A insustentável leveza de uma geração. Ou o mito de que a estabilidade já não é valorizada

«Perante a frustração do intangível, o refúgio psicológico de toda uma geração é a narrativa, mais ou menos orquestrada, da desnecessidade de uma estabilidade “dos antigos”, substituída pela maravilhosa aventura de se viver em perpétuo movimento.»

 

Por Tiago Rocha, advogado na Cerejeira Namora, Marinho Falcão

 

A pós-modernidade está repleta de discursos mais ou menos fabulísticos sobre certas realidades, ideias ou pré-conceitos que, sempre tendo existido, são hoje mais ou menos dominantes no tecido social e intelectual. Com estas fábulas, peritos e não-peritos criam e desenvolvem uma realidade alternativa tendente a justificar certas mudanças do pensamento e dos sistemas de crença, encobrindo e mascarando as verdadeiras razões de causa-efeito que presidem aos fenómenos sociais.

É precisamente o que acontece com a história que vem sendo escrita acerca da geração que, grosseiramente, se encontra agora entre os 20 e os 30 anos. O mito popularizado é de que hoje os jovens já não querem nem procuram o mesmo que as gerações anteriores. A estabilidade desta geração foi habilmente sinonimizada com a ausência de trabalhos certos e fixos, com o abandono de profissões ditas tradicionais que impliquem um horário rígido, com o adiamento indefinido da constituição de família, com a preferência pelo arrendamento em vez da compra de habitação, senão mesmo pelo “estadia” prolongadíssima no seio familiar para assim se alcançar – pasme-se! – mais e melhor liberdade. Os jovens de hoje não querem, aparentemente, prisões de nenhum género, sejam elas familiares, laborais ou contratuais.

Mas terá esta narrativa adesão à realidade? Será esta nova geração assim tão diametralmente diferente das suas antecessoras, que dispense um emprego estável onde ganhe mais do que oitocentos euros, uma família e uma casa própria ou, numa palavra, um estilo de vida “tradicional”? Os sucessivos estudos, barómetros e inquéritos sociológicos apontam nessa direcção, mas sem responder à questão de saber se esta nova forma de vida é uma verdadeira ânsia ou, antes, o resultado de uma erosão progressiva das bases económicas e sociais da segunda metade do século XX.

A verdade, como em quase tudo, andará pelo meio, entre uma visão e vivências mais leves e desapegadas dos esquemas há muito estabelecidos, típica atitude de uma ruptura intergeracional em que o exemplo anterior serve para ser superado, e a insustentabilidade fática de uma forma de vida que já não mais está ao alcance de quem entrou no mundo do trabalho na última década.

De facto, e num número nada desprezível de situações, a vontade de sair de casa dos pais, de ter um emprego estável e com perspectivas de progressão, de comprar casa e constituir família existe, mas é objectivamente inalcançável por força das condições económicas, laborais e sociais. É que o elevador social tem, nas últimas duas décadas, dado parca resposta, não conseguindo, tal como prometido, garantir a cada geração um nível de vida melhor que o da geração anterior.

Ora, perante a frustração do intangível, o refúgio psicológico de toda uma geração é a narrativa, mais ou menos orquestrada, da desnecessidade de uma estabilidade “dos antigos”, substituída pela maravilhosa aventura de se viver em perpétuo movimento.

O grande problema das narrativas é que sempre haverá um dia em que caem por terra, quais castelos de cartas. Esse dia inevitavelmente chegará, senão antes, pelo menos quando esta nova geração deixar de o ser e se perceberem as reais consequências dos ventos que andamos semeando. Aí, sem cinismos, esperemos que o desprezo de hoje pelo compromisso não redunde em arrependimento ou que, pelo menos, a velhice sem resguardo social não seja também involuntariamente vivida em artrítico e solitário movimento.

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