Abbadhia Vieira: «Desenvolver a mentalidade da felicidade nas empresas (e fora delas) é como treinar num ginásio»

Tinha pânico de falar em público, por isso foi estudar Teatro. Hoje, Abbadhia Vieira é mulher dos mil ofícios e, em tudo o que se envolve, não pode faltar um ingrediente especial: o humor. Criou a TEM Soluções e falou com a Human Resources Portugal sobre como trabalhar a performance em comunicação das pessoas e organizações. 

Por Tânia Reis | Foto: Le Vieira

 

Nasceu no Rio de Janeiro e está radicada em Lisboa desde 2017. Actriz, argumentista e cineasta, Abbadhia Vieira é licenciada em Interpretação Cénica pela Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro, mestre em Estudos Cinematográficos pela Universidade Lusófona e doutorada em Ecologia Humana com ênfase em Humor na Universidade Nova de Lisboa. Hoje é mentora em Comunicação e advoga a mentalidade da felicidade dentro e fora das organizações.

 

Está radicada em Portugal desde 2017. Por que escolheu Lisboa?

Lisboa é uma cidade que se parece muito com o Rio de Janeiro em relação à luz e à proximidade com a natureza, mesmo sendo cidade urbana. Descobri que é a Cidade Luz da Europa. Refiro-me à luz natural e isso faz muita diferença para quem aprecia o sol e a boa iluminação. Fernando Pessoa escreveu uma vez “que se fosse Deus parava o sol sobre Lisboa”.

 

Escritora, empreendedora, mentora, coach, actriz, argumentista e cineasta, stand up comedian, mulher, mãe… Até agora, qual foi a “profissão” mais desafiante?

Sem dúvida alguma, ser mãe é a mais desafiante e em compensação é a mais bem remunerada, pois é a única em que o salário emocional basta. Escritora também foi um desafio grande. Só escrevi um livro e, ao terminá-lo, achei que os meus pensamentos não estavam mais comigo. Sou muito de falar e não escrever, então tive de gravar todo o livro, depois transcrevê-lo e, somente depois disso, foi para a editora. Foi bastante desafiante.

 

Porquê a mudança constante de rumos na sua vida?

Sou movida a isso. Muito inquieta e acelerada, gosto muito de experimentar coisas, lugares, pessoas, culturas e como internamente estamos sempre em mudança, arranjei uma desculpa para justificar isso também nas mudanças externas. As nossas células não são as mesmas, o nosso cabelo, unhas, sentimentos estão sempre em movimento e para treinar um olhar diferente precisamos de experiências diferentes. Como actores precisamos de material humano para criar coisas novas e isso acontece a partir de experiências.

 

Advoga a mentalidade da felicidade. Em que consiste e como se constrói?

Desde que começámos a estudar sobre a felicidade, o meu sócio Miguel Lambertini e eu debatemos que a felicidade é também uma forma de pensar sobre nós mesmos em relação às coisas que nos acontecem. Está sempre relacionado com o “view point”.  Eu não consigo mudar as circunstâncias, mas consigo mudar a forma como elas me afectam. Desenvolver isso é como treinar num ginásio. Algumas pessoas precisam de treinar mais do que outras e identificar isso é o primeiro passo.  Em termos práticos, todas as vezes que estamos descontentes com algo e reclamamos, sem perceber, estamos a caminhar para a infelicidade. É silencioso. Por outro lado, se identificamos algo e analisamos isso como uma fase necessária para o salto, isso alimenta-o de coisas positivas e, consequentemente, começamos a caminhar em direção à felicidade, ao contentamento. Às vezes parece tão simples na teoria que menosprezamos e desperdiçamos a oportunidade de testar. O meu pai tem um exemplo que eu adoro. Num aniversário dele, quis provocá-lo e disse-lhe que estava a ficar velho. O que é natural, pois vamos mesmo envelhecendo. A resposta dele foi diferente. Ao invés de me responder com pesar, disse-me a rir: «Sim, estou a ficar velho, mas a alternativa é mais triste!». Isso é um verdeiro “life hacking” e uma mentalidade de felicidade!

 

Como implementar essa mentalidade nas empresas?

Em primeiro lugar, defendo que não há diferença entre mentalidade de felicidade dentro ou fora da organização. A felicidade é pessoal, individual e intransmissível. Por exemplo, duas pessoas trabalham na mesma empresa, no mesmo sector, com o mesmo chefe, o mesmo salário, a mesma função e ainda assim uma sente-se feliz e a outra acha aquilo um castigo. Atenção que intransmissível não quer dizer não contagiante. Tanto a alegria quanto a tristeza são contagiantes. Por isso, quando falam de Mentalidade de Felicidade nas empresas, a maior missão é preparar as pessoas para esse desenvolvimento de mentalidade com estímulos, exemplos (refiro-me aos bons), histórias (refiro-me às boas) e trabalhar de maneira incansável para que haja integração entre o sonho (missão) da empresa e o sonho (missão) dos seus colaboradores. Isso também se pode treinar.

Um professor universitário português disse-me algo muito interessante sobre a diferença de mentalidades entre Portugal e os EUA. Ele deu aulas na Carolina do Norte e quando alguém tem algo novo, seja produto ou serviço, a discussão é sobre quem faz primeiro. Em Portugal, a discussão é sobre quem faz por último, já com a certeza de que tudo foi testado antes e com o mínimo de hipótese de erro. Achei essa análise muito interessante, pois para implementar algo nas empresas é preciso que elas estejam aptas a testar, conhecer os seus colaboradores e mostrarem abertura para a errar e corrigir rapidamente. Sem isso, continuaremos a falar do tema por mais anos sem que de facto se reflicta em resultados positivos no ambiente de trabalho.

Outro ponto importante é o olhar atento a nós mesmos. Se falarmos de pessoas tóxicas estamos a falar de todos nós. A questão é saber minimizar a sua toxicidade para afectar menos os outros e aprender também a blindar-se em relação à toxicidade alheia.

Conhece a história do tomate? 1) Era considerado venenoso porque matava as pessoas; 2) matava porque era servido em prato de estanho e o tomate ácido em contacto com o estanho libertava chumbo; 3) o chumbo consumido regularmente envenenava.

Agora eu pergunto: Era problema do tomate, do estanho ou do chumbo? O problema era não saber que a combinação era mortal. Todos temos o nosso próprio prato de estanho! Qual é o seu prato de estanho? O que o faz ficar venenoso? Sabendo isso, terá mais hipóteses de minimizar os estragos e afectar menos as pessoas à sua volta… Quer ser menos tóxico? Pergunte-se como!

 

Qual a importância do humor no bem-estar dos colaboradores? E na liderança?       

Perguntaram-me numa palestra como diminuir o número de pessoas mal-humoradas na empresa e eu respondi «Basta aumentar o número de bem-humorados porque os mal-humorados não suportam pessoas alegres».

Sabemos que há dias em que nem tudo está bem, mas se isso começa a ser recorrente é um sinal de que há algo desequilibrado. Pessoas felizes não querem conflito com ninguém.  O humor permite o olhar generoso da tolerância ao erro. O humor transforma cientificamente a saúde. Manter um ambiente bem-humorado com pessoas tolerantes é a chave para a saúde da cultura empresarial.

Somos de uma geração de transição. Sou da época em que o chefe mandava e quem tinha juízo obedecia sem contestar, com o único objectivo de manter o emprego, mesmo que insatisfeito. Actualmente, isso já não é aceitável (ainda bem)! A liderança que não perceber isso a tempo e não se capacitar vai ser como a máquina de escrever. Sabemos foi útil por um tempo, mas hoje temos soluções melhores. Se a liderança não estiver disposta a disseminar essa nova cultura haverá apenas duas coisas a acontecer: pessoas bem-humoradas e produtivas sairão da empresa e ficarão aquelas que partilham a cultura anti-produtiva.

 

Como compara o humor dos portugueses e dos brasileiros?

Acho os portugueses muito predispostos a aceitar o humor desde que não sejam o alvo. Já o povo brasileiro permite-se mais ao rídiculo. Habitou-se a rir mais de si mesmo. Não sei dizer se é circunstancial ou somente o meu ponto de vista parcial. Uma simples brincadeira com a plateia às vezes faz o público calar-se ou esconder-se. Já vi espectáculos onde o público aqui evita sentar-se nas primeiras filas (se puder) quando sabe que poderá haver interacção. No Brasil as coisas são mais difíceis e, por isso, as pessoas criaram formas de aprender a rir e a divertir-se com o que estiver disponível. Acho que os brasileiros reclamam menos, mesmo tendo mais motivos. Não é uma generalização, é uma percepção de que em Portugal temos mais condições de sermos alegres do que muitos outros países no mundo. Temos de treinar o olhar do ponto de vista positivo. Incluo-me nessa lista porque preciso de estar sempre alerta ou então torno-me uma “reclamona”. Sou muito alegre, rio e brinco muito, mas também reclamo muito.

 

Em 2009, desenvolveu o TEATRO BUSINESS. Em que consiste?

Resumindo rapidamente, comecei a estudar teatro porque sofria de glossofobia – medo de falar em público – e depois de estudar na universidade de Artes Cénicas, mesmo continuando a não querer subir ao palco, percebi que boa parte dos meus medos estavam mais controlados e quatro anos depois da minha formação criei um método no qual, inicialmente, o objectivo era ajudar as pessoas a melhorarem os seus medos de falar em público através dos exercícios de teatro com adaptações para o mercado de trabalho.

Comecei a receber briefings das empresas de outros problemas igualmente importantes como o falar em público e, aos poucos, fui criando módulos diferentes para cada necessidade.

Se uma empresa precisa de integrar os seus colaboradores, melhorar a performance em vendas, melhorar a comunicação, reduzir gaps, falar melhor em público, liderar com bom humor, para tudo isso utilizamos exercícios e jogos do teatro em programas diferentes, com uma linguagem corporativa, para que possam usar o que há de melhor do teatro sem que isso os direcione especificamente para se tornarem actores.

As técnicas do teatro permitem um autoconhecimento e desenvolvimento humano de maneira expressiva e intensa e isso é uma das chaves da felicidade.

As tão faladas soft skills como ferramentas necessárias encontram no teatro business um território fértil para treino com muito bom humor. É uma zona de teste com três regras:

1- Não se critique; 2- Não critique o outro; 3- Não quebre as regras 1 e 2.

 

Brevemente vai iniciar uma viagem até Helsínquia num motorhome para filmar um documentário sobre a felicidade dentro e fora das organizações. O que espera encontrar?

Esse episódio é tragicómico. Estávamos há 14 meses nessa preparação entre planear, comprar e preparar o veículo, tirar a carta de pesados e encontrar os personagens do documentário. Em Abril partimos de Lisboa com destino à Finlândia e mesmo com tanta preparação tivemos um problema mecânico em Vilar Formoso. Estivemos quatro meses para identificar o problema, rebocar o veículo de volta para Lisboa e conseguir peças e profissionais para resolver o problema. Com isso tudo, o projecto teve de voltar para a gaveta e aguardar pelo próximo ano com outra estrutura. Antes que o happiness virasse sadness, preferimos recuar temporariamente.

 

A Finlândia é considerada o país mais feliz do mundo. Quais os requisitos que considera fundamentais para a felicidade?

Considerada por cinco anos consecutivos, segundo a ONU. Quanto mais estudamos sobre a felicidade mais descobrimos que temos de continuar a estudá-la. Existem estudos que diziam que 50% da felicidade das pessoas era de carácter genético (2005 – Review of General Psychology). Porém isso foi desacreditado e criticado em 2019. Acrescentaram ao estudo que até mesmo a genética é influenciada pelo ambiente – natureza (nature) e experiência (nurture). Ou seja, voltamos a falar de ambiente, pessoas e mentalidade. Existe um módulo no curso Happiness Mentality que usa uma analogia interessante do Dr. Rajagopal Raghunathan, que diz que a felicidade é como balões de ar. Não basta preocuparmo-nos apenas com o encher, é preciso não deixar esvaziar e essa capacidade de remendar os furos é também uma forma de atingir a felicidade. Ou seja, o ar são as coisas que nos deixam felizes, os furos são as coisas que nos deixam infelizes e os remendos representam a maneira como lidamos com os furos. Convém não esquecer que, quando enchemos demais, o balão rebenta. Buda, com a sua sabedoria, disse isso há muito tempo, o caminho do meio é o melhor.

Na minha opinião, o elemento de comparação é um inimigo bastante perigoso. Precisamos de nos conhecer e criar as nossas metas de acordo com a nossa evolução. Sempre que me comparo com alguém perco a oportunidade de fazer isso comigo mesma e acabo por ser injusta, tanto para o bem como para o mal. Precisamos de rir, cair, aprender, rir novamente e não desistir de nós mesmos. De simplicidade em simplicidade, vamos criando a nossa happy list e alcançando as nossas metas de felicidade. A idade ajuda bastante. Sei que vamos perder colágeno, mas precisamos trocar por sabedoria. Continuamos a rir!

 

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