A estratégia na supervisão remota: Quatro elementos-chave

A pandemia levou muitas organizações a permitir — ou, até, encorajar — o trabalho remoto. Contudo, mesmo nas situações em que pessoas e equipas podem trabalhar de casa, nada garante que os resultados sejam positivos.

 

Por Fabrizio Salvador e Rocío Bonet, professores no IE Business School

 

Estudámos o trabalho remoto numa empresa no ranking da Fortune 100 e descobrimos que um factor fundamental para o êxito ou o fracasso do trabalho a partir de casa é a forma como os supervisores atribuem tarefas.

Liderar colaboradores e equipas a trabalhar em casa já era comum para muitas organizações multinacionais antes da COVID-19, em que os gestores supervisionam os colaboradores e distribuem as tarefas por todo o mundo, sobretudo nas zonas de acesso difícil ou fisicamente impossível. Hoje, a realidade da pandemia do coronavírus impôs esta forma de trabalho como norma para muito mais gestores — e o mais importante a reter é o facto de muitos estarem a gerir à distância pela primeira vez na vida.

Trabalhar em conjunto à distância apresenta desafios singulares a gestores e colaboradores. Os que já experimentaram, assinalam consistentemente três problemas principais: redução do comprimento de onda da comunicação, perda da proximidade imediata ou feedback atrasado e limitação das interacções a nível social e no que respeita a tarefas cumpridas por outros.

Os investigadores propuseram várias soluções para substituir a falta de interacção cara a cara, como estabelecer directrizes claras de compromisso e comunicação, verificar frequentemente o progresso dos colaboradores a trabalhar de casa, fomentar a interacção social online e proporcionar apoio emocional.

A comunicação, contudo, pode nem ser o maior problema no que respeita a supervisionar o trabalho remoto. Aliás, estudámos esse fenómeno numa empresa de serviços tecnológicos e de consultoria no ranking da Fortune 100, onde 76 % das tarefas são executadas por colaboradores a trabalhar de casa. A análise de quase 13 500 tarefas demonstra que uma questão primordial para o êxito é a adequação das tarefas às capacidades de gestores e colaboradores. Identificámos quatro elementos-chave para impulsionar a eficiência e o êxito do trabalho remoto:

1. Atribuir tarefas mais simples aos colaboradores quando estão a trabalhar de casa. A produtividade dos colaboradores que trabalham afastados dos seus gestores tende a não ser afectada. O problema são as tarefas complexas, que tantas vezes requerem mais comunicação sobre os requisitos necessários para o seu cumprimento. Algumas coisas são simplesmente mais bem-feitas em pessoa. Ler a linguagem corporal, por exemplo, é importante para determinar se um colaborador compreendeu as instruções ou está a acompanhar uma explicação — o que é difícil de avaliar durante uma videoconferência. Além disso, as tarefas complexas requerem a capacidade de resolver problemas, que, por sua vez, exige uma interacção mais frequente e aprofundada entre colaboradores e supervisores, para não falar entre a equipa no seu todo.

Compreender os problemas que um subordinado está a viver requer muitas vezes uma contextualização, que é difícil de perceber à distância. Imaginemos um colaborador que tem medo de comunicar ao supervisor a sua dificuldade em executar uma tarefa. Um gestor facilmente resolveria essa questão encontrando-se com ele no tradicional ambiente cara a cara. Desse modo, se a tarefa atribuída a um colaborador for complexa, tudo correrá melhor se ele estiver fisicamente perto do gestor.

 

2. Reduzir a interdependência das tarefas. Quando as tarefas são altamente interdependentes e, portanto, requerem mais coordenação entre os colaboradores, o desempenho será melhor se se estiver no mesmo local que o gestor, que o pode ajudar e facilitar o fluxo de informação através de vários colegas e interessados. Em contrapartida, quando a maioria dos membros da equipa se encontra fisicamente num determinado local a trabalhar numa tarefa interdependente, o gestor dessa equipa não tem tanta necessidade de estar fisicamente presente.

Uma forma de lidar com esse desafio é restruturar a tarefa do colaborador de modo a torná-la menos interdependente de outras tarefas. Por exemplo, no contexto da engenharia informática, os gestores podem dividir o trabalho em subesquemas mais ou menos emparelhados, que podem ser concebidos independentemente por especialistas, desde que estes possam lidar com determinadas restrições de interface como os protocolos de troca de informação predefinidos. Em alternativa, se só alguns colaboradores trabalharem de casa, as tarefas altamente interdependentes deverão ser atribuídas aos que estiveram a trabalhar presencialmente com o gestor.

 

3. Deixar os gestores especialistas para os colaboradores a trabalhar presencialmente. A supervisão remota aparenta reduzir a eficácia dos gestores experientes. Parece contraintuitivo, porque se parte do princípio de que os gestores experientes lidam melhor com os colaboradores em trabalho remoto. No entanto, quando existe um bom sistema de fluxo de trabalho digital, muitos dos aspectos mais técnicos da liderança à distância dependem mais do sistema e menos da experiência dos gestores.

Além disso, a supervisão à distância reduz a capacidade dos gestores experientes de motivar a sua equipa. Por exemplo, um bom gestor pode sentar-se com um colaborador transtornado na privacidade do seu gabinete, perceber as circunstâncias que motivaram o problema e dar conselhos que o ajudem a superá-lo. Um gestor novato poderá não saber fazer isso, e a distância impede os gestores inexperientes de microgerirem excessivamente os seus colaboradores — um comportamento comum entre os recém-promovidos.

A conclusão é que os colaboradores a trabalhar presencialmente ficarão melhor se acompanhados por gestores experientes, enquanto os que estão a trabalhar de casa ficarão muito bem entregues aos gestores novatos.

 

4. Garantir que o sistema de fluxo de trabalho digitalizado esteja actualizado. E se uma organização não tiver criado uma infra-estrutura digital capaz de suportar a atribuição de tarefas, a monitorização e a colaboração? Ao contrário do que constatámos nas organizações com sistemas de TI sofisticados, as organizações com sistemas de fluxo de trabalho digitais mal definidos encontram a sua salvaguarda nos gestores experientes. Essa é uma solução temporária, porque os gestores experientes são um recurso escasso, que deve ser sabiamente implementado.

A longo prazo, é fundamental que as organizações dediquem recursos e tempo para restruturar os processos do fluxo de trabalho e desenvolver infra-estruturas digitais capazes de suportar actividades distribuídas por colaboradores em trabalho presencial e colaboradores em trabalho remoto.

Uma actividade metódica, como pôr o sistema de fluxo de trabalho digital a funcionar na perfeição, não dá nas vistas, sobretudo quando comparada com a implementação das mais recentes tendências em aprendizagem automática e inteligência artificial — mas não deixa, por isso, de ser essencial. Aliás, um bom processo digital será sempre um passo na direcção de uma digitalização mais sofisticada e um trabalho remoto mais eficiente.

A pandemia alterou a forma como muitas empresas operam e demonstrou por A mais B que aquelas que já tinham um bom sistema de trabalho remoto a funcionar foram as que se adaptaram melhor a esta nova realidade, com menos distúrbios nas suas operações laborais. São essas as empresas que agora prosperam e tendem a perdurar – até porque dificilmente regressaremos ao ambiente laboral pré-COVID.

 

Este artigo foi publicado na edição de Agosto (nº.128) da Human Resources nas bancas.

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