

Que realidade temos hoje?

Em Portugal, a igualdade remuneratória entre homens e mulheres já encontra respaldo na Constituição e no Código do Trabalho. Além disso, a Lei n.º 60/2018, de 21 de Agosto, em vigor desde fevereiro de 2019, introduziu várias medidas para promover esta igualdade. Entre essas medidas, destacam-se:

  • Política remuneratória transparente: os empregadores devem assegurar que a política de remuneração é transparente, assente na avaliação das componentes das funções, com base em critérios objectivos e comuns a ambos os géneros, como mérito, produtividade, assiduidade ou antiguidade.
  • Demonstração de transparência: em casos de alegada discriminação remuneratória, a entidade empregadora deve demonstrar a existência da política remuneratória transparente, com os critérios acima indicados.
  • Planos de avaliação: se a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) encontrar diferenças remuneratórios entre mulheres e homens por empresa, profissão e níveis de qualificação, pode exigir um plano de avaliação dessas diferenças remuneratórias à entidade empregadora. A violação do regime do Plano de Avaliação constitui uma contraordenação grave, podendo ainda ser aplicada a sanção acessória de privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos.
  • Parecer da CITE: A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) pode emitir parecer vinculativo sobre discriminação remuneratória quando tal lhe for solicitado pelo trabalhador ou representante sindical, e há uma presunção de abusividade em sanções aplicadas até um ano após um pedido de parecer.

 

As novidades da directiva 2023/970

Apesar dos avanços, a nova directiva traz inovações que exigirão ainda mais esforço das empresas para garantir a igualdade remuneratória. Segundo o estudo “Readiness Assessment – Transparência Salarial” da Mercer Portugal, 40% das empresas desconhecem as obrigações decorrentes desta directiva, apesar de estar em vigor desde Junho de 2023 e de os Estados-Membros terem de a transpor até 7 de Junho de 2026. Entre as principais medidas, destacam-se:

  • Os candidatos a emprego têm direito a saber a remuneração inicial ou o intervalo remuneratório para o posto a que se candidatam e não devem ser interrogados sobre o seu histórico salarial.
  • Os trabalhadores podem solicitar informações sobre o nível de remuneração individual e os níveis médios de remuneração, desagregados por sexo, para as categorias de trabalhadores que realizam o mesmo trabalho ou trabalho de valor igual.
  • Os empregadores terão de informar anualmente os trabalhadores sobre o direito à informação salarial e assegurar acesso fácil aos critérios utilizados para determinar a remuneração, que devem ser objectivos e neutros do ponto de vista do género.
  • As empresas com mais de 100 colaboradores têm obrigações específicas de comunicação de disparidades salariais, com periodicidades variáveis conforme o número de trabalhadores.
  • As disparidades remuneratórias superiores a 5% sem justificação objectiva e neutra em relação ao género, exigem avaliações conjuntas das remunerações em cooperação com os representantes dos trabalhadores.
  • A legislação nacional deve prever sanções efectivas para violações do princípio de igualdade remuneratória e garantir protecção contra represálias para trabalhadores que denunciem discriminações.
  • Os trabalhadores que se considerem lesados pela violação do princípio da igualdade de remuneração poderão intentar processo judicial para fazer valer direitos e obrigações relacionadas com esse princípio e receber uma indemnização, incluindo a recuperação integral de retroactivos e prémios ou pagamentos em espécie conexos, indemnização por perda de chance, danos não patrimoniais ou outros danos causados por factores relevantes, juros de mora.
  • Embora o ónus da prova nos casos de discriminação remuneratória incumba tradicionalmente ao trabalhador, caberá ao empregador provar que não houve discriminação, directa ou indirecta, em matéria de remuneração e de transparência remuneratória.
  • Na legislação nacional, os Estados-Membros terão de introduzir as medidas necessárias para proteger os trabalhadores e os seus representantes contra o despedimento ou outras formas de tratamento desfavoráveis por apresentarem uma queixa a nível da organização do empregador ou da instauração de um procedimento administrativo ou de um processo judicial para execução de direitos ou obrigações relacionadas com o princípio da igualdade de remuneração.

 

O papel das empresas e da tecnologia

Este reforço legislativo constitui uma oportunidade para as empresas revisitarem e melhorarem as suas políticas salariais, acabando com eventuais discriminações, intencionais ou não. Implementar uma política de transparência salarial não é só uma obrigação legal, mas também uma estratégia eficaz para promover uma cultura de igualdade e respeito nas organizações.

As empresas portuguesas têm agora a oportunidade de se destacar ao implementar estas mudanças, garantindo um ambiente de trabalho mais equitativo. E a tecnologia está aqui para as ajudar. As soluções tecnológicas são um grande aliado para apoiar esta transição, na medida em que facilitam a identificação e a correcção de eventuais discriminações salariais, ajudando as organizações a tornarem-se mais atractivas para o mercado.

A transparência e a igualdade salarial não são só uma questão de justiça social, mas também uma estratégia de negócio inteligente, um compromisso inadiável que valoriza o talento e promove uma cultura organizacional inclusiva e justa.

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