Dicas e estratégias para lidar com o novo normal. E as características do novo líder

No seu segundo livro, “Recomeçar. Um guia para lidar com o mundo em mudança”, a psicóloga Vera de Melo explica como recomeçar, dando dicas e estratégias para lidar com o novo normal. «Resolver as angústias interiores, reposicionar-se na vida e adaptar-se com sucesso à nova realidade, às novas rotinas, enfrentando com optimismo e esperança os desafios que se adivinham», são, na opinião da especialista, factores essenciais a um bem sucedido regresso à normalidade possível. 

 

Por Sandra M. Pinto

Em entrevista à Human Resources, Vera de Melo defendeu que a prioridade dos responsáveis pela área de Recursos Humanos das empresas «deve passar por assegurar o equilíbrio emocional dos colaboradores». Os responsáveis precisam de estar cientes de que «os efeitos emocionais do período de quarentena podem prolongar-se no tempo, surgindo a necessidade de desenvolver um programa de suporte», aconselha a psicóloga.

 

 


De que forma é que a pandemia afectou a forma como as pessoas olham para a vida?

O medo e a incerteza assolam o espírito de todos; sabemos que a realidade como outrora a conhecemos jamais será a mesma. Tudo o que dávamos como estável alterou-se e, finalmente, acreditamos na inevitabilidade da mudança.

Percebemos que não devemos dar nada por garantido e que devemos ter a humildade de agradecer o que temos e a ousadia de querer chegar mais além. Temos um novo olhar sobre as coisas mais simples da vida, como dar um abraço aos avós, ver o sorriso de um filho, tocar em quem amamos. Redescobrimos o valor da proximidade.

 

Foi a angústia uma das mais graves consequências desta situação?

O medo foi, sem dúvida, a mais comum. Mas as pessoas sentiram- se igualmente irritadas, zangadas, perdidas, confusas. Agudizou-se a tendência para entrarem em conflito, revelou-se a inquietude e a revolta com o sistema, com a situação, com a empresa, com o que as rodeava. Será difícil pôr de lado o medo e a desconfiança, mas novos hábitos surgirão.

 

Medo e ansiedade generalizado tomou conta do mundo. Como se consegue lidar com isto?

Nada é permanente. Agora que enfrentamos um novo mundo, uma nova realidade, socorramo-nos da “arma” poderosa que sempre tivemos ao nosso auxílio: a paciência. A paciência traz a calma para ver tudo com maior nitidez, para saber reagir, de forma acertada, racional e responsável.

É necessário aprender a tolerar a incerteza. Devemos assumir que, ainda que não tenhamos o controlo sobre certas coisas, temos sempre o controlo da forma como vamos reagir à ausência desse controlo.

O medo é uma resposta natural do organismo para o estado de sobrevivência do cérebro. Para aprender a superar o medo, é necessário reeducar a mente. Quanto mais tempo o cérebro tiver para criar desculpas para não ser corajoso, mais tempo o foco vai recair em resultados negativos. No novo mundo, aceite o medo de interagir com os outros, mas tente não hesitar na hora de o ultrapassar. Lembre-se de que, quando permite que a mente vagueie, perde o foco. Aceite o medo e gira-o. Saia da zona de conforto e aprenda a lidar com o inesperado, mas vá devagar.

 

De que forma nos podemos reposicionar perante a vida depois disto?

Nenhuma pessoa tem a solução mágica para se adaptar às exigências e aos desafios da nova realidade.


Como podemos voltar a ter sucesso neste “novo normal”?

A perseverança na nova realidade vai permitir-nos enfrentar cada desafio, fazendo da resiliência a nossa marca pessoal, de forma que o desistir não faça parte das nossas intenções.

Ser perseverante é ter a capacidade de definir estratégias alternativas, tendo sempre o objectivo em mente. É ser persistente no objectivo, mas flexível no caminho a seguir para o atingir, revelando a maturidade de monitorizar constantemente o caminho, de forma a saber se as acções estão a ser eficientes e eficazes no processo de atingir o objectivo.

 

Que estratégias aconselha para um regresso tranquilo à nova realidade?

Devemos aprender a lidar com o stress diário e dar atenção a todas as emoções sentidas. O que negligenciamos hoje pode originar vulnerabilidades desnecessárias amanhã. Promova o autocuidado emocional, prestando atenção ao que sente no aqui e no agora. Não tenha pressa de viver, tem tempo. Pratique uma atitude mais humana e empática. Não queira ser super-herói. Não queira voltar a fazer tudo nas primeiras semanas. É humanamente impossível. É importante ter o foco certo, ter calma, pois só esta atitude permitirá adaptação à nova realidade com eficácia e a um ritmo esperado.

Minimize. Não seja rígido e inflexível consigo e não exija o que não pode dar. Aceite que é preciso tempo para se ajustar às novas rotinas, de forma a que a sua produtividade atinja os níveis habituais e o seu bem-estar fique restabelecido.

 

Qual o maior desafio que se nos coloca hoje?

Assumir que uma crise como a anual não vai deixar consequências psicológicas nas pessoas seria um comportamento ingénuo e imaturo. Basta observar a nossa realidade. Já estamos a viver, no dia a dia, todas essas consequências. Há quem tenha perdido alguém próximo, há quem tenha perdido o emprego, ou há quem tenha receio, por estar «na linha da frente», de ficar infectado.

Uma mudança que urge efectuar é pensar no conjunto. É fundamental criar redes de apoio, seja com amigos seja com familiares, para partilhar o que sente, como sente, preocupações, crenças e as estratégias que está a adoptar. Praticar a empatia e ter alguém que nos escuta e nos reconforta pode atenuar a dor emocional.

O desafio consiste em abraçar a solidão.

Nesta nova realidade que estamos a viver, persiga objectivos, não pessoas. Habitue-se a estar sozinho e a gostar de estar sozinho, pois isto permitir-lhe-á usufruir da maravilha de estar acompanhado.

 

Confiança é o factor que vai de alguma forma marcar a diferença?

Toda a convivência social será marcada por novos hábitos e por alterações na forma como nos relacionamos com os outros.

 

Para que tudo resulte, o segredo é a empatia. No novo mundo, aceite o medo de interagir com os outros, mas tente não hesitar na hora de o ultrapassar. Lembre-se de que, quando permite que a mente vagueie, perde o foco.

 

Muitos referem a imprevisibilidade do futuro como um dos entraves ao regresso. Como analisa esta postura?

A imprevisibilidade é um fenómeno que acompanha a humanidade desde sempre. A diferença é que, agora, acontecimentos com alto impacto, como pandemias, exponenciam o seu efeito.

O tempo que cada um de nós vai demorar a adaptar-se a esta nova realidade irá variar de pessoa para pessoa. Não somos uma folha de cálculo de Excel, com uma fórmula que nos permite inferir como iremos reagir.

O único dado certo é que todo este período foi muito intenso e que cada pessoa lidou com várias emoções e tentou encontrar soluções e respostas para a nova situação.

O ser humano, em regra, é muito resiliente, portanto, a maioria das pessoas conseguirá reequilibrar-se, encontrando o bem-estar. A pandemia revelou que somos capazes de fazer mudanças num curto espaço de tempo.

 

De que forma devem as empresas ajudar os seus colaboradores neste regresso?

O foco será garantir as condições de conectividade para os colaboradores trabalharem remotamente, o que inclui tanto a infraestrutura como o acesso a sistemas que fazem parte do dia a dia de trabalho, assegurando sempre a segurança da informação e a rapidez do processo. Urgem programas de capacitação e desenvolvimento das pessoas, promovendo o desenvolvimento quer de novas competências a nível da execução do trabalho, como o uso de tecnologias disponíveis para a optimização do trabalho e a comunicação, quer de competências socioemocionais para enfrentar os desafios do novo mundo.

 

Como serão as relações laborais daqui para a frente?

Neste novo mundo, as videoconferências continuam a ser uma realidade. O trabalho em equipa assumiu uma importância extrema. Cada organização funciona como uma rede que compartilha informação a todo o segundo.

 

Que papel é deixado agora aos líderes?

No novo mundo, para atingir sucesso, os líderes só necessitam de despertar o espírito de criança. A criança é, em si mesmo, um é símbolo de humildade e simplicidade.

Uma criança nunca procura ser maior ou melhor, mas ser o que é: criança. Neste novo mundo, para atingir o sucesso, o líder deve preocupar-se igualmente em ser apenas o que é: líder. Um líder que oferece uma nova perspectiva sobre a realidade, uma visão a longo prazo, que impele significado e propósito à função de cada liderado. A sua actuação é clara e transparente, inspirando os colaboradores a não temerem revelar a sua curiosidade e expor as suas ideias. Um líder capacita os outros a ser melhores do que ele próprio, não teme, nem se ofusca com o brilho do liderado, pelo contrário, orgulha-se. Estimula a autonomia, a atitude crítica, a curiosidade, o perguntar.

Neste novo mundo, antes de falar ou fazer algo, coloque-se no lugar de quem vai escutar ou observar. Por último, tenha sempre em mente que o risco de se tornar um chefe idiota é elevado, pelo que faça um exame diário à sua actuação. Antes de culpar o mundo, culpe-se a si!

As características do novo líder são

-optimismo
– honestidade
– curiosidade
– capacidade de arriscar
– capacidade de imaginação
– persistência
– empatia

 

Que novos desafios e dificuldades se colocam agora os responsáveis de Recursos Humanos das empresas?

Estamos perante uma oportunidade única de as empresas se reinventarem, descobrirem novas formas de fazer o seu trabalho e se tornarem mais criativas.

A área de recursos humanos precisa de estar ciente de que os efeitos emocionais do período de quarentena podem prolongar-se no tempo, surgindo a necessidade de desenvolver um programa de suporte, a diferentes níveis, para os colaboradores, de modo a evitar impactos pessoais e na produtividade da organização. A sua prioridade deve passar por assegurar o equilíbrio emocional dos colaboradores.

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