As mulheres têm menos dentes do que os homens. Ou a falácia das verdades absolutas

Como na Grécia Antiga, também na gestão das organizações existem verdades tidas como absolutas. A resposta à pergunta sobre qual é o primeiro objectivo de uma empresa privada, é criar valor ao accionista. Mas, uma organização sem propósito consegue gerar valor?

 

Por equipa Purpose Lab

 

Aristóteles, filósofo grego, afirmou no ano 350 a.C. que as mulheres tinham menos dentes do que os homens. Durante anos, esta foi uma verdade absoluta. Poucos tinham meios para questionar Aristóteles. Naturalmente, algures no tempo, alguém avaliou de forma científica esta verdade e demonstrou que o número de dentes era igual.

Também na gestão das organizações existem verdades absolutas. Quando se questiona qual o primeiro objectivo de uma empresa privada, a resposta mais óbvia é criar valor ao accionista. Tem-se colocado esta pergunta a empresários, gestores e alunos de gestão. Em 90% das vezes, a resposta é essa a antes referida (Purpose Lab, 2022). Mas será que esta “verdade absoluta” é adequada aos dias de hoje? As evidências sugerem que pode não ser exactamente assim:

  • Segundo o estudo Happiness Works (2021), com base nas respostas de 6380 profissionais em Portugal, nas organizações onde não existe um propósito, o absentismo é superior em 36%, e a incapacidade de reter colaboradores é superior em 41%;
  • O trabalho de investigação realizado por Lerer (2022) em Portugal demonstra que existe uma correlação (0,536) entre a existência de propósito no trabalho e a vontade em permanecer na mesma organização;
  • Um estudo conduzido pelo Purpose Lab em Portugal, com base em respostas de mil consumidores, 87% preferem consumir marcas nas quais reconheçam um cuidado com a sociedade, e estão dispostos a pagar mais 13% pelas mesmas (este valor é puramente indicativo, dependendo da categoria de produtos, sendo certa a predisposição para se pagar mais);
  • O CEO do fundo de investimento Black- Rock, em entrevista ao NYTimes (2018), referiu que estariam mais disponíveis para investir em organizações que tenham também como foco contribuir para o bem-estar da sociedade;
  • Hoje, o acesso a fundos públicos está cada vez mais condicionado à existência de políticas de gestão que permitam respeitar e contribuir para os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Estes factos demonstram que uma organização que não tenha um propósito e que não contribua para o bem-estar da sociedade terá menos acesso a talento, menos consumidores, menos valor pelos seus produtos/serviços e menos acesso a capital privado e público. Será uma organização menos sustentável e com menos valor para os accionistas. Existem, também, estudos académicos que demonstram a importância do propósito organizacional (entre outros):
  • Dupret e Pultz (2020). Demonstram que o propósito está presente no relatório anual ou declaração de missão de quase todas as organizações, sendo estratégico. Origina uma maior confiança entre os stakeholders e a organização, e uma maior transparência entre a sua missão e acções;
  • Gartenberg et al. (2016). As organizações com propósito caracterizam-se pelo grande companheirismo entre os trabalhadores e a clareza na gestão. Os colaboradores têm uma forte crença no significado da sua função, que se traduz em mais produtividade;
  • Pratt e Ashforth (2003). Cada vez mais, as organizações são encorajadas a implementar práticas que fomentam a transcendência, ou seja, que possam contribuir para um bem maior, desenvolvendo um propósito organizacional coerente com o propósito pessoal dos seus colaboradores.

 

O primeiro objectivo das organizações
Com estas evidências, coloca-se a questão: a verdade absoluta de que o primeiro objectivo de uma empresa privada é criar valor para o accionista mantém-se válida? Ou pode e deve ser questionada como foram “os dentes de Aristóteles”?

Parece ser claro que uma organização sem propósito, que não contribua para o bem-estar da sociedade, é menos sustentável e terá problemas de viabilidade. Acreditamos poder afirmar que o primeiro objectivo, a razão de ser, de uma organização, deverá ser contribuir para a sociedade no contexto em que está inserida.

O accionista tem de ser remunerado conforme a sua expectativa, e o lucro não deixa de ser essencial. Mas é algo que acontecerá naturalmente. A organização com propósito terá mais facilidade em contratar e reter talento, em cativar mais consumidores, em vender os seus produtos/serviços por um valor maior, e mais facilidade de acesso a capital.

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Setembro (nº.141) da Human Resources, nas bancas.

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