A influência da IA e da automação nas profissões dos portugueses

Por Pedro Vale, vice-presidente de Engenharia para a área de IA e Data na Cegid

 

Os mitos sobre a relação entre a Inteligência Artificial (IA) e as nossas profissões abundam no espaço público. Para desmistificar o tema, o recente policy paper da Fundação Francisco Manuel dos Santos, intitulado “Automação e Inteligência Artificial no mercado de trabalho português: desafios e oportunidades”, apresenta uma análise clara dos impactos e oferece uma visão detalhada sobre os desafios e oportunidades no futuro do trabalho em Portugal.

No documento, os investigadores dividem os profissionais impactados pela automação e pela IA em quatro grupos, com diferentes caminhos a percorrer, na sua convivência com a IA. Aquele que será o mais beneficiado, o das profissões em ascensão, representa 22,5% do mercado e compreende professores de ensino básico e educadores de infância, especialistas em vendas, marketing, finanças e contabilidade. Sem dúvida que estes profissionais beneficiam diretamente da automação e IA. Por exemplo, no setor de contabilidade, os agentes de IA já permitem automatizar processos como reconciliação financeira, análise de vendas e gestão de riscos, possibilitando previsões precisas ao mesmo tempo que reduzem tarefas repetitivas. Basta interagir com estas soluções de gestão financeira e contabilística, formulando questões ou efetuando pedidos em linguagem natural, como num chat.

Um segundo grupo, o dos trabalhadores que estão empregados no «terreno das máquinas», cerca de 12,9% tem, refere o estudo, um futuro «mais difícil de antecipar». Empregados de escritório, operadores de máquina do fabrico de produtos alimentares, empregados de serviços de apoio à produção e transportes «tanto podem usufruir como sucumbir à mudança tecnológica», escrevem os autores. Aqui, permitam-me discordar, apenas um pouco.

Na área dos serviços de apoio à produção e transportes, bem como na indústria, toda a vertente de inventário, associada à logística, encontra na Inteligência Artificial um aliado na gestão de stocks, na análise e previsão de sazonalidades, custos, entre outros. A ligação entre os PoS (pontos de venda), o software de faturação eletrónica, onde a automação domina, e as soluções nativas de chão-de-fábrica, aliviam a carga administrativa dos trabalhadores, harmonizando encomendas, pedidos e faturação, além de evitarem sobrecargas sobre os profissionais da área de produção.

Mesmo no grupo a que os autores do estudo chamam «profissões em colapso», 28,9% da força de trabalho do país, na qual se incluem empregados de mesa e de bar, operadores de equipamentos móveis e cozinheiros, a IA pode significar, não o risco de extinção, mas um importante volte-face nas competências privilegiadas. Nenhum automatismo ou máquina substitui a simpatia, o cuidado e dois dedos de conversa. Mas se tarefas como o registo de pedidos e a faturação deixarem o leque de tarefas destes profissionais de relações humanas, provavelmente, a sua relação com os clientes, e o seu valor percebido, sairão beneficiados.

Por fim, a maior fatia dos profissionais portugueses, 35,7%, refere o documento, trabalham no «terreno dos humanos». Trabalhadores de limpeza em casas particulares, escritórios e hotéis, técnicos de atividade física e agricultores qualificados, escreve-se, não poderão ser substituídas pela automação, mas também não irão beneficiar da digitalização. No entanto, já existe software com IA que analisa os padrões de diversas tarefas laborais ou do ambiente em que elas ocorrem, e fornecem indicações sobre a melhor forma de as desempenhar. Por exemplo, no setor agrícola, a capacidade de analisar dados colhidos no terreno e sugerir ações preventivas e corretivas pode levar a produções maiores e, simultaneamente, mais sustentáveis e saudáveis. Ou seja, ter acesso a este tipo de software poderá mudar o futuro destes profissionais.

Embora a transformação tecnológica traga desafios, também abre portas para uma economia mais inovadora e produtiva. Competências como a comunicação, a criatividade ou a resolução de problemas são o passaporte para a empregabilidade, num momento em que a IA se assume como um assistente digital de cada um e nós, que complementa o nosso trabalho. A formação e a qualificação na relação e utilização das soluções de IA são, por seu turno, uma ferramenta que nos oferecerá a todos melhores profissões, com menos esforço, e sobretudo, com melhores resultados.

Seja nas “profissões em ascensão” ou no desenvolvimento de novas funções que hoje ainda nem conhecemos, o impacto transformador da Inteligência Artificial é inegável. A questão agora é como cada um pode adaptar-se e fazer parte desta mudança.

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