A mudança de paradigma nas empresas que a COVID-19 veio trazer

«Os intervalos para um snack enquanto se discute o jogo do dia anterior ou as rápidas trocas de ideias num whiteboard, são exemplos de particularidades da presença física que acabaram por se perder. Mas a lista de desafios é extensa, passando pelo desempenho profissional e pela capacidade de manter o foco.»

 

Por Michael Domingues, team leader na Kununu

 

A pandemia da COVID-19 veio provocar profundas alterações na dinâmica das empresas. No sector tecnológico, já era relativamente fácil trabalhar a partir de casa e grande parte das empresas já previa essa flexibilidade – nesse aspecto, nada mudou – mas o trabalho remoto a tempo integral, que teve de ser adoptado devido a esta mudança repentina de contexto, veio mudar completamente o jogo.

Os intervalos para um snack enquanto se discute o jogo do dia anterior ou as rápidas trocas de ideias num whiteboard, são exemplos de particularidades da presença física que acabaram por se perder. Mas a lista de desafios é extensa, passando pelo desempenho profissional e pela capacidade de manter o foco.

As empresas assumem um papel importante nesta “batalha”, sendo que manter um vínculo forte deve ser definitivamente uma das prioridades, conservando altos os níveis de motivação e compromisso, assim como a sinergia entre as equipas. As empresas não devem simplesmente esperar que as coisas corram naturalmente bem e que as equipas trabalhem por conta própria. É importante que se organizem reuniões gerais para que todos se possam “sentar” e estar a par do que está a acontecer nos diversos departamentos e de quais são os obstáculos e desafios actuais, dando espaço para questões.

Mesmo (e especialmente) à distância, os colaboradores ainda devem ter os seus momentos para interagir informalmente. Refiro-me, por exemplo, à realização dos hackathons, termo bastante familiar na indústria tecnológica. Mas existem outras formas, e às vezes são mesmo as mais simples que se revelam como as mais eficazes: criar canais específicos para discutir temas como desporto e culinária, organizar sessões remotas de coffee break, partilhar um almoço ou um lanche em “amena cavaqueira”… É precisamente nestes contextos de estimulação da criatividade que nascem, muitas vezes, as inovações.

É óbvio que muitos dos processos de trabalho tiveram de ser reformulados e tudo se transformou, de certa forma, num desafio. Quando estamos habituados a cumprimentar as pessoas na chegada ao escritório, tendo-as por perto e alternando entre momentos de trabalho e de lazer, essas são as primeiras rotinas de que se sente falta. Um gesto que era tão simples como o puxar de uma cadeira para perto de um colega para apurar um problema, melhorar uma secção de código ou desenhar um fluxograma de um novo microserviço, tornou-se muito mais complicado. E não nos podemos esquecer dos processos que nunca param em empresas em crescimento, como a contratação (o onboarding de novos elementos de forma virtual é muito menos humano e mais difícil para os recém-chegados).

Embora as soluções de videoconferência tenham evoluído imenso, estas ainda não substituem um encontro presencial. Até mesmo situações como comemorar o sucesso de um lançamento após um esforço tremendo por parte das equipas envolvidas podem ser afetadas – fazê-lo online reduz a diversão e a intensidade que o momento exige.

Qualquer adaptação tem altos e baixos e, devido a esta pandemia, penso que as empresas tiveram vários aspectos de ambos. As mudanças que cada empresa foi forçada a efectuar não podem ser revertidas assim sem mais nem menos, e é provável que todo o paradigma nas mesmas acabe por se alterar.

Se há algo que esta crise trouxe de positivo, foi o foco na segurança e no bem-estar dos colaboradores, embora não deixe de ser uma pena que tenha sido preciso acontecer algo desta dimensão para que passasse a existir promoção de novas formas de trabalho e valorização das pessoas como os activos mais importantes de uma empresa. Especificamente em relação ao trabalho remoto, acho que todos já percebemos que este pode acontecer perfeitamente e até oferecer melhores resultados. O que, até há bem pouco tempo, foi visto como uma negociação inflexível entre empregador e colaborador, pode ser agora a ferramenta para trabalhar a retenção e uma poderosa vantagem da empresa.

Os grandes players do sector tecnológico estabeleceram mesmo um padrão alto, provando que é possível alcançar os mesmos objectivos (ou mesmo objectivos mais ousados), permitindo que os colaboradores trabalhem remotamente. Não apenas os níveis de motivação aumentaram, como o indicador de produtividade mostrou que funciona. Este benefício, que foi oferecido às pessoas devido a um acontecimento negativo, teve como consequência o facto de quase todos já terem adaptado a sua vida para esta nova realidade, passando pela configuração do escritório em casa até às próprias formas de comunicação e métodos de trabalho.

Acredito que as pessoas vão, agora, começar a procurar um novo normal. E, neste sentido, as empresas tradicionais terão que se adaptar e renovar-se de uma vez por todas. Se não o fizerem, irão, não só perder a capacidade de contratar novos activos, como também dificilmente conseguirão reter os que já possuem. Por sua vez, as empresas modernas irão suavizar os seus processos e começarão a encarar esta como uma oportunidade de chegar a um conjunto alargado de talento noutros locais e reorçamentar as suas despesas nos escritórios físicos.

Estamos a viver uma fase de recuperação e as coisas ainda levarão algum tempo para voltar ao normal, sendo que as implicações desta crise serão sentidas durante muito tempo. Quando a conexão com a comunidade é o cerne da empresa e se acaba por passar uma crise como esta, é natural que isso seja abalado. Assistimos agora ao regresso gradual aos escritórios, e é importante que as empresas mantenham os seus valores, reforcem a sua cultura com as aprendizagens dos últimos tempos e provem à comunidade que ainda cá estão, mais fortes e próximas que nunca.

Todas as mudanças trazem contribuições positivas e esta, em específico, irá com certeza moldar o futuro de trabalho. Positivamente (espero).

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