Do planeamento rígido à análise de cenários

Por Carlos Sezões, Managing Partner da Darefy – Leadership & Change Builders

O famoso mundo VUCA (acrónimo apregoado até à exaustão em inúmeros eventos empresariais e académicos) devia fazer pensar (e repensar) os gestores e líderes organizacionais. De facto, se consideramos (e bem) o mundo de hoje volátil, imprevisível, incerto e ambíguo (ao contrário de uma certa linearidade, no meio do trabalho e das empresas, dos 100 anos precedentes), devíamos realinhar muitas das nossas ferramentas de estratégia e de management. Algo que, parece-me, ainda não acontece com boa parte das empresas. Os rituais de planeamento estratégico rígido, com os desdobramentos de operações/actividades e orçamentos, ainda vivem muito da convicção de que podemos prever o futuro com base nos dados do passado. Como ano após ano (ou mesmo trimestre após trimestre) todos poderão constatar, tal já não é aderente à realidade.
As empresas não podem prever com exactidão o que pode suceder no médio-longo prazo em função dos dados de um dado mercado. Mas podem construir visões alternativas, fruto da conjugação de 2 ou 3 variáveis críticas: e, sim, falamos de cenários. Pensar estrategicamente, analisar e planear com base em cenários ajuda as organizações a ajustar as suas vantagens competitivas, aumentar a sua resiliência concorrencial e preparar-se para desafios que se possam vislumbrar no futuro.
Como fazer? Primeiro, definir um intervalo de tempo razoável (ex. 2 ou 3 anos). Em seguida, identificar as forças motrizes que podem afetar a organização na sua visão e estratégia. Uma análise PESTEL (acrónimo de political, economic, social, technological, environmental e legal) permitirá extrair informação da realidade envolvente e as suas tendências e linhas de evolução. Forças como disrupções tecnológicas, preferências socio-culturais e comportamentos do consumidor, alterações na regulação, acesso a matérias-primas ou comportamento das cadeias logísticas são alguns exemplos que nos relembram as variáveis (e incertezas) do presente. Como terceiro passo, identificar e prioritizar as ditas incertezas críticas – em concreto, os fatores que causarão o maior impacto na organização, combinados com maior probabilidade de ocorrer no intervalo de tempo definido. Depois, desenvolver cenários possíveis (por exemplo, em matriz). Poderemos então encarar e analisar a nossa baseline (estado atual e suposição de que a realidade permanecerá linear), o melhor cenário (um estado futuro ideal) e o pior cenário (estado futuro indesejável). E, a partir daqui, forecasts inteligentes (previsões do estado futuro de uma determinada métrica, com base em suposições e variáveis correlacionadas). Exigente? Sim. Mas muito útil.
A Shell foi a primeira grande empresa global a utilizar análise e planeamento de cenários como base para decisões estratégicas, há cerca de 50 anos – procurando, claro, descortinar os caminhos do futuro da energia. Muitas outras se seguiram, não só no mundo corporate, como em organizações internacionais (ex. a ONU).
Numa perspectiva mais micro e funcional, a análise de cenários pode ser decisiva no que concerne ao planeamento estratégico de Talento – e de todas as sub-áreas relacionadas, como compensação ou desenvolvimento. O workforce planning tradicional e linear, com base em dados históricos, já não é exequível para a maioria dos sectores e áreas de negócio.

A análise prospectiva e planeamento de cenários faz, neste contexto, todo o sentido. Questões a que um exercício desta natureza poderá responder:

  • Que talento e que competências específicas necessitaremos nas nossas equipas específicas para concretizar estratégia e metas definidas?
  • Quais as melhores opções de resourcing para os vários contextos/ cenários possíveis? Contratação (aumento do headcount)? Treino e desenvolvimento interno de competências? Recurso a freelancers ou outsourcing?
  • Quais as actividades que serão essencialmente garantidas pelo capital humano e quais as que poderão ser automatizadas/digitalizadas?

Em suma, este processo de análise de cenários ajuda a ultrapassar a tendência (natural) de planear o que esperamos que aconteça e não pensar em futuros alternativos. Os gestores que consideram uma ampla variedade de cenários possíveis (“what if?”) e seu impacto nos negócios, estarão em melhor posição para aproveitar oportunidades – muitas delas inesperadas – e ajustar a estratégia.