Como a COVID-19 está a afectar salários e benefícios (na Europa e nos Estados Unidos)

O que estão as empresas a fazer, no actual contexto, em termos de práticas de compensação e estratégias de gestão de Pessoas? Um estudo da Aon recentemente divulgado dá a resposta e, em entrevista, Nuno Abreu, HR Solutions Director da Aon Portugalm analisa os resultados.

 

Por Ana Leonor Martins

 

O estudo “Pulse Survey Results: Navigating the Impact of COVID-19 on Workplace and Rewards Practices”, desenvolvido pela Aon, tem sido actualizado com regularidade, de forma a identificar as principais respostas ao nível das práticas de compensação e estratégias de pessoas das organizações aos desafios levantados pela actual situação de incerteza a nível global. O último estudo foi realizado entre os dias 7 a 10 de Abril e contou com um total de 1889 participações, sendo destas 834 empresas europeias. O que aconteceu aos salários e ao recrutamento? Quais são as prioridades no que respeita aos colaboradores? O que sairá reforçado? O que será preciso mudar? E como? Nuno Abreu, HR Solutions Director da Aon Portugal responde, com a convicção de que «vão vencer as empresas que se adaptarem a uma mudança constante e que consigam reinventar-se mais rapidamente». E estas empresas vão precisar de «pessoas resilientes e com competências centradas no desenvolvimento e mudança».

 

A Aon lançou recentemente as conclusões de um estudo sobre o impacto da actual pandemia na gestão de Pessoas. O que destaca dos resultados?

Relativamente ao estudo europeu, e comparando este estudo com o anterior, realizado três semanas antes, destaca-se a duplicação do número de organizações que de alguma forma estão a adiar ou a cancelar aumentos salariais e que passaram de 17% para 35%.

Registam-se ainda outras tendências com significado e que, provavelmente, irão ser reforçadas no próximo estudo, a realizar nas próximas semanas. Por exemplo, ao nível da remuneração, quase 20% das empresas encontraram uma forma de reduzir o salário dos seus colaboradores, com especial foco nos seus executivos de topo.

Ao nível dos benefícios, as principais alterações registaram-se na gestão de dias de férias por gozar, onde 23% das empresas obrigaram os colaboradores a gozar estes dias durante este período e outras 10% que criaram formas de incentivar os seus colaboradores a gozar dias de férias adicionais não pagos.

Relativamente a benefícios mais tradicionais, como seguros de saúde e planos de pensões, não se registaram alterações significativas, até pela importância dos mesmos no contexto actual.

Um ponto também a destacar é a gestão da força de trabalho, em que 43% das organizações cancelaram ou reduziriam significativamente a utilização de contratos a termo e, ainda na Europa, um terço dos participantes já implementou ou está a pensar implementar programas de licenças sem vencimento ou de lay-off no curto prazo.

 

Como comparam esses resultados obtidos na Europa, com os obtidos nos Estados Unidos? Alguma clivagem significativa?

Curiosamente, ou, talvez não, devido ao rolo compressor da globalização, não existem grandes discrepâncias nas respostas, apesar das diferenças culturais das duas regiões.

As principais diferenças registam-se na criação de programas de compensação para colaboradores em funções de risco elevado, que nos Estados Unidos foram implementados por um terço das organizações (vs. 25% na Europa), e ainda na área da protecção dos colaboradores. Neste último caso, registamos o papel predominante que programas de assistência com foco na saúde mental e financeira estão a ter na Europa, sendo apontados como a principal resposta da empresa na gestão do bem-estar dos seus colaboradores em 79% dos participantes europeus e não estando no top 10 de medidas para os participantes norte-americanos.

Mesmo em áreas onde potencialmente poderíamos registar alguma clivagem entre a Europa e os Estados Unidos, como por exemplo o acesso a financiamento, abonos ou a qualquer apoio estatal, não se registam grandes diferenças, tendo cerca de 30% das empresas recorrido a estas alternativas nas duas regiões.

 

Em relação aos benefícios, o estudo também revela que 50% das empresas na Europa e nos Estados Unidos da América estão a considerar a aplicação de compensações salariais aos colaboradores…

Estes números diferem bastante em função das empresas serem ou não serem consideradas empresas essenciais nesta fase crítica. Por exemplo, na Europa, de todas as empresas que criaram práticas de compensação adicional para colaboradores no activo com um nível elevado de risco, 93% identificaram-se como empresas essenciais. O mesmo no recrutamento, onde 65% das que continuaram ou mesmo aceleraram as contratações pertencem também a este grupo de empresas essenciais.

 

Em que sectores, sobretudo?

Olhando para o estudo europeu, a maioria destas empresas pertencem aos sectores industrial, logística, saúde e retalho, que são também dos sectores mais expostos ao risco.

Apesar de não existirem muitas dúvidas sobre a crise financeira e humanitária que se avizinha, existem ainda dúvidas quanto à real dimensão da mesma. Esta situação da criação de incentivos é uma política de curto prazo e não é mais do que um subsídio de risco já existente em muitas indústrias e sectores e não tanto uma estratégia com impactos a médio ou longo prazo.

 

O que mais se destaca em termos de planos salariais?

As principais medidas isoladas identificadas ao nível de planos salariais adoptados pelas empresas europeias foram o congelamento dos aumentos salariais em 23% dos casos, o diferimento desses mesmo aumentos em 21% das situações, a redução do salário base de forma voluntária em 10% dos casos e involuntária em 9% das situações. E em 7% das empresas os bónus previstos foram reduzidos ou mesmo anulados.

 

E que medidas de apoio aos colaboradores estão as empresas a considerar? Se é que estão…

As principais medidas adoptadas pelas empresas europeias são focadas na protecção dos seus colaboradores, destacando-se ao nível dos benefícios, como já referi, os programas de apoio aos colaboradores ao nível da saúde mental e financeira em 79% das empresas, a possibilidade de trabalho flexível em 73% das situações, o alargamento do âmbito definido nas situações de baixa a situações relacionadas com a pandemia (36%), a criação de subsídios extraordinários para a montagem de mini-escritórios domésticos (17%) e ainda a implementação de programas especiais de apoio para grupos mais vulneráveis, como por exemplo colaboradores com doenças crónicas, em 14% dos casos.

 

Ao nível da segurança e saúde, o que está a ser feito?

Em termos de medidas de segurança, as principais medidas adoptadas estão relacionadas com a proibição de viajar em 94% das empresas, a possibilidade de realizar teletrabalho em 93% dos participantes, a redução da necessidade de acesso físico à empresa (75%), o reforço da limpeza e higienização dos espaços físicos (70%) e o fornecimento de kits de segurança adicionais como máscaras, luvas e outros bens necessários (41%).

 

Falou no recrutamento… Que posicionamento estão as empresas a assumir para além das que pertencem às áreas essenciais?

Ao nível do recrutamento, destacam-se duas grandes tendências. Por um lado, o facto de apenas 18% das empresas na Europa continuarem a contratar normalmente, sendo que, destas, 2% o fazem ainda a uma velocidade superior comparando com o período pré-COVID. Todas as outras estão a recrutar de forma cautelosa e selectiva (46%) ou congelaram/ adiaram mesmo qualquer recrutamento em 36% dos casos.

Uma grande tendência é a utilização de ferramentas virtuais para a realização de entrevistas e para a gestão de processos de recrutamento em geral, sendo apontado como o presente ou o futuro a curto prazo para 74% dos participantes.

 

E nos candidatos, há mudança de “postura”?

Estimamos que exista um regresso aos verdadeiros factores valorizados pelos potenciais candidatos quando analisam a proposta de valor das empresas. Prevemos que factores como a segurança, resiliência da organização e os seus valores sejam mais relevantes que o contributo para o desenvolvimento pessoal, os desafios dos projectos ou o apetite para um risco de investimento num crescimento futuro de organizações mais pequenas como startups.

 

Que funções e sectores acredita que mais irão sofrer com esta crise?

Para responder a esta questão, importa criar dois horizontes temporais: um de curto prazo, muito focado na recuperação económica, e outra de mais longo prazo, que implica uma alteração de alguns dos principais paradigmas da sociedade como a conhecemos hoje.

A curto prazo, prevemos que, independentemente do seu sector, as empresas com balanços mais fortes, com uma gestão de risco eficaz, com maior agilidade na gestão da mudança e com pessoas mais resilientes, serão sobreviventes e poderão aproveitar esta situação de crise para se reinventar, integrar outras empresas e/ou equipas e sair mais fortes a curto prazo.

 

E a longo-prazo?

Para essa análise teremos de considerar alguns pressupostos relativamente ao chamado novo normal. Sentimos que este novo mundo será impactado por várias tendências que se tinham vindo a desenvolver a uma velocidade lenta nas últimas décadas e que devido a tudo isto, ganharam asas. Viveremos num mundo mais sustentável, digital, talvez com menor densidade populacional nos grandes centros urbanos, com maior atenção na gestão da saúde, com maior abertura para estratégias de prevenção e gestão de risco e que exige mais dinamismo, flexibilidade e resiliência por parte de todos os seus intervenientes.

Neste novo mundo, vão vencer as empresas que se adaptarem a uma mudança constante e que consigam reinventar-se mais rapidamente, a cada momento. Estas empresas precisam de pessoas resilientes e com competências centradas no desenvolvimento e mudança, precisam de trazer valor, têm de apostar em cadeias de abastecimento mais próximas e resilientes em prol da eficiência que era o factor central até agora, e têm de ter essencialmente uma capacidade de identificação e gestão de riscos muito bem oleada.

Num mundo que se antevê cada vez mais volátil, um dos principais trunfos de qualquer organização de sucesso será cada vez mais a forma e a velocidade com que conseguem reagir à mudança. Assim, todos os que não se enquadrem nas definições acima, serão, na minha opinião, os principais derrotados por esta crise.

Mais do que sectores, penso que serão as dinâmicas de gestão de pessoas e riscos que farão as diferenças entre organizações vencedoras e as que sairão derrotadas deste processo.

 

Mas há sectores que, logo à partida, partem em desvantagem…

Sim… Obviamente que existem sectores, como o Turismo, Transportes, Restauração, Combustíveis, entre outros, que terão de se reinventar mais do que outras empresas. No entanto, mais do que o passado e o presente, acredito que é a possibilidade de influenciar o futuro que irá distinguir as empresas de sucesso das outras.

 

Que políticas de Gestão de Pessoas se prevê que as empresas irão reforçar?

Acredito que existirão três grandes dimensões, que não são novidade, mas que irão evoluir a uma velocidade diferente no mundo pós-COVID. São elas a resiliência, a flexibilidade e a capacidade de mudança.

Por resiliência entende-se a forma como os colaboradores terão que estar mais preparados para trabalhar em projectos diferentes, mais exigentes e com uma capacidade de adaptação superior. Para isso, as empresas terão de apostar numa abordagem holística no reforço do bem-estar físico, emocional, social, financeiro e profissional do colaborador. Acredito que esta será uma grande tendência que sairá reforçada de toda esta situação, aliás como o próprio estudo indica na forma como as empresas estão desde já a reagir.

A flexibilidade, relacionada com novas formas de trabalho remoto, gestão cada vez mais individualizada relativamente ao local, horário e forma de trabalhar estão já a ser – e serão também – umas das principais políticas a reforçar pelas empresas.

 

 

E acredita que os modelos de trabalho e a forma de gerir pessoas vai mudar substancialmente no pós COVID-19?

Acredito vivamente que sim, essencialmente num maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e também numa maior transversalidade e espírito colaborativo nas empresas. Antevejo que, em vez de existirem departamentos e equipas estanques, surgirão cada vez mais comités associados a ideias e projectos que serão mutáveis e dinâmicos.

Prevejo também que as chefias vão deixar de existir como as conhecemos hoje, e teremos uma lógica muito mais de advisor ou mentor de colegas, que terão interacções cada vez mais cruzadas e dinâmicas com todas as áreas dentro da sua organização, e mesmo em ecossistemas fundamentados em parcerias cruzadas com outras empresas, organizações ou indivíduos.

Os desafios associados à gestão de carreiras, avaliação de desempenho, definição de progressão salarial serão imensos e tornarão evidente a falta de resposta dos modelos actuais utilizados há décadas sem grandes evoluções na gestão de pessoas.

Outra grande alteração será sem qualquer dúvida na função do “Director de Recursos Humanos”, que passará a ser um gestor do recurso mais valioso das organizações – as suas pessoas –, e que irá também tendencialmente ter um papel mais focado na gestão de risco e mais relevante na organização ao nível da sua administração.

 

O que diria que é fundamental para as empresas na fase da retoma a alguma “normalidade”?

Na Aon temos apoiado várias empresas a pensar sobre este tema e temos inclusive actuado como facilitadores na troca de experiências e preocupações entre várias organizações. O que temos visto como factores comuns a todas as organizações é a necessidade de actuar numa definição clara dos riscos e modelar o mais possível, e com diferentes cenários, os impactos desta crise a curto prazo, o acesso imediato a soluções que permitam injectar liquidez no seu negócio, um assessment claro aos seus fornecedores e clientes, a preparação dos colaboradores para o momento do regresso através de formação, clareza e honestidade na comunicação e apoio ao nível da sua resiliência.

Outro aspecto importante é a adopção desde logo de várias lições e desenvolvimentos que este período tem trazido a todas as organizações e que têm de ser aproveitados e enquadrados na mudança cultural que todas as empresas terão de sofrer neste caminho de reshape.

 

E para quando acha que as empresas preveem passar a essa fase?

Como disse, temos actuado como facilitadores de um grupo de 50 empresas que partilha os seus desafios, as respostas e os impactos que esta crise tem trazido à gestão de pessoas.

Neste contexto, lançámos um barómetro onde, semanalmente, o mesmo grupo responde a duas questões que nos permitem medir o optimismo relativamente ao regresso à “normalidade” e à recuperação económica mais a médio prazo.

Os últimos resultados apontam para um a expectativa de regresso à normalidade durante o terceiro trimestre para 38% dos membros do barómetro, seguido de Junho (25%), Maio (22%) e 16% apenas no quarto trimestre.

Na análise à recuperação económica, tem vindo a registar-se um decréscimo no optimismo dos participantes, sendo que, no último barómetro, nenhum participante acredita que a recuperação vai acontecer ainda este ano (quando no primeiro barómetro, de dia 27 de Março, 24% acreditavam que a recuperação económica seria realizada ainda este ano), 85% acredita que esta recuperação vai acontecer nos próximos três anos e 16% apenas nos próximos anos anos.

 

De acordo com o vosso último Global Risk Management Survey, os gestores não estavam preocupados com o risco de pandemia, para o qual várias consultoras vinham alertando. O que estava no topo das suas preocupações?

É um facto! O nosso Global Risk Management Survey é realizado de dois em dois anos e recolhe de forma agregada quais os principais riscos identificados pelas organizações em todo o mundo. Quando olhamos especificamente para o risco que uma pandemia poderia representar para as empresas participantes, este risco fica em 60º lugar, numa lista com 69 riscos identificados.

Os principais riscos globalmente identificados são, como seria de esperar, riscos já experienciados ou que em muitos casos são mais simples de antecipar e mitigar. O top 5 dos riscos num mundo pré Covid-19 são o abrandamento económico, o risco reputacional, a aceleração da mudança, a interrupção de negócio e o aumento da concorrência.

Curiosamente, e analisando os impactos indirectos desta crise, e adicionando os riscos de ataques cibernéticos (6º lugar) e de cash-flow/ liquidez (8º lugar), todos estes riscos são efectivamente os risco que as empresas estão hoje a viver, ou seja, o risco pandémico, tal como todos os riscos, está interligado com outros e os mais impactantes actualmente são, por efeito indirecto da pandemia, os ricos colocados nos primeiros lugares pelos participantes do estudo.

 

Que impacto acredita que a pandemia actual terá – se é que terá – na mentalidade das lideranças – políticas e empresariais?

Resumindo um pouco o referido nas questões anteriores, teremos possivelmente um mundo mais sustentável, focado nas pessoas, e que exige uma maior agilidade de todos. Antevejo que as pessoas passem efectivamente a serem consideradas o principal activo das organizações e que, dessa forma exista um menor gap entre decisores, líderes e gestores e todos os outros colaboradores.

Este menor distanciamento vai estar assente em mais confiança e igualdade em termos de relacionamento, com menos hierarquias, com impactos possivelmente também em termos de compensação e de certeza em termos de responsabilidades e importância no sucesso das organizações

 

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