Ainda tem dúvidas sobre a aplicação transitória da taxa zero de IVA nos bens essenciais? Esclareça-as aqui

A Lei n.º 17/2013, de 14 de Abril, veio prever a isenção temporária de IVA, com direito à dedução (taxa zero), com respeito a um conjunto de bens alimentares essenciais, por um período de vigência limitado. A Rogério Fernandes Ferreira & Associados reuniu informação sobre o tema.

Esta medida pretende dar resposta ao aumento extraordinário dos preços dos bens alimentares motivado pela inflação, tendo sido antecedida de uma negociação entre o Governo, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), o que culminou na assinatura de um pacto para a redução e estabilização de preços dos bens alimentares em Março de 2023.

 

O âmbito de aplicação
De acordo com a Lei publicada, é consagrada uma isenção excepcional e temporária de IVA, com direito à dedução (taxa zero), aplicável nas importações e transmissões dos seguintes bens alimentares:

  • Cereais e derivados, tubérculos (pão, batata em estado natural, fresca ou refrigerada, massas e arroz);
  • Legumes e produtos hortícolas frescos ou refrigerados, secos, desidratados ou congelados, ainda que previamente cozidos (nomeadamente, cebola, tomate, alface, abóbora, ervilhas, entre outros);
  • Frutas no estado natural (maçã, banana, laranja, pera e melão);
  • Leguminosas em estado seco (feijão vermelho, feijão frade e grão-de-bico);
  • Lacticínios (leite de vaca em natureza, esterilizado, pasteurizado, ultrapasteurizado, fermentado ou em pó, iogurtes ou leites fermentados e queijos);
  • Carne e miudezas comestíveis, frescas ou congeladas de porco, frango, peru e vaca;
  • Peixe fresco (vivo ou morto), refrigerado, congelado, seco, salgado ou em salmoura, com exclusão do peixe fumado ou em conserva (bacalhau, sardinha, pescada, carapau, dourada e cavala);
  • Atum em conserva;
  • Ovos de galinha, frescos, secos ou conservados;
  • Gorduras e óleos (azeite, óleos vegetais directamente comestíveis e suas misturas e manteiga);
  • Bebidas e iogurtes de base vegetal, sem leite e lacticínios, produzidos à base de frutos secos, cereais ou preparados à base de cereais, frutas, legumes ou produtos hortícolas; e
  • Produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos.

Pese embora as operações relativas à importação e transmissão dos bens alimentares previamente mencionados se encontrem isentas de IVA, o legislador conferiu, ainda assim, o direito à dedução do imposto que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a sua realização, assegurando, por esta via, que a consagração desta medida respeita o princípio da neutralidade que subjaz ao funcionamento deste imposto.

 

A vigência e entrada em vigor
Enquanto medida de aplicação transitória, o legislador definiu a sua vigência a partir de dia 18 de Abril, até ao dia 31 de Outubro de 2023.

 

Os impactos
Não obstante tratar-se de uma isenção que não restringe a capacidade de dedução (em sede de IVA) dos sujeitos passivos que praticam estas operações, parece-nos que a introdução desta isenção poderá potenciar distorções de concorrência motivadas pela inclusão de determinados bens na referida lista, em detrimento de outros, também susceptíveis de serem considerados essenciais.

Por outro lado, de acordo com as estimativas apresentadas pelo Governo, a medida deverá impactar as receitas fiscais do Estado em cerca de 600 milhões de euros, sem garantir aos contribuintes, porém, que a generalidade dos operadores económicos não venha a incorporar o montante correspondente ao IVA ora isento nos produtos alimentares comercializados.

Em paralelo, trata-se de uma alteração que não atende ao nível de rendimentos obtidos pelas famílias, colocando bem menos pressão sobre aquelas que obtêm rendimentos mais elevados.

Espera-se igualmente que a medida em análise venha criar dificuldades à actividade das empresas, que terão de se adaptar a uma isenção de imposto, temporária, incrementando a necessidade de adaptação dos sistemas informáticos dos operadores económicos, assim como os pedidos de informações vinculativas junto da Administração tributária e os processos contenciosos junto dos tribunais judiciais ou arbitrais, relativamente a eventuais dúvidas que possam surgir quanto ao âmbito de aplicação das verbas consagradas.

Do lado dos contribuintes, justifica-se o receio, por um lado, de que a materialização da isenção do IVA sobre aquele cabaz se traduza numa medida de curta relevância para as suas economias e, por outro, que os operadores económicos aproveitem para aumentar as suas margens de lucro.

Caberá, por isso, acompanhar a introdução da isenção de imposto e, bem assim, a forma como irá impactar a actividade dos sujeitos passivos de IVA, agora temporariamente isentos e, principalmente, que não tenha, a final, os efeitos nefastos e incongruentes que a medida teve já noutros países, como em Espanha, onde não surtiu efeito.

Seria porventura melhor, pelo menos, ponderar a via da subsidiação directa às famílias mais pobres que são as mais afectadas e, bem assim, o reembolso do IVA pela Administração tributária, através do e-fatura e em função da capacidade contributiva dos contribuintes, o que permitiria conceber a eliminação das desigualdades decorrentes da aplicação de uma isenção indiscriminada para todos os contribuintes.

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