A felicidade e o bem-estar como parte do salário (emocional)

Está em curso um processo de transformação estrutural, profunda, das organizações em termos de trabalho, para enfrentar os desafios dos novos tempos. Na Administração Pública também há evidências dessa transformação.

 

Por Mafalda Pereira, directora de Recursos Humanos da secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros

 

Conjugar ou equilibrar as diferentes dimensões da vida – pessoal, família e profissional – é um desafio permanente dos indivíduos, das organizações e das sociedades. E essa conciliação tem reflexos legais, como por exemplo no dever do empregador em matéria de organização dos tempos e horários de trabalho, seja público ou privado.

Na Administração Pública, a conciliação já constitui uma política pública que teve na sua génese o objectivo de mitigar, entre outros, os baixos níveis de natalidade e a desigualdade no acesso ao mercado de trabalho por discriminação de género.

Em 2004, um estudo comparativo organizado e publicado pela OCDE, “Babies and Bosses: Reconciling Work and Family Life (Volume 3) New Zealand, Portugal and Switzerland”, revelou que as famílias portuguesas gostariam de ter (mais) filhos, mas sem comprometer a sua situação laboral. Por outro lado, os pais que estavam satisfeitos com a sua situação profissional queriam trabalhar em horários diferentes ou reduzir as horas de trabalho, sem ter de se sujeitar a uma redução salarial ou colocar em risco as suas perspectivas de carreira.

A conciliação como política pública ganhou visibilidade com o segundo eixo do Programa 3 em linha de 2018-2019, cujo objectivo é promover um maior equilíbrio entre a vida profissional, pessoal e familiar, como condição para uma efectiva igualdade entre homens e mulheres e para uma cidadania plena. Em linha – e ao abrigo do Pacto para a Conciliação lançado em 2018 –, serviços e organismos da Administração Pública implementaram um sistema de gestão da conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal, seguindo a norma portuguesa NP 4552:2016 – conciliação.

Esta preocupação mantém-se este ano na Lei do Orçamento do Estado para 2022, que expressa a necessidade de se levar a cabo um debate nacional sobre novos modelos de organização do trabalho.

 

Pode a produtividade depender do bem-estar?
Temos já na Administração Pública evidências não só de preocupação com a questão da conciliação, mas de actuação concreta, como os programas de formação na área da igualdade e bem-estar, do reforço da identidade organizacional (a fusão do propósito funcional com a realização profissional), de acompanhamento e gestão das carreiras, de promoção da formação on the job, de construção colectiva dos instrumentos de gestão da organização e de incentivos à participação das famílias em certas actividades da organização, etc. Para o efeito, a transformação digital e as novas tecnologias de informação têm sido utilizadas na Administração Pública como ferramentas ao serviço da conciliação, revelando-se instrumentais para a reinvenção dos tempos de trabalho e a procura de novos modelos de organização, e respondendo de forma eficaz à preocupação de aumentar os níveis do que se pode designar por “felicidade organizacional”.

Podemos hoje afirmar que está em marcha um processo de transformação estrutural, profunda, das organizações em termos de trabalho, com vista a enfrentar os desafios destes novos tempos, que exigem a construção de novos modelos e processos de gestão específicos de recursos humanos.

O caminho deverá agora ser percorrido já não a olhar para o trabalhador enquanto recurso humano ou unidade laboral, mas sim enquanto pessoa, enquanto activo capital estratégico, holisticamente considerado da organização. O que, convenhamos, exige uma visão de longo prazo e abrangente, e – no concreto – uma redefinição do que é estar ao serviço de uma organização.

Este novo olhar exigirá uma atenção redobrada sobre os métodos de avaliação e ferramentas de monitorização que estejam ao dispor de dirigentes para que melhor possam corresponder aos desafios dos novos tempos.

 

Este artigo foi publicado na edição de Outubro (nº.142)  da Human Resources, nas bancas.

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