Da academia às empresas: há muito a fazer nesta “nova Era”

“Era of New Talents” foi o mote para reunir em palco José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal; Ana Paula Marques, administradora da NOS; e Daniel Traça, dean da Nova SBE, numa conversa conduzida por Joana Queiroz Ribeiro directora de Pessoas e Organização da Fidelidade, que percorreu o ciclo de criação do talento, da “produção” ao “cliente final”, passando pela “distribuição”.

 

Os especialistas reuniram-se no âmbito do evento Building da Future, promovido pela Microsoft, entre 28 e 30 de Janeiro, no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa.

Para José Miguel Leonardo, CEO da Randstad Portugal, vivemos não só na era dos novos talentos, mas de novas tecnologias, novas competências e novos mindsets; no fundo, a era da humanização. Com isto em mente, identificou cinco tendências que acredita que vão marcar 2020.

– Diversidade e inclusão: de acordo com um estudo da Randstad de Junho de 2019, 89% dos portugueses preferiam trabalhar numa equipa multicultural; e, segundo a McKinsey, empresas mais diversificadas têm 35% mais probabilidade de terem retornos acima da média nacional no sector.

– Inteligência artificial: a OCDE avançou que mais de um bilião de empregos (cerca de um terço do total) vão ser transformados pela tecnologia na próxima década. Mas, destaca, vai tirar o trabalho repetitivo para humanizar as pessoas. E o Randsta Workmonitor revela que 65% dos portugueses considera que a automação e a inteligência artificial vão influenciar de forma positiva o seu trabalho nos próximos 5 a 10 anos. As funções vão mudar e o World Economic Forum prevê que, em 2025, apenas 48% sejam feitas por humanos e 52% sejam asseguradas por “máquinas”.

– Worklife balance: Ainda de acordo com o Randstad Workmonitor, 90% dos portugueses gostariam de trabalhar de forma flexível porque isso ajudaria a equilibrar a vida pessoal e profissional. E 73% responde a emails, telefonemas e mensagens profissionais fora do horário de trabalho. Neste contexto torna-se evidente que a lei tem que se adaptar e o conceito de presentismo tem que dar lugar ao de produtividade.

– Aprendizagem ao longo da vida e reconversão: Mas 85% dos portugueses considera que a empresa é a responsável pelo seu desenvolvimento de competências digitais; e 78% afirma que o seu empregador deveria investir mais no desenvolvimento dessas competências, mas exige-se a mudança e papel activo de todos.

– Employer Branding: A seguir aos salários atractivos e aos benefícios (67%), é o worklife balance (53%), a estabilidade no trabalho (50%) e o ambiente de trabalho (50%) que mais pesam na hora de escolher o empregador. As empresas têm que ser autênticas, ter um propósito.

O líder da Randstad Portugal completou que o elemento comum em todas estas tendências é o elemento humano, defendendo que a tecnologia passará a ser uma commoditty, que vai ajudar as pessoas a serem melhores profissionalmente. «O desafio vem da necessidade de nos prepararmos para esta nova realidade. E a reconversão de competências faz parte do futuro da empregabilidade.» A Randstad já tem projectos nesse sentido, com programas de seis meses de reconversão, e há real motivação por parte das pessoas para aprenderem algo completamente diferente da sua formação, mas o reverso da moeda está nas empresas, que desconfiam das competências destes profissionais reconvertidos. «A aprendizagem e reconversão são relativamente fáceis, porque há motivação, mas temos dificuldade em integrar estas pessoas no mercado de trabalho porque há preconceito das empresas, e que precisam desesperadamente destes profissionais», lamentou José Miguel Leonardo, lembrando que todos temos que «ser reconvertidos e reinventar-nos. Temos o dever de nos mantermos curiosos, disponíveis para aprender e dedicados.»

 


As empresas

Ana Paula Marques, administradora da NOS, trouxe uma perspectiva mais na área do negócio, sublinhando que «há uma mudança gigante na agenda das organizações», com o talento a assumir uma dimensão semelhante a da estratégia. Tal como José Miguel Leonardo, considerou que, mais do que uma Era de novos talentos, é também uma Era de novas gerações, novas funções, novas competências e novas tecnologias, identificando cinco mudanças fundamentais: na demografia; nas competências (idade média de uma nova competência é cinco anos, e está a dominuir); nas necessidades e expectativas das populações; no market place; e mudança significativa na tipologia de funções.

«As organizações estão a funcionar com modelos que estão obsoletos e falidos», afirmou, defendendo a necessidade de «olhar mais para a cultura e o propósito, para a sua employee value proposition (EVP) e para o recrutamento, rever os modelos de desempenho e talento, de formação, e promover o up e o reskilling».

Quando desafiada por Joana Queiroz Ribeiro a enunciar três coisas que as empresas deviam “deixar cair, já”, Ana Paula Marques não teve dificuldade: as lideranças com perspectivas controladoras, sugerindo que assumam mais o papel de “orquestradores”; olhar para o trabalho separado da vida pessoal; pensar que pequenos ajustes nos modelos organizativos vão chegar para nos levar onde precisamos. «É preciso coragem para uma mudança radical.»

Essa mudança passa também pela reformulação dos modelos de formação, que tem que ser pensados de forma enquadrada com a estratégia. «Trabalho e aprendizagem são dois aspectos intrínsecos e devem ser vistos de forma complementar e não individualizada. E os colaboradores devem ter um papel activo pois a responsabilidade tem que estar em cada um de nós.»

 

A academia

Procurando dar resposta à pergunta sobre como estão as universidades a preparar os jovens para um mundo de mudança constante, Daniel Traça começou por lembrar que, por trás desta mudança, está a globalização, a tecnologia e o ambiente de disrupção criativa. «Para as organizações existirem, têm que inovar e estar à frente ou, no limite, ter agilidade para acompanhar essa inovação».

O responsável destacou ainda a importância que a liderança assume nesta nova realidade, que exige não só perfis tecnológicos mas, cada vez mais, competências sociais. E deixou alguns “alertas”:

– hoje, tudo é tecnologia, em todas as áreas;

– tudo é para desaprender (ou seja, temos que estar sempre a aprender);

– liderar não é o mesmo que chefiar, tema sobretudo a ver com coragem para tomar decisões com pouca informação.

«A transformação que as universidades têm que fazer é levar a aprendizagem para fora da sala de aula, ser, sobretudo, fonte de aprendizagem», sublinhou. «E as organizações também têm que se transformar: assegurar o worklife balance, encontrar um sentido de propósito, serem mais flexíveis e fazer com que as pessoas encarem a empresa como um projecto seu também.» Recuando ao ensino primário, Daniel Traça defendeu ser um disparate obrigar adolescentes a tomar decisões que vão condicionar as suas escolhas, aos 14 anos; e que se deve tirar a pressão da performance académica, considerando outras vertentes.

Outro tema de preocupação para o dean é que, apesar de Portugal vir a assistis a um significativo aumento de qualificação da sua população, mas não da produtividade, o que significa que «o talento não está a conseguir gerar valor quando chega às organizações. E não adianta falar de competências, se não houver revisão das lideranças, da estratégia, da capacidade de inovação e da cultura das organizações», afirmou.

Em jeito de conclusão, Joana Queiroz Ribeiro reiterou: «Levamos todos trabalho pata casa, para as nossas empresas e nossas casas, porque a mudança é para acontecer.»

 

Mais de cem horas de palestras

Ao longo dos três dias da segunda edição do Building the Future (que este ano teve como novidade um dia dedicado à educação – Build Brighter Futures), o Pavilhão Carlos Lopes, recebeu cerca de 4500 pessoas, que se juntaram a 50 startups, para ouvir 180 especialistas, em sete palcos, aos quais se somaram cerca de 1000 participantes, em sete cidades portuguesas e as mais de 7000 pessoas que assistiram à transmissão do evento.

As mais de 100 horas de palestras, demonstrações e workshops, tiveram um objectivo comum: mostrar que, para cada desafio, existe uma solução à espera de ser encontrada. As soluções propostas e apresentadas às 12 500 pessoas que acompanharam o evento organizado pela Microsoft, visam também contagiar decisores públicos, privados, empresários, empreendedores, investigadores, estudantes e inventores a “Activar Portugal”.

Na primeira edição do Build Brighter Futures, evento totalmente dedicado à transformação digital na Educação, 35 CEO’s e 150 top managers ouviram 400 candidatos a entrevistas de emprego.

Depois de uma primeira edição de sucesso que reuniu mais de 3000 pessoas, o Building The Future afirmou-se como a maior reunião do ecossistema empresarial nacional, dedicada à economia digital.

 

Texto: Ana Leonor Martins

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