Código do Trabalho: o que vai mudar

Tiago Marcelino Marques, advogado coordenador do Departamento de Direito de Trabalho e Segurança Social da RSA – Rede de Serviços de Advocacia, explica em entrevista algumas das principais alterações previstas ao Código do Trabalho e se irá acolher algumas das medidas excepcionais actualmente em vigor.

 

Por Ana Leonor Martins (entrevista) e Sandra M. Pinto (edição)

 

Fazendo notar que foi a própria Ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, que já veio confirmar que a alteração do Código do Trabalho está de facto em cima da mesa, Tiago Marcelino Marques destaca que não são meras alterações pontuais, mas uma revisão global. A que chama mais atenção será o teletrabalho – que traz novas dinâmicas na relação de trabalho e novos desafios, quer para trabalhadores quer para empregadores, mas há outras, por exemplo a revisão das indemnizações por despedimento ou a contratação colectiva.

Por outro lado, estão actualmente em vigor várias leis excepcionais decorrentes do contexto de pandemia, sendo a medida mais mediática a do lay-off simplicado e apoio extraordinário à retoma progressiva da actividade. O advogado especialista da RSA explica a diferença para o instrumento já existente no Código do Trabalho e também as implicações, quer ao nível dos salários quer dos despedimentos. Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources conduziu a conversa.

 

Quais as principais alterações ao Código do Trabalho que estão a ser ponderadas?
De entre todas as alterações “em cima da mesa”, a que chama mais atenção é o teletrabalho, mas convém aqui referir que esta figura já existe há muito tempo na legistação laboral nacional. O que sucede é que sempre foi vista como um instrumento secundário, uma vez que o acesso a ela estava limitado a situações muito especificas: violência doméstica ou em situações de trabalhador com filho menor até aos três anos, ao contrário do que sucede em muitos países europeus, onde empregador e colaborador podem assumir um contrato de teletrabalho de comum acordo.

A actual situação fez com que o teletrabalho passasse a ser, no meu entendimento – e enquanto fervoroso adepto –, um instrumento muito importante na organização das empresas e na própria segurança dos trabalhadores. Claro que aquilo que aconteceu no início da pandemia não foi de todo uma situação normal de teletrabalho.

O lado bom deste modelo é a maior flexibilidade que permite aos trabalhadores. Mas também para as empresas pode representar uma mais-valia, por exemplo através das poupanças ao nível logístico, tornando-se mais dinâmicas em termos de estrutura física, tal com já acontece em alguns países. Acredito que esta oportunidade trazida pela pandemia deverá ser “agarrada” e explorada ao máximo pela maior parte das empresas.

Para acomodar esta e outras alterações, o Governo está a trabalhar num Livro Verde para a revisão do Código do Trabalho, com vista ao debate com a concertação social durante o ano de 2021 e respectiva implementação em 2022.

 

E quais as medidas que gostaria de destacar?
Sabe-se, para já, que algumas das revisões que o Governo pretende levar a cabo passam pela revisão das indemnizações por despedimento, por caducidade e da contratação colectiva. O histórico dos últimos anos fez com que se reduzisse os dias aquando da cessação do contrato de trabalho, e, daquilo que nos foi dado a conhecer, parece que há neste momento uma tendência para que a situação se inverta, ou seja, que se comecem a aumentar os valores de indemnização. Obviamente que esta é uma realidade que está muito dependente da economia e da evolução da situação económica do País.

 

Acha que as empresas vêem essas medidas com bons olhos?
Não. Mais do que uma questão monetária, sobre o dinheiro a pagar aquando das indemnizações, existe uma segunda questão que foi trazida na altura pela Troika e que assentava em alguma flexibilidade para as empresas gerirem a sua actividade em termos de pessoal. É evidente que se uma empresa tem de pagar um mês por cada ano de trabalho é mais dificil conseguir despedir alguém do que se tiver de pagar 12 dias. Estou curioso para tentar perceber se estas medidas de negociação também irão um pouco mais à frente na liberdade da cessação ou não dos contratos de trabalho.

Interessante também é perceber as intenções do Ministério do Trabalho na inserção de novas relações de trabalho e novas formas de diluição do trabalho entre tempos de trabalho, lazer e vida familiar.

Estamos expectantes quanto a estas alterações, e, no nosso entendimento, o Governo deverá trabalhar a várias velocidades, actualizando, desde já, as regras do teletrabalho para que as mesmas não desvaneçam assim que as actuais medidas excepcionais deixem de vigorar.

 

Referiu que essas alterações serão para entrar em vigor em 2022, isso também se aplica ao teletrabalho?
Se eventualmente todas as medidas excepcionais em vigor se prolongarem por todo o ano de 2021 ganha-se algum tempo para a negociação, sendo que com o novo Código de Trabalho o novo regime do teletrabalho será implementado em 2022, sim.

 

Na sua opinião, quais serão as maiores diferenças entre o novo teletrabalho e aquele que temos agora na lei e que já apelidou como sendo básico?
Parece-me que o grande desafio do legislador passará, sobretudo, pela regulação do controlo das empresas aos seus trabalhadores, existindo já várias indicações, quer no Código do Trabalho, quer mesmo da própria Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), de impor limites ao controlo dos trabalhadores, tanto em termos informáticos – vigilância de e-mails, controlo de navegação na internet –, como sobretudo no que concerne ao próprio horário de trabalho, uma vez que é muito fácil verificar-se o descontrolo do horário de trabalho. Os empregadores, ou mesmo clientes, facilmente enviam um e-mail com um pedido fora do período normal de trabalho, e a tendência do trabalhador será para responder, mesmo fora de horas, uma vez que está exactamente no mesmo local e com os meios necessários para responder.

Este será, sem dúvida, o grande desafio por parte do legislador e mesmo das próprias autoridades competentes para o efeito, seja o Ministério do Trabalho, seja a ACT, seja a CNPD, em conseguir encontrar o equilíbrio na aplicação prática da figura do teletrabalho, mas, sobretudo, ao nível da fiscalização.

 

Durante este já longo período de pandemia foram feitas várias alterações excepcionais à lei. Quais ainda vigoram? Pode parecer chocante, mas praticamente todas as alterações excepcionais estão ainda em vigor. O que acontece é que as medidas iniciais foram sofrendo algumas alterações de cosmética, mas sobretudo de aperfeiçoamento com a evolução dos tempos.

Como exemplo, veja-se a medida excepcional mais mediática de todas que foi o lay-off simplificado. Foi tendo evoluções e actualmente já existem outras medidas paralelas, nomeadamente o apoio extraordinário à retoma progressiva, cuja principal figura passou pela inclusão de alterações aos limites máximos na redução do período normal de trabalho, deixando-se de chamar suspensão – tal como previsto no lay-off simplificado – para se passar a prever uma redução de horário de trabalho, que em algumas situações pode atingir os 100%. No fundo, estas medidas mais não são do que uma evolução do espírito da figura criada do lay-off simplificado.

É evidente que o Governo foi apanhado completamente desprevenido e teve de actuar de acordo com um cenário nunca antes visto ou sequer equacionado. Em defesa do Governo, todos os congéneres pelo mundo fora foram apanhados desprevenidos e sem um guião para seguir durante esta pandemia. Se olhando para trás há questões que podiam ter sido reguladas e previstas de outra forma, há! Mas ninguém tem uma bola de cristal para prever o futuro e se as medidas implementadas seriam as mais correctas ou não.

Questão diferente passa por saber se, quase volvido um ano, as medidas aplicadas e actualmente em vigor fazem sentido e quais delas precisam ser restruturadas. Não existindo nenhuma medida que se possa apontar como errada, com esta distância o que se pode verificar e apontar são duas questões, a saber, em primeiro lugar, a burocratização das medidas e, em segundo lugar, a complexidade das medidas excepcionais.

 

O lay-off – nomeadamente as “versões excepcionais” – terão no “espírito da lei” proteger o emprego. Mas quando terminarem os apoios…
Até Março de 2021, pelo menos, estes apoios vão continuar. Assim, durante o período em que a empresa ou estabelecimento é beneficiário destes apoios, quer nos 60 dias seguintes, o empregador não pode fazer cessar contratos de trabalho ao abrigo das modalidades de despedimento colectivo, extinção de posto de trabalho ou por inadaptação, em relação a todos os trabalhadores, quer sejam ou não abrangidos por aqueles apoios. Refira-se que esta proibição aplica-se tanto ao período de duração inicial dos apoios quanto às eventuais prorrogações.

 

E, neste contexto, a empresa pode baixar o salário dos colaboradores?
Pode, efectivamente, por lei, uma empresa que aceda ao lay-off simplificado baixar a retribuição desde que a mesma não esteja dentro dos limites – mínimo e máximo – à retribuição previsto pelo lay-off simplificado.

O trabalhador tem direito a uma compensação retributiva igual a dois terços do seu salário ilíquido ou à retribuição mínima mensal garantida – 580 euros – se esta for superior àquele valor ou ao valor da retribuição que aufere, caso esta seja inferior à retribuição mínima mensal garantida. Também a compensação retributiva, isoladamente ou em conjunto com a retribuição por trabalho prestado na empresa em lay-off ou noutra empresa, não pode ultrapassar, mensalmente, três vezes o valor da remuneração mínima mensal.

 

O que perspectiva para o futuro?
Relativamente a 2021 mantenho o meu optimismo natural. Esta é uma altura em que temos de nos reinventar, sendo que quem tenha vontade de o fazer encontra à sua disposição muitos apoios.

 

Esta entrevista foi publicado na edição de Janeiro (nº.121) da Human Resources, nas bancas.

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