Do teletrabalho a uma realidade laboral mais flexível. Nuno Ferreira Morgado (PLMJ) explica o que diz a lei (e que mudanças se perspectivam)

Muito se tem falado nos últimos meses de novas formas de trabalho e de uma realidade laboral mais flexível, persistindo muitas dúvidas sobre o que permite a lei. Assim, na XXI Conferência Human Resources, perguntámos aos leitores da Human Resources que dúvidas tinham e, na nossa XXI Conferência, que se realizou ontem, Nuno Ferreira Morgado, partner da PLMJ, respondeu.

 

Para fazer face às restrições impostas pela COVID foram sendo criadas leis excepcionais, que permanecem excepcionais passado quase um ano e meio, e a maioria das empresas está a redefinir os seus modelos de trabalho, mas sem saber muito bem até onde pode ir. Abrindo a possibilidade aos leitores de enviarem as suas dúvidas, destaca-se o tema do teletrabalho. Mas outros, como os modelos de contratação ou os despedimentos.

Ana Leonor Martins, directora de redacção da Human Resources Portugal, colocou as perguntas a Nuno Ferreira Morgado.

 

Nos concelhos onde o teletrabalho já não é obrigatório, a entidade patronal pode impor o regresso ao escritório a tempo inteiro? Ou, por outro lado, impor que permaneçam em teletrabalho, seja a tempo inteiro, seja a tempo parcial, por já não terem espaço para todos ao mesmo tempo?
O partner da PLMJ defendeu que, nessas situações o que se aplica é o regime tradicional do Código do Trabalho e portanto o teletrabalho nesses casos depende de acordo entre a empresa e o trabalhador. «Neste momento, com o regime actual que temos, esse acordo dá bastante amplitude quer às empresas, quer aos trabalhadores para regularem as condições do teletrabalho, não sei se mudará num futuro próximo até porque há várias alterações que se perspectivam nesse domínio, mas a empresa não poderá impor». Há situações muito específicas na lei para pessoas vítimas de certos crimesou com crianças até dois anos, mas essa não é a grande maioria. Para Nuno Ferreira Morgado «este é o momento ideal para acordar o teletrabalho se for essa a vontade das empresas».

 

Estando em teletrabalho há cerca de ano e meio, a empresa não tem que pagar os custos acrescidos que tenho?
«Essa questão é muito recorrente e tem tido múltiplas intervenções mas que são pouco claras. Este regime de teletrabalho que temos em 45 concelhos e que tivemos até pouco tempo em todo o país, é um regime que é imposto às empresas e aos trabalhadores, assenta em razões que não dizem respeito às empresas, mas sim à situação de pandemia», explicou o advogado. Assim sendo, para o partner da PLMJ  «as empresas não têm a obrigação de pagar custos, para além dos instrumentos de trabalho típicos, computador ou telemóvel. Em tudo o que sejam despesas relacionadas com electricidade, aquisição de material de escritório não há essa obrigação. Naturalmente que nas empresas que têm mais meios tudo isso foi disponibilizado aos trabalhadores, mas as empresas não têm obrigação, nem decorre da própria lei».

 

Se, no futuro, as empresas optarem por um modelo híbrido, a questão dos custos com teletrabalho continuam a colocar-se?
O advogado não tem dúvidas «sim, a questão dos custos vai-se colocar porque desde logo há oito projectos de alteração, em discussão no Parlamento, relativamente ao regime de teletrabalho, todos eles muito diferentes quanto às soluções que propõe, designadamente em matéria de despesas e seguramente que o consenso político que certamente se irá formar vai trazer alterações esta questão». E destaca «se enquanto a definição do teletrabalho até agora era o trabalho predominantemente prestado fora do local de trabalho, aquilo que provavelmente vamos evoluir é para qualquer situação em que o trabalho é prestado fora do local de trabalho, seja predominante ou não.

 

Uma colaboradora pediu para ficar 100% em teletrabalho, fora do país, durante seis meses, para acompanhar o marido. Posso recusar? E se 50% da empresa pedir o mesmo?
Nuno Ferreira Morgado acredita que «este é um grande desafio porque traz vários tipos de problemas, designadamente a lei que passa a ser aplicada ao contrato, se é que há alguma modificação, o regime de segurança social que é aplicado ao contrato e a cobertura de acidentes de trabalho. Há uns mais fáceis de resolver que outros». No espaço europeu pelo menos, há uma atenção especial da Comissão Europeia relativamente a essas novas realidades, acho que vai haver regulamentação transnacional para regular esta questão, neste momento não há soluções fáceis para permitir isso. E deixa um alerta «a empresa deve ponderar bem, deve-se informar sobre quais são as suas obrigações no país onde a pessoa estará e procurar aconselhamento jurídico nesse país para ter a certeza e confiança quando toma essas decisões».

 

Na mesma equipa, a empresa pode permitir teletrabalho a uns e proibir a outros?
Sobre esta matéria, o advogado acha que se vão colocar questões de descriminação. «A empresa pode impor o teletrabalho a alguns colaboradores e não a outros. Se se conseguir basear isso num sistema de avaliação de performance, associar a uma melhor performance um regime de trabalho específico não será descriminatório. Se se basear num critério objectivo fácil de demonstrar é possível».

 

Havendo um contrato colectivo de trabalho, independentemente das funções, posso definir regras diferentes? Quais os critérios que o permitem?
Na opinião de Nuno Ferreira Morgado, «se há um contrato de trabalho, as regras do contrato colectivo de trabalho aplicam-se, a não ser que no próprio contrato colectivo de trabalho haja manifesta abertura para afastar essas regras. As regras do contrato colectivo de trabalho sobrepõem-se ao acordo individual e portanto aplicam-se independentemente do que for a provado pelas partes, salvo se essas regras também permitam que por acordo individual, as partes possam dispor de modo diferente».

 

Se o modelo de trabalho for híbrido, a empresa pode escolher os dias em que tenho que estar na empresa?
Para o advogado «as empresas devem escolher os dias em que o trabalhador deve estar na empresa. As empresas devem ser muito directivas. Nas empresas em que há menos disrupção no teletrabalho são aquelas que são muito directivas relativamente à organização dos seus meios. Em última análise, há um interesse empresarial a satisfazer e as empresas têm de ter isso em conta».

 

O colaborador poderá ausentar-se durante uma tarde ou parte dela para tratar de temas pessoais, se isso não estiver previamente previsto?
«Falar de teletrabalho não é falar de flexibilidade, mas na verdade deviam andar de mãos dadas, porque uma das vantagens manifestas do teletrabalho é que as pessoas possam de alguma maneira gerir o seu tempo». «É evidente que se o trabalhador tiver reuniões e obrigações e não se pode afastar e aí deverá cumprir o que foi determinado pela empresa, mas se o seu trabalho for administrativo é indiferente», defende o advogado.

 

Estando o trabalhador em casa, e havendo na empresa “relógio de ponto”, posso implementar um sistema semelhante?
Sobre este tema, Nuno Ferreira Morgado, explicou que a regra do registo de tempos de trabalho existe há décadas em Portugal. «Essa regra não foi suspensa durante o período COVID, por isso têm que continuar a haver um registo de controlo de tempo de trabalho. Estando a pessoa em casa pode ser feito de qualquer maneira, a lei não impõe nenhum formato, pode ser através de email por exemplo. São os anacronismos típicos da legislação portuguesa, que insiste em modelos burocráticos e de controlo».

 

Há países a experimentar a semana de quatro dias de trabalho. A lei portuguesa permite isso? E posso mexer no salário?
«A lei portuguesa permite implementar modelos de quatro semanas de trabalho, há um mecanismo que é o regime do horário concentrado que permite concentrar a semanas de trabalho em menos dias, mas com as mesmas horas. Havendo redução de tempo de trabalho, tal é possível por acordo das partes, e isso implicará redução de salário», referiu o partner da PLMJ.

 

Que mecanismos de flexibilidade existem ao dispor, quer das empresas, quer dos trabalhadores?
Nuno Ferreira Morgado constatou «há bastantes mecanismos de flexibilidade, muitos não são aproveitados talvez porque têm depois outro tipo de contras ou requisitos que os tornam menos apelativos e isso é uma das coisas que merece ser olhada com mais atenção».

 

Que mudanças se perspectivam na lei em relação ao trabalho remoto? Acreditas que darão resposta às necessidades das empresas e às expectativas das empresas?
«Como há um consenso político a formar-se é muito difícil que responda às necessidades das empresas, aliás as alterações que eventualmente sejam consensualizadas não vão ser decisivas para tornar o regime de teletrabalho mais apelativo», defende o advogado. Mas alerta que há coisas que são importantes clarificar «como o tipo de compensação que deve ser atribuída aos trabalhadores».

 

Falámos de um colaborador, já contratado, pretender ir exercer a sua função a partir de outro país, mas também já começa a ser algo ponderado pelas empresas em Portugal contratar profissionais especializados noutro país, onde podem ficar a exercer a sua função. Se quiser contratar um trabalhar de outro país, permitindo que fique lá, mas sendo a tempo inteiro à mesma, isso pressupõe um contrato diferente? Que implicações existem, a nível de Segurança Social, Acidentes de Trabalho, Impostos.
O advogado começou por referir que neste caso se pressupõe um contrato de trabalho ajustado ao país onde o trabalhador está. «Não será um trabalhador que estará sujeito à lei portuguesa, estará sujeito à lei laboral do país onde a pessoa estiver. Porque os estados são soberanos e uma das manifestações da soberania dos estados é poderem dizer que lei se aplica no seu pais, isto aplica-se aos regimes de trabalho, Segurança Social, aos impostos. A contratação de um trabalhador noutro país é possível mas é importante que as empresas se informem quais são as suas obrigações».

 

O empregador pode reduzir o meu horário de trabalho e o meu salário por tempo indeterminado?
«Não, porque o lay-off tem um duração determinada. Por acordo eventualmente sim, mas de forma unilateral não», explicou o partner da PLMJ.

 

Pode uma empresa fazer despedimentos colectivos por um lado, e contratar do outro?
«Sim, isso é um mito que se instalou nas empresas. Só não se pode contratar para as mesmas funções que se está a despedir», referiu Nuno Ferreira Morgado. E deixa uma nota «é importante ver se é possível requalificar os colaboradores que se estão a despedir».

 

É difícil despedir em Portugal?
O partner da PLMJ defendeu que «é difícil despedir trabalhadores por razão de performance porque não há mecanismos na lei que permitam de uma forma clara fazê-lo. As empresas devem apostar em feedback, avaliações, comunicação constante com essas pessoas. É preciso que as pessoas sintam que não estão a corresponder àquilo que se espera delas. Uma comunicação saudável melhora muito esses processos de saída».

 

Foi aprovado recentemente na Assembleia da República o projecto-lei que veio trazer alterações ao do período experimental. Se contratar uma pessoa nestas condições, o período definido só é válido na minha empresa ou também contam experiências anteriores?
«Em 2019, foi aprovado um alargamento do período experimental para trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração de 90 para 180 dias e isso correspondeu à eliminação dessa causa como fundamento de contratação a termos deste tipo de trabalhadores. O Tribunal Constitucional veio recentemente proferir um acórdão dizendo que essa norma é inconstitucional na parte em que um trabalhador já tenha tido um contrato a termo com o período de igual ou superior a 90 dias, independentemente da empresa onde o fez», constatou Nuno Ferreira Morgado. E acrescenta «o projecto-lei que foi aprovado é do PCP e promove a eliminação desta clausula de extensão os 180 dias, ou seja repõe para esta classe de trabalhadores o período experimental de 90 dias».

 

Com a limitação dos contratos a prazo, que recurso têm as empresas se não tiverem capacidade para aumentar o seu número de efectivos? Se for através de uma empresa de trabalho temporário a limitação permanece?
Na opinião de partner da PLMJ «achar que a precariedade se acaba por decreto legislativo é um erro brutal. As empresas têm de ter capacidade para encontrar soluções para ultrapassar esse mecanismo. Não pode haver contratos permanente para toda a gente e ter uma barreira ao despedimento».

 

O que é que Portugal precisa de fazer, nas leis laborais, para se tornar mais atraente para criar emprego?
Nuno Ferreira Morgado acredita que é essencial simplicidade e clareza. «A lei está mal escrita há muito tempo», frisa. E conclui «a lei tem de ser adaptada à realidade. É também importante deixar de ter medo dos empregadores, é preciso ter um mercado de trabalho dinâmico, em que as pessoas possam mudar de emprego e passar pouco tempo no desemprego e isso só é possível numa sociedade em que a confiança e responsabilidade é aplicada para os dois lados e em que as empresas sentem confiança e liberdade para gerir os seus recursos à medida que os ciclos económicos se vão instalando».

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