Bruno Bonone: «Discutir salário mínimo é discutir quão miseravelmente vamos pagar às pessoas. É preciso introduzir o conceito de salário digno.»

Na apresentação dos resultados do Guia do Mercado Laboral 2020, da Hays, Bruno Bobone, presidente da Câmara de Comercio e Indústria Portuguesa (CCIP), afirmou que o nível de rendimento dos portugueses continua a ser um dos grandes entraves ao desenvolvimento do nosso país.

 

Na sua intervenção, Bruno Bobone partilhou que o nível salarial que existe em Portugal é um tema que o tem preocupado ao longo dos anos, tendo vindo a debater-se por se «fugir da discussão sobre o salário mínimo, que mais não é do que discutir o quão miseravelmente vamos pagar às pessoas».

Fazendo referência ao tema do evento promovido pela Hays (na quinta-feira passada, no Centro Cultural de Belém) – Atrair e reter talento -, o responsável salientou que «a questão salarial é fundamental, porque dificilmente vamos conseguir atrair e reter talento – não só para as empresas, mas para o país – se não tivermos condições salariais interessantes. Com salários miseráveis, não é realista pensar que as pessoas se vão sentir motivadas a trabalhar pelo desenvolvimento do país», reiterou.

Mais, um estudo divulgado pelo Banco de Portugal, alerta que, entre 1995 e 2018, Portugal de foi afastando do resto da Europa no que diz respeito ao nível de rendimentos. «Fomos, durante esse período, ultrapassados por sete países, o que significa que estamos claramente num caminho errado, que temos que inverter.»

Bruno Bobone reconheceu que «a falta de riqueza no nosso país, a falta de capitalização e de rentabilidade das nossas empresas, o nosso baixo nível de produtividade, são problemas reais e condicionadores do nosso desenvolvimento», mas defendeu que o problema não passa só por aí, mas por uma questão cultural. «Precisamos mudar o paradigma e a maneira de pensar das nossas associações patronais, dos nossos sindicatos e dos nossos governos.»

O presidente da CCIP acredita que a génese do problema está no princípio da economia liberal e de mercado, que tinha como permissa – á luz da época – que é o crescimento da riqueza que promove o desenvolvimento. «E está certo. Oque está errado é que a criação da riqueza seja vista como objectivo último do desenvolvimento económico. O crescimento da riqueza devia ter como objectivo o desenvolvimento, mas para que isso seja possível tem que se associar ao crescimento da riqueza a distribuição dessa riqueza. É esse paradigma que devia estar na mentalidade dos nossos empresários, sindicatos e governos.»

Tendo em vista desenvolver processos e mudanças culturais que permitam inverter este caminho, Bruno Bonone tem defendido que se comece a discutir a introdução do conceito de um salário digno. «É redutor continuar a propor aumentos do salário mínimo, que pouco ou nada alteram a vida dos cidadãos. O que é preciso é encontrar um nível de salário equilibrado, que permita que uma pessoa possa assegurar uma vida digna, para si e para a sua família, mas também ter o suficiente para promover o seu desenvolvimento.»

Continuou: «Se chegarmos aqui, vamos ter uma vantagem enorme – pessoas com estas condições são pessoas motivadas para entregar de volta à empresa. Este é que deve ser o paradigma. E não devemos estar à espera que a pessoa produza para depois lhe pagar, devemos, sim, criar as condições e um sistema que promova a produtividade, obviamente que exigindo resultados. Ao sermos exigentes, todos beneficiam.

Devemos discutir como vamos aumentar os salários dos colaboradores, em função da produtividade que trazem de volta. Para o Estado também seria bom porque teria uma população que consome mais, logo, pagaria mais impostos. E quem sabe o Governo usasse isso para diminuir a carga fiscal sobre o trabalho, transferindo o peso da carga fiscal para o consumo.»

 

Trazer as pessoas para a gestão

Bruno Bobone acrescentou ainda que o problema também passa por continuarmos a ter muitas empresas baseadas em modelos do século XIX. «E os sindicatos  promovem estes modelos porque chegaram à conclusão que quando as pessoas são mais preparadas, deixam de ser sindicalizadas. Assim, estão erradamente convencidos que para subsistirem têm que se manter antigos em vez de evoluirem para formas de sindicalismo moderno. Na Alemanha, por exemplo, os sindicatos estão a ter um papel completamente diferente porque conseguiram envolver os trabalhadores na gestão. E isso é fundamental – temos que fazer as pessoas sentirem-se parte das empresas, para podermos pedir a essas pessoas que colaborem no seu desenvolvimento. Se os trabalhadores participarem na gestão, vão perceber eventuais “sacrifícios” que lhes peçam e, possivelmente, até vai partir deles fazê-los, porque percebem a necessidade e sabem que também vão ter o benefício.»

Em jeito de conclusão, o presidente da CCIP deixa clara que «não se trata de deixar de pagar ao capital para pagar apenas aos trabalhadores, isso não existe, mas temos que começar a trabalhar numa melhor distribuição do rendimento, pelo capital, pelo investimento e pelos trabalhadores. E isto é um trabalho da sociedade civil. Não vale a pena estarmos à espera que os políticos descubram a forma de fazer isto, até porque pensam em ciclos de quatro anos e mudanças culturais levam mais do que isso.»

Conheça os principais resultados do Guia do Mercado Laboral 2020 e as restantes intervenções aqui.

 

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