A sustentabilidade do mercado de trabalho depende da promoção de práticas “age friendly” nas empresas

O Selo de Mérito Age Friendly é a primeira certificação em Portugal que distingue as empresas com as melhores práticas junto dos colaboradores mais experientes. Mónica Póvoas, fundadora da Ageless Portugal, explica em que consiste esta iniciativa e quais os seus objectivos.

 

Por Ana Leonor Martins

 

Numa altura em que tanto se fala na dificuldade das empresas em atrair e fidelizar talento – mas com o foco habitualmente nas gerações mais novas –, o Selo de Mérito Age Friendly centra-se nas gerações mais experientes, sendo um programa de acreditação cujo objectivo é a certificação das empresas, garantindo que cumprem as melhores práticas no que respeita aos colaboradores com mais de 55 anos. Contudo, não se trata só de promover boas práticas, trata-se de uma questão de sustentabilidade, a longo prazo, do mercado de trabalho.

 

Como e quando surgiu a ideia de criar o Selo Age Friendly?
A ideia de criar um programa de acreditação que permitisse a distinção das empresas com as melhores práticas age friendly surge enquadrada na década do Envelhecimento Saudável (2021-2030), alinhada com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Sabemos que em 2050, na Europa, a força de trabalho diminuirá em 15% e que a importância de aumentar a taxa de emprego entre a população sénior é uma questão sensível para a Comissão Europeia. Portanto, acreditámos ser este o momento mais adequada para uma abordagem à distinção das boas práticas implementadas e sustentadas pelas nossas empresas junto dos seus colaboradores mais experientes.

 

Em que consiste exactamente?
Quando se fala em age friendly, o que significa? Refere-se aos profissionais num intervalo de idade específico? O Selo de Mérito Age Friendly reconhece as melhores práticas no que respeita aos seus trabalhadores seniores, ou seja, com mais de 55 anos.

Segundo as projecções da Eurostat, entre 2019 e 2070, Portugal deverá diminuir em 28% a sua força de trabalho, o que equivale a cerca de menos um milhão de portugueses activos no mercado nacional. Esta tendência acarreta elevados custos para a competitividade das empresas e sistemas de segurança social. A forma de inverter esta tendência é encorajar a população activa, cuja idade se aproxima da reforma, a permanecer no mercado de trabalho.

 

Como se pode fazer isso?
Práticas age friendly no contexto organizacional passam por tanto empresas como colegas conseguirem “olhar” os seus trabalhadores seniores para além da sua idade, rugas ou cabelos grisalhos. O propósito é que se foquem no essencial, as suas capacidades, e que afastem os estereótipos idadistas.

 

Que objectivos se propõe alcançar?
Pretendemos encorajar as organizações para que possam, de forma natural, implementar práticas de trabalho valorizadas pelos seus trabalhadores mais experientes. Os trabalhadores com mais de 55 anos auto-avaliam-se como competentes e aptos para o seu trabalho, e reforçam que o seu bem-estar psicológico e saúde física são primordiais na decisão de se manterem activos. No entanto, e infelizmente, a maioria das empresas não partilha desta ideia positiva sobre a sua capacidade de trabalho e sobre o seu desempenho, como podemos verificar pelas baixas percentagens de população sénior activa no nosso país.

 

Hoje, fala-se muito na maior dificuldade das empresas em atrair e fidelizar talento. Diriam que o foco está mais na atracção, e principalmente de jovens?
Sim, é verdade que os trabalhadores mais jovens têm um melhor desempenho nas hard skills, e que é mais atractivo para as empresas. No entanto, é importante referir que os seniores, para além da sua experiência, têm como pontos fortes as soft skills: têm um maior compromisso com o seu trabalho, estão motivados para aprender, registam menor absentismo e uma maior compreensão sobre o que os rodeia.

A cultura organizacional mais salutar será a da igualdade e diversidade. A “atracção intergeracional” permite trabalhar, em sintonia e cooperação, com os devidos talentos para objectivos finais comuns.

 

E a actual maior competição no recrutamento, principalmente em determinados perfis, está a criar “injustiças”, a nível salarial e de benefícios, para o talento que existe “em casa”?
Tal como é destacado pela doutora Vânia de la Fuente-Núñez, autora do primeiro Relatório Global do Idadismo e especialista na unidade de Envelhecimento Saudável na OMS [Organização Mundial de Saúde], é pertinente esclarecer que o idadismo manifesta-se ao longo de todo o nosso ciclo de vida, e não apenas quando somos mais velhos. No mercado de trabalho, por exemplo, verificamos que tantos os mais jovens como os mais velhos enfrentam discriminação, “injustiças”, tanto a nível salarial como de benefícios, com base no factor da idade.

Ou seja, muitas vezes, para o mesmo emprego, podemos receber um salário mais baixo ou menos benefícios quando somos mais novos em comparação com os colegas mais velhos. Porém, é premente reforçar que o talento sénior “da casa” tem necessidades e expectativas distintas da população trabalhadora mais jovem.

A implementação, por parte das empresas, de condições de trabalho valorizadas pelos maiores de 55 influem veementemente na sua decisão de se reformarem, ou, pelo contrário, de se manterem activos no mercado de trabalho.

 

É a primeira certificação em Portugal que distingue as empresas com as melhores práticas age friendly. Quem se pode candidatar ao Selo Age Friendly?
Podem candidatar-se ao Selo de Mérito Age Friendly as empresas de origem portuguesa, ou estrangeira a operar em Portugal, com mais presença nacional, com mais de 50 colaboradores.

 

E qual o processo para serem certificadas?
A sua distinção resultará de uma avaliação interna e externa, realizada através de entrevistas e inquéritos, variando segundo a natureza do negócio e respectiva dimensão.

Quem pretenda iniciar o processo de acreditação do Selo de Mérito Age Friendly deverá efectuar o pedido online em www. selomeritoagefriendly.pt, até ao próximo dia 9 de Junho. A avaliação decorrerá até ao mês de Julho. Em Setembro, serão entregues os relatórios da avaliação, e em Outubro atribuídos os Selos de Mérito Age Friendly.

 

Como é feita a avaliação e por quem?
A atribuição do selo decorrerá da avaliação da Multidados, empresa externa e independente, membro da APODEMO [Associação Portuguesa de Empresas de Estudo de Mercado e de Opinião]. Após o pedido de adesão por parte da empresas, e validada a inscrição, iniciar-se-á o processo avaliativo das diversas variáveis envolvidas. No final deste, as empresas que obtiverem uma pontuação positiva serão distinguidas pelo Selo de Mérito Age Friendly.

 

Para além de poderem eventualmente alcançar este reconhecimento, que outras vantagens têm as empresas ao candidatar-se?
As empresas que não obtiverem o “selo” beneficiarão de mentoria e aconselhamento para melhorar nos aspectos salientados no report de avaliação. Ao candidatarem-se, todas as empresas terão acesso ao estudo das suas boas práticas e à respectiva avaliação referente às dimensões e variáveis analisadas.

 

Quais as expectativas que têm para a evolução da atenção dada pelas empresas ao tema em Portugal?
As expectativas são bastante optimistas. O feedback das empresas tem sido extremamente positivo, e sentimos que existe por parte das organizações uma crescente preocupação com um autodiagnóstico válido relativo às suas práticas, ao nível da diversidade e inclusão, com um foco no factor idade neste caso específico.

 

Este artigo foi publicado na edição de Maio (nº.137) da Human Resources, nas bancas. Caso prefira comprar online, tem disponível a versão em papel e a versão digital.

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