Agenda do Trabalho Digno: aparente tentativa de equilíbrio no pós-pandemia

A “Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado no Mercado de Trabalho”, proposta de lei do actual Governo socialista, aprovada em reunião de Conselho de Ministros de 21 de Outubro de 2021, apresenta como principais pilares o combate à precariedade e a regulação de novas formas de trabalho, nomeadamente associadas às plataformas digitais.

 

Por Carmo Sousa Machado, sócia da Abreu Advogados e Maria Alexandra Jardim, advogada estagiária da Abreu Advogados

 

Desde cedo recusada pela concertação social, patrões e sindicatos de igual modo, esta Agenda, surgida no aparente rescaldo pós-pandémico e no contexto de negociação do Orçamento do Estado, procurava ser um ponto de equilíbrio entre a tão necessária reabilitação económica das empresas e empregadores, e a proteção reforçada dos direitos dos trabalhadores, em especial situação de fragilidade neste novo contexto económico-social. Chumbado o Orçamento do Estado, a análise das medidas anunciadas nesta proposta surge com redobrado interesse, permitindo avaliar a estratégia laboral seguida, embora com a sombra de uma eventual dissolução do Parlamento.

Atrás de bandeiras populares como a criminalização do trabalho não declarado, com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias, surgem outras, como a extensão da aplicação de contraordenações em casos de regularização voluntária do mesmo, que acabam por dissuadir a retificação destes comportamentos através da manutenção de sanções, numa estratégia que se afigura incoerente nos seus verdadeiros impactos.

Incluída neste pacote legislativo, encontramos também uma redução do número máximo de renovações dos contratos de trabalho temporário, de seis para quatro, estipulando-se igualmente que, decorridos quatro anos de cedências temporárias por uma empresa de trabalho temporário, ou outra do mesmo grupo, estas passarão a estar obrigadas a integrar os trabalhadores cedidos nos seus quadros. Outra das medidas anunciadas é a proibição de recurso a “outsourcing” no período de um ano após o recurso pelas empresas a despedimento coletivo ou a processos de extinção de postos de trabalho.

Com a crise económica que atravessamos, e no rescaldo dos últimos dois anos, que dizimaram inúmeras empresas e geraram inultrapassáveis necessidades de reestruturação interna em muitas outras, de dificuldades transversais a diversos sectores de actividade, esta limitação impede o recurso a estruturas de organização essenciais à recuperação da eficiência laboral. E, visando a redução da precariedade laboral, estas medidas acabam, ao invés, por reduzir a oferta de postos de trabalho, pese embora indirectos, numa altura em que os índices de desemprego começam finalmente a recuar.

Destaca-se ainda a tomada de posição, com a criação de uma presunção de existência de contrato de trabalho com operadores de plataformas, quando se verifiquem indícios de relação entre plataformas e prestador de actividade, e entre este e os clientes, criando entraves adicionais à inovação, e em geral à entrada em Portugal destas entidades que são a nova realidade da dinamização económica.

Num dos países da OCDE já com a legislação laboral mais rígida, destaca-se ainda a inclusão nesta Agenda de uma actualização dos valores das indemnizações por despedimento, de 12 para 24 dias, e na remuneração do trabalho suplementar para os valores em vigor até 2012, a partir das 120 horas anuais, com um acréscimo de 50% na primeira hora em dias úteis, aumentando para 75% a partir da segunda hora; nos dias de descanso e feriados este acréscimo passa para os 100%.

Nem tudo são pontos negativos. Medidas como o repensar do regime de teletrabalho, já há muito necessário, constituem uma interessante e bem construída base para a reabilitação económica, respondendo a muitas das necessidades que a pandemia veio revelar. Contudo, a Agenda para o Trabalho Digno falha na sua tentativa de equilíbrio, reforçando as obrigações e o peso colocado nas empresas numa altura em que estas necessitam de margem de liberdade para ganhar competitividade, ainda que isso passe por reestruturar.

 

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