Ana Gentil Martins, CBRE Portugal: «A maternidade não pode ser incompatível com uma carreira profissional»

Comprometida com uma estratégia focada nos quatro P (People, Places, Properties and Planet), a CBRE, consultora de prestação de serviços para o sector imobiliário, acaba de destacar dois novos órgãos de gestão, compostos por elementos da equipa de diferentes áreas e gerações, permitindo uma perspetiva mais diversa na tomada de decisão. Para Ana Gentil Martins, Chief Financial and Compliance Officer, o reconhecimento, os valores, a proximidade e as oportunidades de crescimento são os factores-chave que a fazem apostar na empresa há mais de três décadas.

Por Tânia Reis

 

Com uma família numerosa (de oito filhos), revela que nunca sentiu dificuldades em conciliar a sua vida profissional e pessoal e que sempre foi motivada a crescer e desenvolver-se na CBRE. Numa força de trabalho equilibrada no que ao género e à idade dizem respeito, o foco está no respeito e no mérito, valores que devem orientar os colaboradores. Ainda assim, reconhece que as soft-skills são uma das grandes vantagens da liderança no feminino.

 

Está na CBRE Portugal há mais de 30 anos. O que a tem feito “apostar” na empresa ao longo destas três décadas?

A CBRE rege-se por princípios com os quais sempre me identifiquei. Esses princípios éticos, traduzidos nos nossos valores RISE, de Respeito, Integridade, Serviço e Excelência, representam uma forma de ser e estar no mercado e nos negócios, diferenciadora e demonstrativa de que é possível aliar a força e a convicção nos princípios, a resultados extraordinários e a uma posição de liderança no mercado. Essa, para mim, é uma aposta absolutamente certeira, que faço, com gosto, diariamente. Outro factor foi sem dúvida as pessoas com quem tive o privilégio de trabalhar ao longo destes 30 anos, que me ajudaram a crescer tanto do ponto de vista profissional como humano.

 

Com uma família numerosa, com oito filhos, quais os principais desafios na conciliação da sua vida profissional com a sua vida pessoal e familiar?

Os mesmos que os de qualquer mãe que tem um emprego, multiplicado pelo número de filhos e pelo peso da responsabilidade inerente ao cargo que ocupo, mas dividido pela disponibilidade e entrega da família no seu todo e pelo respeito e reconhecimento com que a CBRE sempre me tratou.

O que une e cimenta esta fórmula é, sem dúvida, a certeza de que aquilo que faço não o faço sozinha, mas sustentada por “outro”. Tenho a graça de ser católica e de a fé não ser uma dimensão “adicional” na minha vida, mas, pelo contrário, absolutamente estruturante e presente em tudo o que sou e faço.

Isto não significa que é sempre fácil conciliar a minha vida profissional e familiar. Nem sempre me foi possível estar tão presente como gostaria na vida dos meus filhos, ir buscá-los à escola, ou fazer com eles os trabalhos de casa. Por outro lado, também houve reuniões da CBRE em que não pude estar presente e trabalhos que gostaria de ter tido mais tempo para aprofundar ou fazer melhor. Na conta final, pesou sempre muito o apoio de toda a minha família, em especial do meu marido e dos meus filhos mais velhos e a compreensão da empresa que conquistei através do meu trabalho.

 

Recorda algum momento que tenha sentido algum tipo de preconceito por ser mulher no cargo que ocupa?

Não me recordo de alguma vez me ter sentido discriminada. Pelo contrário, sempre me senti reconhecida e apoiada pela CBRE, tanto pelos dois CEO da CBRE Portugal com quem trabalhei durante estes 30 anos, como pela liderança da empresa a nível internacional. Lembro-me de ser sempre surpreendida com a compreensão e amizade com que ambos receberam as notícias das minhas gravidezes (que durante alguns anos foram muito seguidas …) e de como isso sempre me motivou a dar o meu melhor pela CBRE.

 

Como se caracteriza a força de trabalho na CBRE em Portugal?

A força de trabalho na CBRE é muito variada, tal como é muito variada a amplitude de serviços que prestamos. Nos últimos anos, temos assistido a um contínuo aumento na contratação de mulheres, o que vemos como muito positivo, não só pela diversidade que aporta, como mais um sinal que o mercado imobiliário vai beneficiando dessa contribuição, a todos os títulos valiosa. Actualmente, temos um rácio de 46% de mulheres para 54% de homens. Em termos de faixa etária temos também uma amplitude grande entre os 50+ e os 24 e, na sua maioria, licenciados.

 

A CBRE tem medidas específicas para promover a igualdade de género?

A CBRE tem medidas específicas para promover o mérito e a progressão, independentemente do sexo, idade, raça, convicções, origens…

Vemos a não discriminação de uma forma global e temos programas de formação específica contra a discriminação, que fomentam a ideia de que o respeito e o mérito são os valores que devem orientar os nossos colaboradores.

 

De que forma constituem factor de atracção e fidelização de talento feminino?

Não nos posicionamos especificamente para atrair e fidelizar talento deste ou daquele tipo. No entanto, temos uma preocupação genuína em reconhecer talento feminino, com o objectivo de garantir que o mérito de qualquer pessoa é sempre acarinhado e compensado.

 

A União Europeia acordou uma quota que obriga as empresas dos estados-membros a terem 40% dos cargos de administração ocupados por mulheres, em 2026. Concorda com esta medida? Justifique.

Penso que as mulheres não precisam dessas quotas para que o seu peso nestes cargos aumente naturalmente nos próximos anos e que todas as pessoas (homens ou mulheres) devem ser promovidas com base no mérito. Esta legislação acabará por acompanhar o que, a meu ver, aconteceria sempre. Há 50/60 anos, havia poucas mulheres no mercado de trabalho empresarial e a sua entrada foi-se dando devagar, inicialmente para cargos de apoio ou administrativo. Entretanto, em especial nos últimos 50 anos, aumentámos exponencialmente o número de mulheres com formação e com licenciatura, o que tem vindo a mudar a antiga composição das empresas, maioritariamente masculina, em especial nos cargos de administração.

 

Acredita que o tema está efectivamente na agenda das empresas no nosso país?

Parece-me que sim. Não creio que, neste momento, existam muitas empresas que não tenham estes assuntos como prioridade de agenda.

 

Que razões aponta para o facto de Portugal ocupar apenas o 11º lugar na União Europeia com presença feminina nos conselhos de administração das empresas?

Penso que é, de certa forma, consequência da fase do ciclo em que nos encontramos. Portugal arrancou mais tarde do que muitos países europeus na abertura de possibilidades diferentes das, até então, tradicionais para as mulheres e isso reflecte-se, inevitavelmente, nos rankings comparativos com outros países em que essas possibilidades se abriram bastante antes.

 

Que medidas adicionais podem impulsionar a paridade de género e salarial no nosso país?

Tem de haver uma contínua consciencialização de que a maternidade não pode ser incompatível com uma carreira profissional para as mulheres que pretendem ter esse percurso de vida. Da mesma forma que não pode haver julgamentos negativos ou preconceitos quanto a mulheres que optam livremente por se dedicar, integralmente, à sua família.

Essa consciencialização é global – das nossas empresas, dos nossos políticos, mas também da sociedade em geral e de cada família em particular.

Tudo o que sejam apoios à maternidade são uma aposta ganha. Quer pelo incentivo à natalidade, cujo decréscimo é preocupante, quer porque todos devemos querer o melhor para as mães deste país. É um excelente princípio para uma sociedade ser saudável.

Isso implica apoiar, em termos financeiros e em termos práticos, com soluções como a gratuitidade das creches ou o alargamento a soluções gratuitas de apoio no termo do horário escolar a todas as mães, a liberdade de educação e a possibilidade de as famílias poderem escolher a escola dos seus filhos, a flexibilidade no horário e no local da prestação do trabalho.

Quanto à paridade salarial, que me parece essencial, creio que o caminho legislativo que estamos a seguir em Portugal vai obrigar a que as empresas tomem as medidas necessárias para que essa paridade se torne uma realidade.

 

Da sua experiência, quais as principais vantagens da liderança no feminino?

Diria que as chamadas soft-skills são uma das grandes vantagens da liderança no feminino. A essas acrescentaria a capacidade de organização, de multi-tasking, a sensatez, o sentido de responsabilidade e de auto-exigência.

 

Que conselhos deixaria às mulheres que pretendem ascender nas suas carreiras profissionais?

O mesmo que daria a qualquer pessoa. Não procurem uma vida fácil, mas uma vida verdadeira e exigente. Gostem daquilo que têm para fazer, o que é diferente de fazer só aquilo que se gosta. Uma vida fácil não é sinónimo de felicidade. Pelo contrário, quando somos exigentes connosco, estamos inteiros naquilo que fazemos e procuramos a verdade, somos muito mais realizados e felizes.

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