Das pessoas aos “re”, passando pelos (não) despedimentos: três visões do “dia seguinte”

Na XIX Conferência Human Resources, que se realizou ontem, e perante o tema “Reset – O dia seguinte”, Fidelidade, PLMJ e Mercer, e Randstad apresentaram as suas perspectivas sobre o impacto da actual crise pandémica no mundo do trabalho, pela voz de Joana Queiroz Ribeiro, Nuno Ferreira Morgado, Marta Frazão e Inês Veloso, respectivamente.

 

«As pessoas são tudo»

Joana Queiroz Ribeiro, Directora de Pessoas e Organização, da Fidelidade trouxe o exemplo da Fidelidade, que se pensaria ser uma empresa inflexível, mas que com a pandemia revelou toda a sua agilidade.

 

«Juntos é que nos podemos ver, ouvir e sentir», começa por afirmar Joana Queiroz Ribeiro. «Acredito que estamos aqui hoje a fazer aquilo que nos compete neste momento, que é pensar e discutir o futuro da Gestão de Pessoas».

Numa apresentação que intitulou de “As pessoas são tudo”, recordou que, em 2014, a Fidelidade fez «trabalho brilhante com a marca, preparando a organização para que pudesse ser comprada pela Fosun. Iniciou-se nessa altura uma transformação profunda para preparar o futuro»«, destaca, ressalvando que, nessa altura, ainda não estava na empresa. Há seis anos já se dizia que o mundo era VUCA,  mas verdadeiramente VUCA é o mundo hoje, num enorme contexto de incerteza.

Na época, a preparação para o futuro foi feito pela Fidelidade enquanto uma empresa envelhecida a operar num sector que é «embora muito relevante, pouco sexy». Joana Queiroz Ribeiro não tem dúvidas que este futuro foi preparado muito centrado nas pessoas, «com uma convicção enorme de que só com pessoas felizes, com equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, só com pessoas muito motivadas, entusiasmadas e realizadas com aquilo que faziam conseguíamos estar realmente ao lado de quem nos interessa, os nossos clientes. Mas a Fidelidade de hoje não é que é por causa dos produtos e serviços que tem, mas sim por causa das pessoas que a fizeram chegar até aqui, e que hoje fazem da organização aquilo que ela é», fez notar.

Nesta preparação, a Fidelidade apostou em seis eixos de transformação, das pessoas à organização, em cima dos quais foram alicerçadas inúmeras iniciativas, todas com o objectivo de preparar a empresa para o futuro. Depois surge a COVID-19 e o mundo parou. «Depois do impacto inicial, tivemos de pensar um plano para continuar. Ao contrário de muitas empresas que estão no mercado neste momento, a Fidelidade não estava minimamente preparada para fazer trabalho remoto», reconheceu.

Antes da COVID-19, a Fidelidade tinha 1% da sua população preparada para fazer trabalho remoto, por razões estritamente pessoais, e aquilo que a organização teve de fazer foi repensar como é que ia continuar e colocar 97% dos colaboradores em trabalho remoto. «De um dia para o outro, tivemos de perceber como é que era possível fazer isto, colocar a nossa população a trabalhar desde casa. Tivemos de encontrar soluções, desde plataformas de comunicação que nos permitissem continuar muito próximos das nossas pessoas, a modelos diferentes de gerir equipas. E tivemos uma surpresa enorme, afinal a nossa empresa, que parecia pesada e inflexível, foi muito ágil, e as pessoas que lá trabalham foram muito ágeis e muito flexíveis para se adaptarem àquilo que era necessário fazer-se. Ganhámos uma visão muito interessante sobre as nossas pessoas.»

A empresa passou a perceber quais as necessidades dos colaboradores, «quem tinha filhos, quem tinha doença de risco, quem não tinha portátil, entre tantos outros problemas, aos quais tivemos de dar solução», partilhou Joana Queiroz Ribeiro. «Este tempo serviu para nos aproximarmos muito mais das nossas pessoas, mas, acima de tudo, para as pessoas criarem uma plataforma maior de confiança com a organização. E esta foi, claramente, uma surpresa no meio deste processo.»

Entretanto, de uma forma lenta, a empresa está a regressar a esta normalidade anormal. Interessados em saber o que sentiram,  e estão a sentir os colaboradores da Fidelidade, foram feitos inquéritos, que revelaram: «81% das pessoas que trabalham na Fidelidade dizem que a experiência foi boa ou muito boa, número que reflecte igualmente o seu sentimento de segurança, pois não nos podemos esquecer do contexto em que estamos a viver; 95% gostavam de continuar um ou dois dias por semana em sistema de teletrabalho; e 50% deles assumem que se fizessem teletrabalho eram mais produtivos.» Também os responsáveis de equipa responderam que sim ao teletrabalho, mas num contexto normal, afirmando que as equipas não seriam menos produtivas.

Agora importa pensar no futuro. Para Joana Queiroz Ribeiro, não é necessário fazer um reset. «Porque a ambição e o desafio que a Fidelidade tinha, e tem, mantém-se: «queremos chegar aos clientes através das nossas pessoas e, com eles, todos construir o futuro. A palavra reset parece implicar apagar o passado e esquecer a história, e nós, na Fidelidade, não queremos nem podemos esquecer, porque já falhámos todos uma vez e não queremos voltar a falhar. É preciso que nos lembremos o que nos trouxe até aqui e quais as razões para que estivéssemos tão pouco preparados para, da próxima vez, estarmos de facto melhor preparados.»

 

Enfrentar a crise sem destruir emprego: é possível?

No paradigma actual, é ou não possível enfrentar esta crise minimizando o impacto no emprego? Reconhecendo que os despedimentos serão inevitáveis, Nuno Ferreira Morgado, partner da PLMJ e Marta Frazão, ‘principal’ e responsável pela Consulting Team  da Mercer Portugal, acreditam que também há alternativas e ferramentas para evitar recorrer eles. E explicaram como.

 

«Temos ouvido falar em estratégias de crescimento, na vontade de digitalizar as empresas, mas a realidade de muitas empresas é uma realidade de sobrevivência», sublinhou, como ponto de partida, Nuno Ferreira Morgado, defendendo no entanto que há «um desafio que se coloca hoje às empresas, de fazer melhor, porque despedir e destruir emprego  significa também piorar substancialmente as condições da economia, gerando um efeito de arrastamento negativo muito grande. Claro que todos sabemos que a nossa lei nos empurra para os despedimentos», reconheceu. «Não compreendemos porque é que não temos mecanismos como os que existem na Alemanha, que permitem por exemplo alterar, temporariamente, em determinados pressupostos, as condições de trabalho, mantendo-se a produtividade e o mesmo nível de funcionamento. Por outro lado – ressalvou -, há muitos aspectos para os quais as empresas não olham, porque a lei nos empurra para os despedimento, mas é preciso encontrar soluções que evitem que as pessoas saiam das empresas.» E Nuno Morgado acredita que essas soluções existem. E que é por aqui que a tão falada humanização das empresas, o trazer as pessoas para o centro das organizações, começa.

«Falamos de uma novo normal e de uma realidade nunca antes vivida, mas isso não é verdade. Toda a história da humanidade é feita de disrupção, já houve pandemias, já houve tragédias gigantes, pelo que temos experiência e saber acumulado para o qual não estamos a olhar, nem o estamos a usar para nos desafiarmos, com vista a melhorar a resposta que podemos dar», sublinhou. Para o advogado, “reset” não deve significar apagar a história, deve ser «construir em cima de algo, pois o ser humano tem muita experiência acumulada, e tem a capacidade de se reinventar». Reconheceu no entanto que este reinventar não pode ser feito «a contar com a lei, uma vez que esta anda sempre atrás da realidade. São as empresas que fazem a realidade, e é esta realidade que depois faz a lei, pelo que cabe às empresas avançar», afirmou. «E não é só uma responsabilidade das empresas, é uma responsabilidade dos trabalhadores e dos seus representantes fazer surgir a promoção de um alinhamento que vai permitir a sobrevivência do emprego e criar emprego mais sustentável.»

Passando a palavra a Marta Frazão, foram equacionadas como viáveis determinadas medidas que, aplicadas às empresas, visam assegurar o emprego e um impacto menos disruptivo nos resultados desta crise. «Nesta nova realidade, em que muitas empresas foram afectadas do ponto de vista financeiro, é preciso reflectir, em primeiro lugar sobre a estratégia que a empresa vai seguir daqui para a frente, o seu foco e a necessidade da estrutura que existe hoje, e eventuais necessidades de adaptar aquilo que são as necessidades produtivas», defendeu a responsável. «Existirão algumas situações em que não será possível seguir um caminho que não passe pela redução da força de trabalho, mas, mesmo nessas situações, é muito importante que a empresa acompanhe até ao momento da saída, e mesmo após a saída, os seus colaboradores.»

Antes de a empresa chegar a esse ponto, a Mercer acredita que é «muito importante as empresas pensarem em medidas menos disruptivas, sempre com uma comunicação muito aberta com os seus colaboradores, porque se é preciso reduzir custos e se o objectivo é optar, tanto quanto possível, pela manutenção dos postos de trabalho, é preciso arranjar formas que tenham como finalidade minimizar os prejuízos que estão a ser impostos aos colaboradores. Acreditamos que a empresa pode encontrar soluções que permitam esta redução dos custos de trabalho», afirmou acredita Marta Frazão. E concretizou: «Deve começar-se, desde logo, por analisar o que é a componente de retribuição e se continuam válidas todas as rubricas salariais que a empresa tinha até este momento. Com base nesta nova realidade, algumas dessas rubricas poderão ter de ser repensadas, como a politica automóvel implementada na empresa, os subsídios de transporte e deslocação… É importante olhar para o pacote remunerativo e perceber se tudo o que está a ser oferecido continua a ser válido para o futuro», reiterou.

«É necessário repensar os benefícios e adaptá-los àquilo que são as necessidades de agora e que não eram as do passado, e depois para trazer alguma poupança à empresa, sempre tendo em conta que não se consegue arranjar uma solução milagrosa, em que todos fiquem melhor do ponto de vista financeiro e que não aconteça redução dos postos de trabalho. Ao nível das pessoas e dos próprios termos do contrato de trabalho, até hoje as empresas sentiam-se retraídas em questões como o part-time ou licenças sem vencimento, era algo que não era bem aceite dentro das organizações, e agora é altura de pensar que tudo isto pode fazer sentido, pelo há que fomentar toda esta componente de flexibilidade», defendeu Marta Frazão .

Concluiu: «Na função de Recursos Humanos, é importante perceber qual o foco onde devem investir o seu tempo e tentar passar para segundo planos tudo o que for acessório. Sempre com uma base de comunicação muito forte, explicando e passando a mensagem com transparência, tendo sempre em  conta que a realidade hoje certamente que será diferente da realidade daqui a dois meses e que, embora tenhamos que fazer os tais planos estratégicos a 10 anos, daqui a seis meses não sabemos se os mesmo não terão de ser revistos.».

Marta Frazão deixou ainda uma questão a Nuno Morgado, reiterando que, «por vezes, gostaríamos de chegar a soluções que não são possíveis do ponto de vista legal,  e que Portugal não é dos países mais simpáticos nestes momentos de crise; assim, dentro das limitações, o que é possível fazer?» E o advogado reitera o que já havia afirmado, que as empresas não se devem limitar pela lei. «Por muito contraditório que possa parecer esta afirmação, essa é que é de facto a realidade. A gestão de recursos humanos é, essencialmente, uma gestão de risco. Sabemos que a lei nunca nos vai ajudar, pelo que vamos fazer aquilo que queremos, obviamente dentro do limite possível, mas sem nos prendermos pelas baias legais.»

«Nesta crise, vemos emergirem as respostas que ciclicamente surgem neste tipo de crises, que são apoios financeiros muito conjunturais e muito limitados no tempo ou cheios de requisitos, como foi o caso do lay-off simplificado. Não tenhamos dúvidas de que os despedimentos vão acontecer. Mas podem ser mais ou menos, consoante aquilo que as empresas queiram fazer e o empenho que queiram ter em estabelecer pontes com os trabalhadores e os seus representantes, para, de algum modo, fazer uma espécie de um novo contrato social.»

 

Re… ?

Será que faz sentido ou não falar em reset, foi a questão lançada por Inês Veloso, Directora de Marketing e Comunicação da Randstad, numa apresentação onde identificou vários “Re” que se avizinham.

 

Olhando para os dados do World Economic Forum, percebe-se que há de facto um grande reset, que, na opinião de Inês Veloso, é uma janela de oportunidades para repensarmos e re-imaginarmos aquele que vai ser o nosso mundo. «Existem várias dimensões que podem ser analisadas e que vão ser impactadas por este grande reset e uma delas é a possibilidade de redesenhar contratos, competências e emprego», defendeu a directora de Marketing e Comunicação da Randstad, que desafiou a plateia, no local e online, a identificar os seus “res” e partilhá-los na app  menti.com.

Destacou então alguns “re”, ressalvando: «Há sempre a ideia de que o “re” é qualquer coisa que vamos fazer de novo, e não é necessariamente assim. Pode ser ”re” de respeitar, “re” de responsabilidade, pois esta crise tem a ver com segurança, não só no imperativo de assegurar a continuidade de negócio, mas de respeitar e a sermos responsáveis pelas nossas pessoas. A questão está em saber equilibrar aquilo que é a presença do risco – o qual só desaparece se não trouxermos as pessoas para trabalhar – e estas decisões têm de ser tomadas com responsabilidade. Quando falamos em responsabilidade, falamos na responsabilidade para com os nossos e para com os nossos clientes, ao possibilitar a partilha de protocolos de segurança, para tentar perceber onde é que podíamos ajudar e se todas as dimensões estavam cobertas para garantir a segurança das pessoas», partilhou Inês Veloso, fazendo notar que o tema da responsabilidade não se extingue num documento. «A nossa responsabilidade está no tema da comunicação destas medidas e em garantir o seu cumprimento. Na Randstad, a comunicação é realizada se forma semanal através, por exemplo da elaboração de questionários para tentar perceber qual o nível de confiança dos colaboradores neste regresso.»

Um outro “re” é de remoto e de reconciliar. «Quando falamos de remoto, a discussão não deve ser focada em se é teletrabalho ou não», acredita Inês Veloso. «Acho que já todos percebemos que não foi teletrabalho aquilo que fizemos, foi trabalhar remotamente, e é interessante ver, no estudo que fizemos em Maio passado, que, em Portugal, as pessoas sentiram-se equipadas tecnologicamente para trabalhar de forma remota, estando o nosso País à frente de outros países da Europa.» Mas quando se fala em remoto, surge a questão de perceber se alcançámos a conciliação entre vida privada e profissional. «Este ano, o Randstad Employer Brand Research Portugal veio mostrar que este é um dos critérios mais importantes na decisão de emprego, mais até do que na média europeia, em que o ambiente de trabalho sai com uma posição mais importante», revelou. Mas Portugal surge como o país que menos consegue gerir esta relação entre a vida profissional e pessoal neste novo conceito do remoto.

«Se havia a ideia de que a conciliação é um tema resolvido, este estudo veio mostrar precisamente o contrário. Ou seja, não passa exclusivamente pela hipótese de se poder trabalhar de casa.» Por outro lado, Portugal é o país da Europa onde se acha que o empregador espera que os colaboradores estejam disponíveis a qualquer hora.«Significa isto que o tema da conciliação e da confiança entre os empregadores e os colaboradores acaba por ser um tema por resolver, que não se resolve no remoto», realçou Inês Veloso. «Mais do que pensarmos que o futuro vai ser só remoto ou só presencial, devemos pensar num modelo híbrido, e vai ter de se criar uma ligação entre aquilo que é pretendido pelo colaborador e aquilo que faz sentido para a continuidade do negócio e da empresa.»

A directora de Marketing e Comunicação identiticou outro “re”, o de revolução, ou incentivo a ela, e de resiliência. «Revolução, porque há uns meses não se falava noutra coisa, da quarta revolução industrial, da digitalização e das grandes mudanças que ela ia trazer. Mas a COVID-19 tudo mudou e acelerou, com muitos empregos a serem impactados pela pandemia, sendo que, na verdade, já o seriam pela digitalização.» Mas a maior parte dos colaboradores acha que o empregador não investe o que devia nas suas competências digitais. «Esta ausência pode levar a que depois eu não tenha as pessoas com as competências necessárias para fazer todo este processo e todo este regresso.»

Não esquecendo o tema da liderança, Inês Veloso destacou que, agora, «é vista com cabeça, coração e mãos, sendo este um dos principais resultados desta pandemia. Não podemos perder esta humanização. Cada vez mais vamos ter que ter lideres re…silientes e com capacidade de criar esta resiliência nas suas equipas», afirmou.

Terminar o “re” de real. «Hoje sabemos mais do que nunca que temos de ser reais. As empresas deixaram de contar muitas histórias, para, em muitos casos, até os próprios afirmarem que não sabem o que é que vai acontecer amanhã. E esta realidade tem de ser vivida de forma transversal, tem de nos obrigar a novas conversas, a novas abordagens e a um novo espírito de equipa.»

 

Texto: Sandra M. Pinto

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