Dia do Programador. Numa área com 100% empregabilidade, três profissionais contam o que faz a diferença

Para assinalar o Dia do Programador, profissão cada vez mais relevante no mercado tecnológico actual, a Human Resources Portugal conversou com três programadores da Bosch, Armis Group e a Parkside, entidades associadas da Porto Tech Hub, responsável pela promoção e desenvolvimento da cidade como centro tecnológico global.

Por Tânia Reis

 

Miguel Santos, Product Owner na equipa de desenvolvimento de Software para automóveis na Bosch; Rúben Faustinita, Software Developer do ARMIS Group; e Tiago Meireles, Software Developer da Parkside, testemunham, na primeira pessoa, os desafios de exercer um dos cargos mais procurados nas organizações e que enfrenta uma elevada escassez de talento perante a necessidade de competências altamente técnicas.

 

Está numa área com 100% empregabilidade. Pensou nisso na altura de escolher um caminho?

Miguel Santos: Sim, sem dúvida. Porém é necessário estar em constante aprendizagem para acompanhar as tendências da indústria. Um exemplo disso é o conhecimento em Inteligência Artificial, que começa a ter cada vez mais procura.

Rúben Faustinita: Não, quando decidi voltar a estudar, a área surgiu instintivamente. Na altura não conhecia o mercado de trabalho nem a sua empregabilidade. A escolha foi baseada na minha aptidão para a área e na facilidade de aprendizagem durante o curso por ter essa aptidão.

Tiago Meireles: Na altura em que escolhi Engenharia Informática não ponderei a taxa de empregabilidade desta área. Sempre foi uma área que gostei de explorar e da qual surgiram vários projectos pessoais, logo pareceu-me que o próximo passo lógico seria a continuação da exploração, de modo mais extensivo, desta área num contexto académico e profissional.

 

Está nesta área desde que começou a sua vida profissional? Conte sucintamente o seu percurso até à data.

Miguel Santos: Sempre achei interessantes os desafios presentes nesta área. Tive formação em Engenharia Electrotécnica e de Computadores com especialização em Embedded Devices. Após este período, iniciei actividade profissional no sector das telecomunicações como Linux Embedded Developer. Posteriormente, entrei na Bosch como Software Developer para o sector automóvel e, mais recentemente, com funções de Product Owner.

Rúben Faustinita: Não, todo o meu percurso foi feito em “Línguas e Humanidades”, até decidir deixar de estudar. Muitos jovens optam por esta opção por viverem longe dos grandes centros como acontece no Alentejo. Após alguns anos a trabalhar nas mais diversas áreas, como por exemplo, Manutenção Industrial, decidi voltar a estudar e tirar uma licenciatura para a qual tinha aptidão. Após a licenciatura em Lisboa, o caminho trouxe-me até à ARMIS onde tenho feito todo o meu percurso profissional nesta área.

Tiago Meireles: Sim. Iniciei o meu percurso profissional nesta área durante o último ano da minha licenciatura, no qual realizei um estágio de cinco meses numa empresa responsável pelo desenvolvimento e suporte de soluções na área das telecomunicações. Nesta altura, também decidi optar por realizar o Mestrado em Sistemas Gráficos e Multimédia, de modo a explorar novas tecnologias e metodologias de gestão que pudessem ser utilizadas nas funções que já executava diariamente e nos projectos em que estava envolvido. Após dois anos nessa empresa, decidi focar-me numa área que tivesse como foco a sustentabilidade ambiental. Assim, iniciei o meu percurso numa empresa que desenvolvia produtos e aplicações que auxiliam na gestão e carregamento de viaturas eléctricas. Durante esta altura, também terminei o meu Mestrado com uma tese relacionada com a gestão remota e sustentável de viaturas eléctricas no contexto empresarial. Após um período de dois anos, escolhi ingressar numa nova empresa cujo foco é o desenvolvimento de aplicações desenhadas especificamente para as necessidades de cada cliente, com foco no design das interfaces que são apresentadas ao utilizador (UI) e user experience (UX) da solução.

 

Quais as competências humanas mais importantes e necessárias para o exercício desta função?

Miguel Santos: No processo de desenvolvimento, é necessário ter especial atenção aos requisitos do produto e questionar tudo aquilo que não seja claro. Este é um processo iterativo e contínuo ao longo de todo o desenvolvimento, que exige uma forte componente de comunicação com colegas e stakeholders. Além disso, novos desafios e tendências estão a chegar a ritmo nunca visto, exigindo de nós uma necessidade de adaptabilidade constante e da utilização de processos concretos para abordar problemas.

Rúben Faustinita: Na minha opinião, a competência humana mais importante e necessária nesta área é a curiosidade de aprender. Como sabemos, esta área está em constante mudança e é muito importante que mudemos com ela, que acompanhemos o seu desenvolvimento. Para isso, não podemos estagnar na nossa aprendizagem, devemos procurar novas tecnologias que ajudem todos os nossos parceiros e ser guiados pela curiosidade de aprender. Para além desta curiosidade de aprender, devemos ter competências como a adaptabilidade, uma oratória coerente e precisa e um espírito de equipa tremendo.

Tiago Meireles: Acho que as competências humanas mais importantes para o exercício de funções nesta área é o trabalho em equipa e a correcta interpretação de feedback, positivo ou negativo, quando este é fornecido. Num contexto empresarial, o trabalho em equipa é uma constante no desenvolvimento de soluções, enquanto saber interpretar correctamente o feedback que é recebido, e agir sobre esse feedback, é extremamente importante para o crescimento profissional e pessoal. Outras competências que não estão directamente relacionadas apenas com esta área, tais como o relacionamento interpessoal, a criatividade e tomada de iniciativa, também são bastante importantes. A aplicação e desenvolvimento destas competências numa empresa, permitem potenciar e destacar o progresso de cada colaborador e das suas funções, o que causa um impacto positivo na empresa e no valor que esta apresenta aos seus clientes.

 

Actualmente verifica-se uma elevada escassez de talento. Concorda com esta afirmação? Porquê?

Miguel Santos: Sim. A procura por talento tem aumentado muito nos últimos tempos. Os problemas são diversos: retenção de talentos em Portugal, factores de mudança na forma como trabalhamos, e.g., trabalho 100% remoto, entre outros. Este problema vai obrigar as empresas a serem cada vez mais flexíveis na forma como contratam (e.g., condições, alcance do recrutamento …).

Rúben Faustinita: Concordo, mas creio que será temporário. Acredito que não é por os jovens não quererem seguir esta área, mas sim porque a área em si teve uma demanda enorme nos últimos anos. O aparecimento regular de grandes ataques informáticos e a constante modernização das empresas levou a que a procura disparasse e, por sua vez, a oferta não foi a esperada. Vejo em muitos jovens um desejo de abraçar esta área, mas é preciso tempo para os formar. É muito importante que as empresas percebam que uma aposta em mecanismos como estágios profissionais, mesmo para quem não acabou os seus estudos, só trará benefícios para toda esta área no futuro.

Tiago Meireles: Não considero que neste momento exista uma escassez de talento. Acho sim que existe em simultâneo um aumento na procura de profissionais nesta área e a existência de uma diferença entre a expectativa salarial ou benefício que são esperados pelo talento qualificado e o que algumas empresas apresentam. Esta diferença acaba por se reflectir na aparência de que não existem profissionais disponíveis para as necessidades das empresas actuais. Esta diferença é cada vez mais acentuada com o constante aumento de empresas internacionais que iniciam funções, nomeadamente em Portugal, e que conseguem captar uma maior parte do talento disponível com melhores condições salariais e regalias do que as restantes empresas já estabelecidas no mercado e que não as conseguem fornecer. De modo a colmatar esta diferença, cada vez mais surgem cursos de curta duração com o objectivo de rapidamente formar pessoas no desenvolvimento de soluções tecnológicas, para que estas possam ser facilmente incorporadas em empresas que procuram profissionais nesta área, a um preço mais baixo. A longo prazo, esta abordagem vai naturalmente ter um impacto negativo nesta área, existindo cada vez mais um aproveitamento, por parte das empresas, destes profissionais.

 

Diz-se que hoje são os profissionais que escolhem as empresas e não o inverso. Sente isso? Acha que a escassez de profissionais que se faz sentir em algumas áreas, nomeadamente tecnológicas, colocam os profissionais em vantagem?

Miguel Santos: Sim, faz sentido. Visto que a oferta é maior da parte das empresas, os profissionais estão numa posição que podem fazer a sua escolha tendo por base mais detalhes (e.g., natureza das funções, condições de trabalho, salário …).

Rúben Faustinita: Sim, sinto que neste momento os profissionais escolhem não só a empresa, mas também as áreas onde querem trabalhar dentro das áreas tecnológicas. Pegando no exemplo da informática em si, actualmente não temos apenas os típicos programadores de desenvolvimento aplicacional ou web. A própria informática foi ramificada em muito mais áreas para procurar resolver as necessidades que as empresas enfrentam actualmente. Uma delas por exemplo é a área de segurança informática que, por sua vez, pode ter diversas ramificações. Tudo isto para dizer que as áreas tecnológicas têm tido uma grande evolução, que não acompanhou a formação de novos recursos, o que leva a que quem já esteja na área tenha um relativo “poder” de escolha no mercado, o que de certa forma coloca os profissionais desta área em vantagem.

Tiago Meireles: Tal como referido, não acho que exista escassez de profissionais nas áreas das tecnologias, mas sim um aumento de procura de profissionais qualificados e a diferença entre as expectativas desses profissionais e o que as empresas oferecem. Para além de expectativas salariais ou de benefícios que sejam disponibilizados, muitos profissionais procuram um ambiente estável de trabalho, no qual podem desenvolver as suas capacidades a nível profissional e pessoal, e que lhes permite ter um estilo de vida estável, sem que sejam levados à exaustão profissional, o chamado de burnout, cada vez mais comum nos profissionais desta área. Existindo uma maior procura de pessoal qualificado nesta área, implica uma maior exigência por parte de quem está a escolher, sendo que vai existir uma preferência por empresas que oferecem as condições que mais se adequam às necessidades de quem está à procura. Devido a este aumento de procura, actualmente os profissionais são obrigados a contentarem-se e aceitar propostas menos atractivas para poderem trabalhar na área que escolheram.

 

Como vê o futuro do mundo da programação para as empresas e para os profissionais?

Miguel Santos: A programação exerce, cada vez mais, um peso importante nos nossos desafios actuais e futuros, onde passámos de uma forte vertente eléctrica para um cenário com cada vez mais de software. Este desempenha um papel fundamental em quase tudo o que nos rodeia, e a programação é apenas a ferramenta para alcançar um determinado propósito. Além disso, é importante saber que existem ainda outras fases no processo. O teste das funcionalidades, a entrega de software e início de produção. O compromisso em cada uma das fases do desenvolvimento de software será fundamental para evitar atrasos e garantir que o produto é um sucesso num ambiente exigente de produção em escala.

Rúben Faustinita: Ao analisar o mercado e os clientes com quem tenho trabalhado neste meu percurso, vejo que as empresas estão a evoluir muito rapidamente e a apostar em novas frentes tecnológicas e, para isso precisam também de investir em recursos especializados para essas novas frentes. A meu ver, o mundo será cada vez mais tecnológico a cada dia que passa e já não voltará atrás, o que faz com que novos desafios apareçam todos os dias. Com o passar do tempo, teremos recursos com uma aptidão nativa para as tecnologias, o que irá ajudar a enfrentar estes novos desafios de um mundo mais tecnológico. Será um mundo de novos desafios tanto para as empresas como para os profissionais da área.

Tiago Meireles: De um pronto de vista global, o mercado do desenvolvimento de soluções tecnológicas encontra-se em constante evolução. Cada vez mais se caminha para um futuro mais automatizado e mecânico, no qual as acções que necessitam de intervenção humana são consideradas e executadas através de inteligência artificial, e no qual a interacção entre um produto e a pessoa será cada vez mais simples, rápida e personalizada. Para o mundo da programação isto é algo bastante positivo. Cada vez mais será imperativo que os profissionais, e as próprias empresas, evoluam para conseguir acompanhar a constante evolução das tecnologias que procuram simplificar e optimizar as tarefas humanas. Idealmente, isto levará à criação de profissionais mais qualificados e de empresas que conseguem fornecer mais valor aos seus clientes. Será também necessário existir um equilíbrio entre as necessidades dos profissionais desta área e as condições fornecidas pelas empresas, sendo que estas, de modo geral, terão de fazer um esforço para se adaptar e modernizar (seja a nível de organização, como a nível de cultura empresarial) para facilmente conseguirem acompanhar a evolução dos seus colaboradores e das soluções modernas que desejam fornecer aos seus clientes.

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