Celfocus: Representação feminina no sector das TI e a necessária mudança de mentalidade

Encorajar mais mulheres a entrar na indústria de TI não é um desafio novo.

 

Por Eva Reis, manager na equipa People da Celfocus

 

Num sector marcado pela escassez de talento, este é um potencial que é fortemente desaproveitado e que tem impacto directo na perda de diversidade de um ambiente ainda dominantemente masculino.

Falando em números, no mercado de TI as mulheres correspondem a 15,7% do mercado de trabalho e a 18,6% das pessoas licenciadas, números que contrastam com uma maioria de 52,5% de mulheres na população portuguesa (dados de 2019, Gender Quality Index produzido pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género). Segundo o mesmo estudo, Portugal regista valores inferiores aos da média europeia.

Além disto, de acordo com o relatório PISA da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico, «no conjunto dos alunos e alunas com melhores desempenhos em Portugal, um em cada dois rapazes pensa vir a desenvolver uma profissão na área das ciências e das engenharias, enquanto uma em cada sete raparigas pensa vir a fazê-lo».

Para este cenário contribuem vários factores, tais como os mitos enraízados sobre as profissões adquadas para “homens e mulheres” – que geram uma sub-representação das mulheres nas áreas da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, tanto em Portugal como a nível global –, bem como a falta de exemplos femininos a seguir na indústria das TI.

Um estudo recente (Kaspersky, Women in Tech Report, 2021) levanta uma pergunta que, a meu ver, é crítica: como é que as mulheres antecipam e descrevem a sua experiência nesta indústria? Algumas das respostas são encorajadoras: a maioria (56%) das mulheres inquiridas considera que a igualdade de oportunidades evoluiu positivamente, e dois terços (69%) das que trabalham no sector sentem-se mais confiantes de que a sua opinião é ouvida desde o primeiro dia, independentemente do género.

Por outro lado, quando questionadas sobre o progresso na carreira, a narrativa é outra: 44% ainda acredita que os homens progridem mais rapidamente – o que não é estranho, se observarmos as evidentes assimetrias em posições de liderança e a falta de exemplos no feminino no board das empresas.

Acelerar a criação de um mercado de trabalho capaz de atrair a diversidade de talento não é, por isso, suficiente. É urgente levarmos a sério a criação de ecossistemas em que o progresso decorre da criação de valor e não da identidade de género que se assume, e as empresas que operam neste contexto têm uma responsabilidade acrescida de tomada de consciência e iniciativa – isto é, de iniciativas sustentadas e não de acções one-shot destinadas a posts inflamados que beneficiam a reputação, mas não têm impacto no dia seguinte.

A regulação da representação feminina em posições de liderança através das quotas é uma medida capaz de produzir resultados a curto prazo, embora ainda olhada em Portugal com desconfiança, mas a mudança sustentada requer mais do que isso. Então, por onde começar?

Avaliar a experiência das pessoas desde a contratação e durante toda a sua experiência na organização, de forma a identificar os momentos permeáveis a enviesamentos de género, é um bom ponto de partida. Outra iniciativa importante passa por desenvolver acções que garantam a ausência de estereótipos de género na contratação, bem como apoiar a reintegração de mães e pais após a licença de parentalidade – a qual ainda afasta desproporcionalmente mais mulheres das suas carreiras –, e assim garantir que esta ausência não interfere nas decisões de promoção.

É preciso quebrar mitos e, para tal, importa dar a conhecer mais exemplos reais de ambientes diversos e inclusivos, de carreiras que não competem com a parentalidade, em todos os géneros. Colaborar com iniciativas que visam mobilizar estudantes para as áreas de Engenharia e Tecnologia, como a “Engenheiras por um dia” (promovida pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género), ou que promovem o empowerment e desenvolvimento de carreira das mulheres, como é o caso da “Portuguese Women in Tech” ou a “Professional Women Network”, geram, também, um impacto positivo e contribuem para facilitar esta mudança.

Nos últimos dois anos, o sector das TI viu aumentar a sua atractividade, estimulado pela criticidade das competências tecnológicas durante a pandemia e pela elevada permeabilidade ao trabalho híbrido. Entretanto, o trabalho remoto trouxe desafios acrescidos de conciliação da vida familiar com a profissional que precisam de ser apoiados. Tendo em isto mente, cabe às empresas saber aproveitar o momentum para acelerar a mudança, de forma intencional e continuada.

Acredito que estimular o diálogo sobre este tema, em espaços como este e tantos outros, continua a ser crucial para que exista uma tomada de consciência que produza acções com impacto, contrariando o encolher de ombros, a narrativa de que «há diferenças porque é mesmo assim, faz parte», ou mesmo a associação deste tema a posições feministas vistas como “indesejáveis” – algo a que ainda se assiste em Portugal.

 

Este artigo faz parte do Caderno Especial “Igualdade, diversidade e inclusão” publicado na edição de Julho (n.º 139) da Human Resources.

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