Chegaram ao fim os cinco dias no escritório. Ou #sóquenão?

A tendência é mesmo falarmos de um workplace híbrido. E tenho ouvido tantas vezes “não dá”, “não vai funcionar”, “é o pior dos dois mundos”, que achei que o tema devia sair do conforto de um almoço de amigos para uma reflexão mais séria, que nos estimule a todos o pensamento crítico.

 

Por Christine Trévidic, docente na pós-graduação em Comunicação Estratégica Digital, do ISCSP – Universidade de Lisboa

 

Há medida que a promessa de vacinação em grande escala se concretiza, as empresas começam a pensar no regresso das suas equipas ao escritório. Penso que a grande questão não é tanto quando fazê-lo, mas sim como usar esta tendência, ou oportunidade se a quisermos ver como tal, para criar um workplace que permita a colaboração, a concentração, a aprendizagem, a socialização e o crescimento de todos.

Segundo a revista Fast Company, nos EUA, nove em cada 10 empresas já começaram a fazer a transição para um workplace híbrido. Dessas, 68% não têm ainda um plano detalhado de como implementar e comunicar essa transição, o que faz disparar os níveis de ansiedade das pessoas e os mecanismos de resistência à mudança. Não nos esqueçamos que nos foram impostas uma mudança e uma adaptação abruptas a uma realidade cheia de interrogações, sob a qual vivemos há já cerca de um ano e meio, e que faz com que esta nova mudança deva ser o mais acautelada possível, uma vez que as suas implicações terão impacto não só na rotina do trabalho, mas em todos os outros compromissos, independentemente das realidades pessoais, familiares e socioculturais de cada um.

Devido à pandemia COVID-19, à sua natureza mutante, e à onda de incerteza que se instalou na vida das empresas, muitos foram os profissionais de comunicação que, pela primeira vez, viram elevada a importância da Comunicação Interna & People Engagement. Arrisco dizer que foi neste contexto pandémico que muitos tiveram a primeira oportunidade de pensar estrategicamente esta área, tida como “parente pobre da comunicação”, fazer a “invertida” da táctica para a estratégia; passar do “manter as pessoas informadas” para o “promover um maior envolvimento e sentimento de pertença” e trocar definitivamente os extensos manuais académicos pelo entusiasmante “hands on”.

O papel do People Engagement nas organizações é envolver todas as pessoas que delas fazem parte, independentemente de onde estas trabalham (e só este “fazer parte” tem muito que se lhe diga se pensarmos, por exemplo, nas milhares de empresas que integram nas suas equipas recursos em outsourcing…). Parece simples, mas pode ser tão desafiante quanto o papel de um maestro na gestão e motivação de talentos de uma orquestra, neste caso concreto, para que a harmonia seja no tom e ao ritmo necessários, não de uma orquestra, mas do mercado.

Ter um fio condutor
Entre outras funções, a Comunicação Interna tem de ser o fio condutor entre valores e comportamento, entre estratégia e resultados, entre a promessa de marca e a realidade vivida pelas pessoas. Independentemente do local de trabalho, e com o hipotético regresso a um workplace híbrido, é importante que as pessoas entendam a cultura organizacional, conheçam as estratégias e vivam os valores, e que o facto de não estarem presencialmente nas instalações da empresa não só não as impeça de terem acesso a todos os recursos necessários ao bom desempenho das suas funções, como, igualmente importante, não as faça sentir estranhas na sua própria casa.

Neste contexto, as lideranças devem garantir que as suas equipas se sentem valorizadas e envolvidas, não obstante estarem no escritório, em casa ou em qualquer outro local. Esta é a única forma de evitar que se esbata o sentimento de pertença de quem já faz parte, e de evitar que cada um crie a sua própria versão da cultura da empresa, principalmente de quem se juntou à empresa durante este período pandémico. Mais do que nunca, num cenário de regresso a um workplace híbrido, é importante identificar o que é comum a todos, o que os une, o que valorizam acima de tudo, e trabalhar pró-activamente essa informação.

Embora o simples acto de comunicar possa deixar as pessoas seguras e confiantes, informar regularmente, pelo menos numa fase inicial, sobre novas regras, rotinas e quebras de rotina (!), simplificar o que pode parecer complexo, vai certamente promover um ambiente de trabalho positivo e contribuir para relativizar a importância da partilha do espaço físico. E esta regularidade no contacto, que se pretende que seja bilateral, vai gerar conforto e sensação de proximidade.

Se a actual cultura organizacional de uma empresa faz distinção entre colaboradores “internos” e colaboradores remotos e híbridos ou, por exemplo, se a empresa não estiver focada em criar um conjunto claro de políticas que integram as equipas em trabalho presencial e as equipas remotas e híbridas, pela via da construção de uma cultura de trabalho unificadora, corre-se o risco de se estar a alimentar um workplace desajustado, tóxico, cujo mau estar se irá reflectir na performance das equipas e nos níveis de engagement para com a organização.

 

Walk the talk
Ao implementar-se um workplace remoto ou híbrido, é importante que este seja implementado em todos os níveis organizacionais, do mais técnico ao mais executivo, sempre que possível. Se apenas os colaboradores de níveis mais baixos na hierarquia, ou com cargos intermédios, estão em trabalho remoto ou híbrido, isto pode indicar que quanto mais se sobe na carreira, menor é a flexibilidade laboral. E o contrário, quando só as lideranças de topo podem optar pelo trabalho remoto ou híbrido, pode fazer passar a mensagem que se trata de um benefício inerente à função. São exemplos que podem ser considerados extremados, mas que nos mostram a importância da existência de colaboradores remotos ou híbridos em todos os níveis hierárquicos.

Maya Angelou disse “Aprendi que as pessoas podem esquecer o que lhes disseste, podem esquecer o que lhes fizeste, mas nunca vão esquecer como as fizeste sentir” (1997). Uma das vantagens do trabalho presencial é o ambiente que se cria. Entre trabalho e conversas casuais, formam-se e fortalecem-se laços entre as pessoas. Mas se analisarmos bem, mesmo no decorrer desta pandemia e com toda a gente em regime de homeoffice, para além do foco na performance e nos resultados, foram também sentimentos e valores como a compreensão, a empatia, a honestidade, a autenticidade, a solidariedade e a transparência que sobressaíram e que, inclusive, passaram a ser usados para qualificar o sucesso das empresas e das suas equipas.

Este fazer o bem, fazer as pessoas sentirem-se bem, tão bem vincado nas palavras de Maya Angelou, saiu do papel para a acção e passou a aplicar-se aos diferentes contextos de trabalho, lembrando-nos que num regresso a um workplace híbrido é importante ir “medindo o pulso” aos colaboradores, porque se não funcionar para o colaborador a curto prazo, é bem provável que não funcione para a empresa a médio/longo prazo.

 

Longe da vista, mas perto do coração
Quando as pessoas estão no escritório, sentem a energia de estarem juntas e vivem o propósito ali, em tempo real, com os colegas. Quando estão fisicamente separadas, mesmo que virtualmente “perto”, esta vivência perde-se um pouco. Agora que mais de 60% dos millennials e Gen Z preferem trabalhar remotamente (Quartz and Qualtrics, 2020), é fácil perceber que nada mais voltará a ser como era na relação do colaborador com a empresa. Naturalmente que estes dados não “matam” a experiência tradicional de trabalho presencial, apenas nos dão pistas para o futuro. E, mais uma vez, é aqui que as medidas de People Engagement podem contribuir fortemente para facilitar a integração destas duas modalidades de trabalho.

Num contexto de workplace híbrido, o desafio de uma comunicação interna eficaz é ainda maior. Teremos de ter em conta que as empresas vêm de uma realidade de comunicação essencialmente por meio do uso de ferramentas digitais, que não podemos fazer de conta que não existiu. Há que tirar desta experiência tudo o que de positivo trouxe e continuar a desenvolver meios inovadores e eficazes que envolvam todos.

Devemos ser capazes de questionar a continuidade e a relevância de, por exemplo, actividades de apoio à saúde mental, actividades que estimulam o bem-estar físico, práticas de engagement familiar, workshops, actividades de team building, sessões de alinhamento semanais, almoços de equipa, sessões de jogos, desafios e competições, sessões de reconhecimento, exercícios de comunicação, sessões de tutoria, entre outras actividades… Fazer o exercício de pensar como é que estas novas actividades de engagement vão passar a “viver” num workplace híbrido, 100% inclusivo.

A teoria e as múltiplas pesquisas em torno deste tema dizem-nos que os programas de engagement aumentam o bem-estar moral, a curiosidade dos colaboradores e estimulam o seu lado criativo. Portanto, estejam os colaboradores cinco dias no escritório, três ou nenhum, o importante é fazer-se uma boa gestão das pessoas, da comunicação interna, do clima organizacional.

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Julho (nº.127) da Human Resources, nas bancas. Pode também comprar online a versão em papel ou a versão digital.

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