
Compromisso afetivo: quando o coração veste a camisola
Por Jorge Becho, Head of People Experience da KWAN
No ambiente empresarial contemporâneo, o compromisso afetivo dos trabalhadores com a organização que representam tem tanto de crucial quanto de raro. Este tipo de compromisso vai além do simples cumprimento da função ou do brio profissional. Falo sobre uma ligação emocional profunda com a organização, resultando em benefícios tanto para os colaboradores quanto para a empresa.
Segundo Allen e Meyer (1990), o compromisso afetivo reflete o grau em que o colaborador se sente emocionalmente ligado, identificado e envolvido com a organização. Colaboradores que desenvolvem essa ligação tendem a empenhar-se mais, contribuir de forma mais significativa e demonstrar comportamentos de cidadania organizacional — atitudes que beneficiam diretamente o ambiente de trabalho, a produtividade da empresa e, consequentemente, o seu próprio bem-estar, gerando uma conexão que vai além dos aspetos racionais (e contratuais).
Num mundo onde a mobilidade de carreira é cada vez mais frequente, este compromisso afetivo torna-se um recurso raro e extremamente valioso. Para além de fortalecer a estabilidade dentro da organização, promove um ambiente de trabalho onde os valores humanos, como integridade e lealdade, são cultivados.
É essencial para o sucesso organizacional a longo prazo que a empresa invista na criação de um ambiente que favoreça esta ligação. Empresas que conseguem inspirá-la com os seus colaboradores não só garantem melhores resultados, mas também constroem uma cultura organizacional sólida e resiliente. Em última análise, e do ponto de vista mais corporativo, o compromisso afetivo é mais do que uma vantagem competitiva, é um reflexo da capacidade das organizações se conectarem de maneira profunda e significativa com aqueles que fazem parte delas.
Partilhando agora um pouco da minha experiência pessoal, tenho o privilégio de estar na mesma empresa há mais de sete anos. Não só vivencio práticas que promovem a retenção de talentos, como, enquanto Head of People Experience, as aplico no dia a dia com os nossos consultores. Ao longo deste tempo, testemunhei um investimento contínuo na criação de proximidade entre as equipas e na promoção de momentos genuínos de partilha, sobretudo desde 2020 em que os modelos de trabalho se alteram profundamente, levando-nos a mais homeoffice. Semanalmente, os representantes de todas as áreas reúnem-se para muito mais do que analisar os tradicionais KPIs. Partilhamos desafios, conquistas, aprendizagens e até as dores que nos ajudam a crescer como organização. Mensalmente, os nossos Get Togethers transportam-nos ao tempo em que trabalhávamos lado a lado no escritório, culminando sempre com atividades lúdicas que vão desde minigolfe a escape rooms.
Pessoalmente, acredito que, sem transportar os colaboradores para fora do ambiente corporativo, é muito difícil alcançar o compromisso afetivo de que falo. Ou seja, é importante levar a empresa até eles, mesmo com uma ação tão pequena como enviar um “kit bebé” a um colaborador que se prepara para ser pai; convidar o consultor a vir ao escritório e apresentar o seu negócio familiar; oferecer bilhetes a quem se quiser juntar para assistir ao novo blockbuster ou mesmo dar “palco” a quem esteja agora a começar a sua marca no Youtube ou noutra rede social.
A isto chama-se cuidar, reconhecer e estar presente. Não se trata de criar uma forma de ligar as pessoas ao trabalho, mas sim de fazer pequenas adaptações ao trabalho de forma a acolher as necessidades das pessoas, para que estas se sintam conectadas e apoiadas.
Num mundo onde as relações profissionais se tornam cada vez mais efémeras e transacionais, há algo de admirável naqueles que conseguem entregar-se completamente ao que fazem, por vezes reinventando-se na sua função, e muitas vezes transcendendo-a. Sejamos também capazes de reconhecer o valor dessa ligação e dar o nosso melhor para corresponder a este compromisso afetivo, transcendendo-nos e reinventando-nos enquanto organizações.
*Texto escrito ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 em vigor desde 2009