Da human centricity para a sobrevivência. E a necessidade de flexibilizar o mercado de trabalho

O panorama actual é tudo menos animador e não se perspectivam alterações às políticas económicas, fiscais e laborais que possam contribuir para uma melhoria imediata deste cenário. São vários os desafios que as empresas enfrentam em 2021 e a gestão da sua força de trabalho será um dos maiores.

 

Por Nuno Troni, director – Professionals, Outplacement, Human Consulting, R.P.O., da Randstad Portugal

 

Terminou recentemente aquele que, para muitos, foi o pior ano de sempre, tanto a nível pessoal como a nível profissional. O impacto da pandemia, com as decisões de confinamento e toda a inenarrável gestão da crise por parte do governo português, contribuíram para uma enorme pressão no mercado de emprego e para um alarmante número de falências, que só terá tendência a crescer em 2021.

O que podemos então esperar do mercado de emprego neste ano? Os dados revelam que o número de empresas a encerrar actividade vai aumentar, o que vai contribuir para engrossar o número de desempregados. Ao mesmo tempo, e devido à incerteza, os salários, que já eram um factor da fraca competitividade em Portugal, vão continuar sob pressão, e os índices de confiança, que desceram drasticamente com a pandemia, não se prevêem que venham a aumentar.

O panorama é tudo menos animador e não se perspectivam alterações às políticas económicas, fiscais e laborais, que possam contribuir para uma melhoria imediata deste cenário. São assim vários os desafios que as empresas enfrentam em 2021 e a gestão da sua força de trabalho será um dos maiores.

Assistimos ao longo dos últimos anos a uma crescente preocupação com os colaboradores, com a sua experiência, formação, desenvolvimento, retenção, engagement e performance – o employee centricity. Esta tendência foi – e é – absolutamente imprescindível para a construção do employer branding das empresas, impactando a sua capacidade de atracção e retenção. As organizações tornaram-se mais humanas, dedicaram mais tempo e recursos aos colaboradores, colocaram as pessoas no centro da equação. Os anos de 2017, 2018 e 2019 foram pautados por crescimento económico,  o que permitia, tanto do ponto de vista de meios como de recursos financeiros, alocar o necessário a esta premissa. Discutíamos crescimento, investimento e desenvolvimento.

O ano de 2020 veio contrariar esta tendência e tudo indica que em 2021 as condições se vão agravar, mudando o tema de human centricity para sobrevivência, levando a que sejam tomadas decisões difíceis. Prevêem-se menos recursos e outras prioridades. Do ponto de vista de gestão de pessoas, como fazer? Como se gere a necessidade de cortar custos, por vezes de forma muito significativa, sem quebrar as premissas do employer centricity?

A legislação laboral portuguesa não só não oferece solução, como contribui para agravar o problema. Muitas vezes, demasiadas, a única solução é mesmo despedir, procurando diminuir custos de forma imediata e definitiva. Não existe qualquer tipo de flexibilidade, sendo que os lay-offs ficam muito aquém das reais necessidades das empresas.

E como se prepara a retoma? Hoje preciso cortar custos, mas amanhã poderei precisar de ter todos os colaboradores de volta. O caso do Turismo é evidente. Hoje, a necessidade de mão de obra é infinitamente inferior ao expectável num cenário pós confinamento e mais ainda no pós pandemia. Mas os despedimentos em massa continuam a acontecer, colocando milhares de pessoas no desemprego, sem perspectivas e com protecções sociais diminutas. Um dos grandes desafios dos gestores de pessoas é encontrar o equilíbrio entre as necessidades da empresa, assegurando a sua viabilidade, numa primeira fase, e o seu crescimento, noutra, enquanto gerem, num contexto dinâmico e em constante mutação, uma força de trabalho, também ela dinâmica.

Esta gestão é extremamente difícil, desde a preparação, comunicação, implementação e gestão. Aos que ficam e aos que saem. O employer centricity não impede a tomada de decisões difíceis e impopulares, mas molda a forma como são tomadas e tem em conta o impacto pessoal das mesmas. Nesta perspectiva, assegurar a transição profissional a quem sai, recorrendo, por exemplo, a outplacement, e suportar quem fica, são as aspectos fundamentais, de forma a não quebrar esta promessa. As empresas não podem deixar de ser sustentáveis e orientadas para o negócio, mas a forma como gerem o ciclo do talento é uma responsabilidade que não termina com o fim da relação contratual.

A flexibilidade, mais especificamente a sua ausência, dominam o mercado de emprego em Portugal. A dificuldade em despedir pesa e retrai na tomada de decisão de contratar e penaliza os colaboradores mais recentes, levando a que o factor legislação seja o decisor e não a competência. Este quadro legislativo impacta também na atracção do talento. A desconfiança aumenta a olhos vistos, o número de profissionais indisponíveis para uma mudança profissional disparou, acompanhado por um número recorde de ofertas rejeitadas. Quem se encontra numa situação segura e confortável vende cara a sua disponibilidade para um novo projecto. Quem contrata não quer assumir grandes riscos e procura o menor custo possível.

Urge flexibilizar o mercado de trabalho, tanto do lado das empresas como do lado dos profissionais. A flexibilização aumenta a confiança ao colocar em segundo plano vínculos contratuais e basear as decisões em competências e em performance. E este não é um modelo sem provas dadas, há exemplos na Europa bem sucedidos com claro reforço na produtividade e na cultura de talento. Países em que a contratação temporária não se limita a funções de suporte mas também os quadros médios e superiores – o interim management. Esta solução tem vindo a ser uma opção com um número crescente de profissionais interessados em trabalhar por projecto, em detrimento de relações laborais rígidas e ligados a uma única empresa, permitindo flexibilidade horária e a conciliação entre a vida profissional e profissional.

Este conceito, bastante alargado noutros países, vai ser chave para tornar as empresas e a nossa economia mais competitivas, num ano que se afigura especialmente desafiante, mas em que temos a oportunidade de lançar a discussão e criar as bases para aumentar a nossa competitividade num mundo pós COVID-19.

 

Este artigo (em versão mais resumida) foi publicado na edição de Fevereiro (nº. 121) da Human Resources, nas bancas.

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