Digital: surfar a onda ou ser arrastado

Por Carlos Sezões, Managing Partner da “Darefy – Leadership & Change Builders”

 

As empresas bem-sucedidas e sustentáveis ao longo do tempo não são fruto do acaso. São consequência da sua história de ambição, da forma como Líderes conseguiram promover os seus valores e estratégias e de como conjuntos de pessoas (por vezes, gerações de pessoas), comprometidas emocionalmente com a missão da Organização, conseguiram manter elevados níveis de coesão e motivação. Tipicamente, ao longo do seu trajecto, encararam a mudança como algo natural e mantiveram uma cultura de aprendizagem continuada e inovação. Esta será a síntese generalista do sucesso empresarial, aplicável a uma tecnológica norte-americana, a uma indústria do velho continente europeu ou a um banco japonês.

Hoje, qualquer Organização vive em mudança contínua, por motivos endógenos e exógenos. Modelos de negócio, estratégias, processos e tecnologias são alterados a um ritmo alucinante, em ciclos cada vez mais curtos – alimentados por alterações sucessivas ao nível sociocultural, nas preferências dos consumidores ou pela transformação digital em curso. Ou pelos “cisnes negros” que ninguém antecipa, como as pandemias. Os líderes executivos e os gestores de Capital Humano têm um papel essencial: a criação de condições para uma mudança eficaz que, seja de um modo incremental ou disruptivo, possa manter 1) a competividade do que fazemos e 2) o alinhamento de todos na missão e visão. Como dizia John Kotter, da Harvard Business School, “a Liderança produz Mudança, é essa a sua função primária”.

Em concreto, a transformação digital em curso traz um conjunto de desafios em todos as etapas da cadeia de valor de qualquer organização: do sourcing/ produção às operações, da logística ao front-end, do marketing ao client-experience. Muitas serão as tecnologias que sustentarão a nova geração de inovação, de Inteligência Artificial (AI) e Machine Learning à Blockchain, do 5G à Internet of Things (IoT), da Realidade Aumentada e Virtual (AR/ VR) ao Robotic Process Automation (RBA) – que se irão intersectar e incrementar. Mais do que embarcar em modas, clichés e ser arrastado por vagas de fundo, o ponto-chave será a construção de um roteiro de transformação, por etapas, endereçando, dois macro-objectivos: a excelência operacional (eficiência) e a maximização dos resultados e da experiência da cliente (eficácia).

Surfar a onda da transformação digital pressupõe líderes com literacia básica nas tecnologias que mencionei antes e nas suas potencialidades. E com a capacidade para gerir projectos de transformação, sustentados em 4 etapas-chave:

  1. Efectuar análise prospectiva da transformação digital

Importa clarificar os cenários futuros (previsíveis) da mudança tecnológica; tal permitirá perceber que etapas da cadeia de valor, que tecnologia poderá impactar e que investimentos (em capacidades/ competências internas ou externas) teremos de mobilizar;

  1. Comunicar de forma mobilizadora e transparente

Há que comunicar, de modo objectivo, a toda organização, o cenário actual (as is) e o cenário que queremos criar (to be), bem como a urgência de mudar no modelo digital (why); tal permite aos líderes e equipas reconhecerem a necessidade, contribuírem com seu expertise específico (ex. novas formas de colaborar, inovar, intearagir com clientes) e remarem alinhados com vista ao objectivo comum.

  1. Definir governance do projecto de mudança

A estrutura de governance do processo de mudança é essencial, pelo que há que definir com rigor quem faz o quê: quem analisa, propõe, decide, executa ou controla; e, claro, constituir um steering committee, uma “equipa de missão” (de preferência, multifuncional), qual a sua interacção com a restante organização.

  1. Fazer acontecer, com milestones e objectivos claros

Um objectivo final bem definido é necessário mas não suficiente; há que definir bem os milestones que devemos atingir, que conferem coerência à sequencialidade das etapas e que nos permitem, de modo agile, chegar à meta – as chamadas quick-wins, que proporcionarão aprendizagens e insights a todos durante a jornada.

Sim, é uma onda exigente para surfar. Que irá requerer talento, energia e tempo. Mas é um processo necessário para que as organizações não sejam arrastadas e submersas pela onda da transformação, cometendo um dos dois “pecados capitais”: 1) manterem-se paradas no tempo ou 2) investirem em tudo, “technology for technology’s sake”, por uma questão de moda. Mais que nunca, exige-se foco, estratégia e inteligência na mudança.

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