Deixem ficar o controlo de preços nos livros de história

Por Valter Ferreira – Data Scientist, Marketeer, Economista do território, Inovador e Especialista em cidades humanas e inteligentes

Desde tempos antigos que os governos procuram introduzir preços máximos ou mínimos. O Velho Testamento proibia taxas de juro nos empréstimos feitos aos Israelitas; Governos mediáveis fixavam preços máximos para pão; Recentemente a cidade Nova Iorque fixou o preço das rendas; E em Portugal desde outubro 2021 é possível fixar a margem de lucro máxima no comercio de combustíveis.
Permitam-me primeiramente dar algum contexto para a discussão em torno da fixação de preços. A crise no custo de vida que atravessamos neste momento impacta significativamente nas empresas e nos trabalhadores. Para além da severa e já amplamente discutida escassez de recursos humanos, os aumentos salariais para 2022/23 ficarão por certo muito abaixo da taxa da inflação. O potencial impacto financeiro que isto pode causar para as empresas e trabalhadores irá gerar um efeito cascata de vários problemas. Convém ter presente que  o controle da inflação pela redução da circulação de dinheiro em parte já não depende dos governos, mas o aumento da produção de bens e serviços pode verificar-se com a redução da carga fiscal sobre as empresas, estando este instrumento ao dispor dos governos, exista a coragem para o aplicar.
Lembro também que o custo base de muitas empresas aumentou exponencialmente nos últimos meses, tanto pelo aumento das matérias-primas ao aumento das taxas de juro para empréstimos. Tudo isto resultará na perda de poder de compra e de lucros.
Paralelamente, o custo de vida continua a aumentar, afetando a decisão que um potencial candidato toma, especialmente pela justa exigência de salários mais elevados. Por sua vez esta situação, torna mais difícil encontrar trabalhadores qualificados que possam ser pagos.
Contudo podem, na minha opinião, existir formas, tanto para trabalhadores como para empresas, de “passar a perna” à inflação. As empresas podem fazer contratações mais inteligentes, i.e., investir só em talentos que façam uma diferença fulcral na área de negócio. Esta não é a altura para contratar com uma atitude de total liberdade. Os candidatos com provas dadas são a aposta certa, os que podem até ter algum potencial vão ter de esperar, e garantidamente o desemprego irá aumentar.
O custo de vida tem claramente impacto nas políticas de recrutamento, com maior estrangulamento financeiro é bom que tenhamos presente que as prioridades das pessoas mudam, tal como é explicado pela pirâmide de necessidades de Maslow, tornando prioridade garantir que a família tem comida e casa. E é precisamente neste contexto que alguns setores da vida política advogam e gritam na praça pública, e também nos locais de decisão, que os governos devem impor o controlo de preços.
Muito sumariamente o controlo de preços são regulamentações dos governos em termos de salários ou preços ou taxas, podendo ser impostas numa variedade de bens e serviços ou, mais comumente, num mercado de um bem único. Os governos podem ainda controlar o aumento de preços com a criação de tetos máximos, como controlo de rendas. Tudo isto é limitar e restringir a iniciativa privada.
O apelo ao controlo de preços é entendível. Ainda que este mecanismo não proteja um grande número de consumidores e “fira” outros, o controlo tem em si a “promessa” de proteger grupos que são particularmente pressionados quando confrontados com um aumento de preços.
A liberdade económica dos preços permite a alocação de bens e serviços escassos a compradores mais dispostos e capazes de pagar por eles, assim como assinalam o valor do bem/serviço e que a sua produção/prestação pode ser mais lucrativa consoante a quantidade disponível, i.e., o preço é um instrumento de controlo da escassez de recursos tanto do lado do consumo como da produção, o controlo “mata” este instrumento.
O controlo de preço tem custos severos, dependendo claro da sua abrangência e do quanto varia o preço no mercado livre. Alguns destes custos são por exemplo a burocracia criada para desenvolver o controlo, a alocação ineficiente de bens e serviços, a alteração do campo competitivo – da produção para o lobby político, o aparecimento de mercados negros e o rápido regresso à inflação no momento da suspensão do controlo.
Este “racionamento” de preços é ineficiente pois fará com que alguns compradores não obtenham os bens ou serviços, ainda que dispostos a pagar por eles. Produtores poderiam aumentar a produção e vender a estes “compradores”, mas o controlo de preços torna essa prática ilegal, não apoiando também desta forma a criação de postos de trabalho.
O controlo de preços estimula alterações comportamentais no longo prazo, até pela forma como alteram os custos de entrada no mercado de trabalho. No curto prazo, as empresas podem aumentar preços e economizar no trabalho. As empresas tenderão a aumentar preços, mesmo num mercado competitivo, porque os produtores têm de pagar salários mais altos aos seus trabalhadores. As pessoas vão consumir menos dos produtos de maior preço, e no longo prazo, as empresas vão instalar mais maquinaria para reduzir o número de trabalhadores de nível de entrada.
Com todos os problemas gerados pelo controlo porquê que ainda existem tantos “fãs” do mesmo? Bem, o comum cidadão nem sempre vê a ligação entre o controlo de preços e os problemas que ele causa, e ao mesmo tempo porque beneficiam um micro cluster que reúne muita simpatia e que tem forte presença no lobby pelo controlo. Criar uma ilusão de justiça requer manter os preços constantes, mas ser eficiente requer fazer mudanças frequentes.
Como escrevi no início do artigo, o controlo de preços tem uma longa história, mas nem todas as longas histórias são histórias de sucesso. Ainda que se possa aceitar que em algumas, e muito limitadas circunstâncias, o controlo de preço possa produzir soluções melhores, a teoria económica e a analise da história mostram que o controlo alargado será custoso e limitará a eficácia. A solução passa por uma política fiscal e monetária apropriadas para reduzir a inflação, e no caso concreto criar postos de trabalho com salários justos.
Dito isto, controlo de preços impede os mecanismos normais de ajustamento económico de funcionarem, assim como têm um impacto mais de apreciação pública do que de eficiência. Como isto, não quero afirmar que o controlo de preços, em circunstâncias especiais e bem delimitadas no tempo, não posso funcionar, mas uma leitura aprofundada da história económica mostra-nos o quão raras são essas circunstâncias, pelo que faço um apelo, deixem ficar o controlo de preços nos livros de história.