
Direito ao Essencial. Direito à privacidade dos trabalhadores: o que o empregador pode (ou não) perguntar ou fazer?
No destaque de hoje do “Direito ao Essencial” o foco vai para “O Direito à Privacidade dos Trabalhadores”. A privacidade no trabalho é um direito, não um privilégio, como explica Inês Arruda, sócia da Pérez-Llorca, sociedade de advogados parceira da Human Resources na nova rubrica que tem como objectivo descomplicar os conceitos jurídicos que todos os profissionais de gestão de Recursos Humanos devem saber. Sem floreados, directo ao ponto”.
Por Inês Arruda, sócia da Pérez-Llorca
A privacidade no trabalho é essencial para garantir a dignidade do trabalhador e equilibrar a relação com o empregador. Em Portugal, este direito está protegido pela Constituição, pelo Código Civil e pelo Código do Trabalho.
A lei distingue entre intimidade e vida privada. Intimidade, abrange aspetos como vida familiar, sexual, saúde e convicções pessoais e vida privada uma esfera mais ampla, distinta da pública. Na prática, isto significa que o empregador não pode perguntar a um trabalhador se pretende casar ou se pertence a um partido político. Já pode exigir exames médicos quando a função o justifique, como no caso de motoristas de pesados ou pilotos de avião, em que a segurança está em causa.
O tratamento de dados inclui qualquer operação, desde a recolha até à eliminação. Dados pessoais são todas as informações que identificam uma pessoa, incluindo som e imagem. Dados sensíveis abrangem saúde, convicções, vida sexual, origem étnica ou dados genéticos. A regra é simples: só podem ser recolhidos dados necessários, adequados e proporcionais. Informações sobre saúde ou gravidez só podem ser tratadas por médicos, que comunicam ao empregador apenas se o trabalhador está apto ou não para a função. Assim, por exemplo, é ilegal perguntar a uma candidata se pretende ter filhos; já é legítimo pedir exames médicos a um nadador-salvador. Impressões digitais podem ser usadas para entrar em áreas de alta segurança, mas não para controlar pausas num escritório.
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) deve ser notificada quando há recolha de dados sensíveis e é a entidade que fiscaliza o cumprimento destas regras. O trabalhador tem sempre direito a aceder, retificar, atualizar e pedir o apagamento de dados desnecessários, além de estar protegido contra decisões tomadas apenas por algoritmos, como a rejeição automática de candidaturas.
A vida privada do trabalhador é, em regra, intocável. Só ganha relevância quando tem impacto direto no contrato. O consumo de álcool fora do horário laboral não interessa ao empregador, mas se um motorista se apresentar embriagado ao serviço pode justificar despedimento. O Supremo Tribunal de Justiça já confirmou despedimentos por comportamentos fora da empresa quando estes afetaram gravemente a relação laboral, como casos de violência ou crimes que comprometeram a confiança necessária ao vínculo. No desporto profissional, a lei vai mais longe e os atletas têm o dever legal de preservar a sua condição física, pelo que hábitos nocivos à saúde podem justificar sanções contratuais.
No teletrabalho, a privacidade é reforçada porque o local de trabalho coincide com o domicílio. O empregador só pode visitar a casa do trabalhador em situações específicas, como instalar ou reparar equipamentos, e sempre com autorização e dentro de horários definidos.
Quanto à vigilância, a lei permite a utilização de câmaras apenas para fins legítimos, como proteger pessoas e bens. Nunca podem ser usadas para monitorizar de forma contínua a produtividade. Por exemplo, o Tribunal da Relação do Porto considerou ilícito o uso de imagens de videovigilância como prova em processo disciplinar, por entender que tinham sido recolhidas apenas para segurança, e não para controlo dos trabalhadores.
A tutela da privacidade é assegurada por várias vias: medidas preventivas previstas na lei civil, indemnização por danos causados, declaração de despedimento ilícito quando este assenta numa violação da privacidade e até a possibilidade de o trabalhador resolver o contrato com justa causa em caso de ofensa grave.
Conclusão
A privacidade do trabalhador é protegida em várias dimensões — vida íntima, vida privada, dados pessoais, vida extra-laboral, teletrabalho e vigilância, assegurando-se que a dignidade e a personalidade do trabalhador não ficam comprometidas pelo exercício do poder de direção do empregador.