Dá por si frustrado em reuniões? A falha está na liderança? O problema não é comunicação, é estar a partir do pressuposto errado

Alinhar perspectivas para decisões verdadeiramente colaborativas – o cenário familiar da frustração em reuniões desalinhadas.

 

Por Nuno Álvaro Gonçalves, Managing partner Bee leader

 

A reunião arrasta-se uma hora além do previsto. O debate persiste, agora alimentado apenas pelos mais determinados ou pelos mais directamente implicados no tema. Os restantes já mal disfarçam o cansaço: olhares perdidos, a discreta consulta do telemóvel, ou um silêncio resignado perante o desconforto partilhado de mais um encontro onde muito se discute e pouco ou nada se resolve.

A frustração é palpável, mesmo por detrás de expressões cuidadosamente controladas. Paira no ar a sensação de improdutividade e, talvez mais crítico ainda, a percepção de que as questões fundamentais nem chegaram a ser verdadeiramente exploradas.

Recuemos ao início. A agenda é apresentada: tópicos operacionais, informações urgentes, decisões críticas a tomar. Um dia normal na vida de qualquer organização.

Contudo, logo no primeiro ponto, instala-se a dissonância. Um gestor argumenta que a falha reside na comunicação deficiente – a informação circulou de forma fragmentada, impactando o cliente. Outro colega contrapõe, defendendo a realidade do seu departamento: recursos limitados, pressão constante, uma equipa em modo reactivo, “a apagar fogos” diariamente. Este padrão de perspectivas divergentes repete-se, tema após tema.

 

Para além da fachada da “falta de empatia”
Intuitivamente, sentimos que compreendemos o problema. Falamos em falta de empatia, na dificuldade em “calçar os sapatos do outro”, na necessidade de melhor comunicação. Mas o que significa, na prática, essa “melhor comunicação”? Será apenas uma questão de escolher as palavras certas ou de ouvir com mais atenção?

A questão é mais profunda. Frequentemente, o obstáculo não reside apenas na forma como comunicamos, mas naquilo que implicitamente acreditamos estar a comunicar e a perceber. Partimos do pressuposto implícito de que todos vemos a mesma realidade.

 

Frame storming: do brainstorming à compreensão partilhada
Enquanto o brainstorming encoraja a suspensão do julgamento crítico para a geração de ideias, proponho um passo anterior, igualmente libertador: iniciar as reuniões com um frame storming – uma exploração deliberada de perspectivas individuais. E se, antes de debatermos soluções, dedicássemos tempo a uma premissa fundamental: a minha percepção não é necessariamente a sua percepção? E se partilhássemos abertamente os nossos “frames” – os modelos mentais, as perspectivas e as lentes através das quais cada um interpreta a situação em análise?

A compreensão teórica da subjectividade da percepção é universal. No entando, na prática, esta consciência dissipa-se rapidamente. Ficamos ancorados à nossa versão dos factos, influenciados pelas emoções despoletadas por pontos de vista diferentes, especialmente quando decisões críticas se avizinham. No calor do debate, raramente paramos para alinhar estas assunções fundamentais.

 

Estudo de caso: o Comité de Direcção e o dilema da inteligência artificial
Consideremos o Comité de Direcção (CODIR) de uma empresa de renting automóvel. Estão presentes o director-geral e os responsáveis pelas áreas Financeira, Comercial, de Recursos Humanos e Operacional. Na agenda: a integração da inteligência artificial (IA) nos processos.

A proposta concreta: implementar um chatbot para qualificar leads na fase inicial do funil de vendas, utilizando mensagens automatizadas para despertar interesse. Tecnicamente, a solução parece viável. Porém, a discussão desvia-se rapidamente do foco.

O director Comercial argumenta que o contacto inicial é crucial para transmitir a proposta de valor da marca – automatizá-lo comprometeria o compromisso de proximidade e personalização. Tenta articular o seu frame, centrado na experiência do cliente e na identidade da marca.

Mas a conversa estagna. Em vez de explorar esta e outras perspectivas sobre o impacto da IA naquela organização específica, o diálogo deriva para abstracções: o potencial disruptivo da IA em geral, Elon Musk, o futuro do trabalho, polarizações políticas… Quarenta e cinco minutos depois, as diferentes visões estratégicas dos directores sobre aquela iniciativa concreta continuam por explorar.

Ninguém ouviu verdadeiramente o “frame” do outro. A decisão está pendente e as tensões subjacentes persistem.

 

Implementar o frame storming: um guia prático
Como podemos, então, usar o frame storming para alinhar perspectivas e fortalecer a estratégia?

Valorizar a pluralidade de visões. Partir do princípio de que cada membro da equipa observa a realidade através da lente da sua função, objectivos e experiência. Reconhecer que alinhar estas percepções é o primeiro passo essencial para construir uma estratégia coesa, e não um obstáculo a ultrapassar rapidamente.

Designar um facilitador neutro. Uma pessoa (idealmente em regime rotativo para desenvolver esta capacidade em todos) deve assumir o papel de facilitador. A sua missão não é conduzir a reunião para uma decisão, mas sim garantir que todos os “frames” relevantes são explicitados, compreendidos e respeitados, criando um mapa partilhado das diferentes perspectivas.

Perguntar antes de defender. A ferramenta central do facilitador (e de todos) são as perguntas abertas, focadas em desvendar a perspectiva de cada um. Antes de defender uma posição, procurar compreender: que realidade está esta pessoa a descrever? Que critérios está a usar? Que preocupações ou prioridades estão a moldar a sua visão?

Mas sejamos frontais – e intelectualmente honestos – qual é o líder que, de forma espontânea, reconhece estas reflexões como inovadoras?

Infelizmente, tal como os directores do CODIR reagiram aos diferentes frames de forma enviesada, muitos líderes interpretarão estas ideias através das suas próprias lentes, moldadas por experiências passadas, esferas de influência e, crucialmente, pelos seus mecanismos inconscientes de autoprotecção.

E aqui reside o verdadeiro dilema: como garantir que cada líder individual adopta uma postura isenta, imparcial e livre de vieses cognitivos, agendas ocultas ou jogos de poder? Como assegurar que haja consciência suficiente dos seus próprios mecanismos de defesa? A resposta é simples – e desconfortável: não podemos.

 

Leia o artigo na íntegra na edição de Junho (nº. 174) da Human Resources.

Disponível nas bancas e online, na versão em papel e na versão digital.

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