Dois CEOs (Fidelidade e Jaba Recordati), a mesma visão sobre a flexibilidade no trabalho: «Nem todos são bons profissionais e merecem a mesma confiança»

Na XXI Conferência Human Resources, Nelson Pires, CEO da Jaba Recordati, e Rogério Campos Henriques, CEO da Fidelidade, não caíram na tentação do politicamente correcto e recusaram a “moda teletrabalho”, como obrigação. Estiveram alinhados na defesa de um modelo flexível, mas não para todos, porque nem todos são bons profissionais e merecem a mesma confiança.

Por Ana Leonor Martins | Foto Nuno Carrancho, NC Produções

 

A Conversa de Líderes da 20.ª edição da Conferência Human Resources, que se realizou ontem n’O Clube – Monsanto Secret Spot, teve como mote a pergunta “E agora, quais as prioridades” e contou com a moderação de Ricardo Florêncio, CEO do Multipublicações Media Group, que começou precisamente por aí, por questionar quais as prioridades actuais dos líderes.

Rogério Campos Henriques começou por fazer notar que «somos todos cobaias nesta realidade em mutação, que está em construção». Não acha que as empresas se tenham tronado disfuncionais, mas reconhece que há muitos desafios. «Se, no início, a prioridade era a segurança, depois foi a produtividade, hoje o tema principal é a saúde, não só física, mas mental, das pessoas», destacou. «Estamos em casa há muito tempo e isso tem trazido grandes desafios ao nível da saúde mental.» Assim, a Fidelidade tem feito uma grande aposta na formação, no apoio às suas pessoas, nomeadamente no treino das novas formas de trabalho, ajudar a segmentar o pessoal do profissional, «pois, estando em casa, é muito difícil e muitas vezes prejudicial», promover práticas de exercício físico, e apostando numa «comunicação muito mais profunda» e na liderança, explicando ao middle management como gerir neste contexto.

O CEO da Fidelidade partilhou que estão a preparar o regresso «há muito tempo, mas não sabemos bem como vai ser ainda, terá que ser afinado, mas tem mesmo que ser pensado, pois o actual modelo não é sustentável para ninguém, nem para as empresas nem para as pessoas; nem para a produtividade, nem para a saúde mental», afirmou.

Nelson Pires concordou, e começou por revelar que só fez dois dias de teletrabalho e, nesses dias, foi «muito menos produtivo», e não foi por não ter todas as condições em casa. Privilegiaram, desde o início, a confiança, e criaram todas as condições para que as pessoas estivessem em casa, e em segurança, mas salienta que 70% da estrutura da Jaba Recordati é customer facing e por isso não podem continuar em casa.

O responsável defendeu que «o remoto não poder ser uma moda», muito menos «quase que obrigatório para as empresas. Não faz sentido. Se empresa entender que é uma forma de aumentar a produtividade, óptimo, mas se não for, devem voltar todos, garantindo a segurança, claro. Flexibilidade só faz sentido se for uma ferramenta estratégica para a empresa. Mas culturalmente não estamos formatados. Não conseguimos fazer o devido acompanhamento por exemplo no onboarding ou no desenvolvimento das pessoas, à distância. Para algumas empresas, simplesmente não faz sentido e, essas, devem voltar ao que eram.»

Opinião idêntica expressou Rogério Campos Henriques, acrescentando que «o trabalho remoto entrou na nossa vida de forma forçada. Tecnologicamente já estamos preparados, mas culturalmente não. Para nós este tema não estava sequer em cima da mesa», reconheceu. «No início houve uma fase de deslumbramento, porque funcionou e as pessoas adaptaram-se, mas à medida que o tempo vai passando percebe-se que o teletrabalho não é uma receita mágica. Há muitas coisas que correram menos bem. E funcionou porque as pessoas já se conheciam. As equipas estão a viver, em grande medida, das emoções do passado. Não se consegue o mesmo resultado com quem está agora a entrar na empresa; para perceberem a cultura, os hábitos, onde se integram e criar confiança, não pode ser através de reuniões Teams.»

Isto não significa que não acredite que o modelo futuro não deva incluir teletrabalho, deve, e estamos a caminhar para uma maior flexibilidade, mas tem que ser um modelo equilibrado, e que não pode ser igual para todos. Vamos ter modelos híbridos, mas temos que segmentar a organização, pois temos pessoas diferentes. Nem todas merecem a mesma confiança, mas já sabíamos isso antes da pandemia. Os que se destacavam, agora destacam-se ainda mais, e os outros quase que desapareceram. One size does not fit all. O futuro terá que ser com maior responsabilidade – o controlo presencial tem que perder peso, passar a trabalhar-se para resultados, mas isso exige mudança de mentalidade. Precisamos ir para um patamar mais elevado, mais equilibrado, e com maior confiança.»

No mesmo sentido, Nelson Pires afirmou: «Não me interessa a que horas as pessoas chegam, interessa o que entregam. Podem fazer a gestão do seu tempo, desde que entreguem resultados. Mas isso não pode ser feito com todos. Só com os bons, e nem todos são bons.»

Revelou que estão a viver uma «luta interna», assumindo-se como mais “old school”, enquanto a directora de Recursos Humanos, Ana Porfírio, é “new school”. «Defendo que devemos trazer todos de volta e então depois perceber quem consegue garantir os resultados e, a esses, dar autonomia. Estamos nessa fase de discussão na Comissão Executiva. Para mim, o trabalho remoto não deve ser um “dado adquirido”, senão vamos ter um problema com os que não são bons.» Por outro lado, o CEO sempre deu muita importância ao “the smell of the place”, e sem as pessoas lá não o consegue.

 

Sobre os principais desafios para o futuro, Nelson Pires destacou a saúde mental. «O burnout começa a se uma evidência.» Sobre “a segmentação da empresa” para definir que modelos se aplicam a quem, não considera que seja um desafio – «está feita. O desafio é fazer com que todos percebam isso.» Acrescentou ainda que o actual momento se traduz numa grande oportunidade para a área de Recursos Humanos. «Já faziam o POLC – planificar, organizar, liderar e controlar – mas a grande diferença está no integrar. Será este o grande desafio no pós-Covid, que não terá nada de “novo normal”, será tudo menos “normal”.

Rogério Campos Henriques concordou que o maior desafio de curto prazo é a saúde mental – «curtíssimo prazo» –, e no regresso será preciso «afinar o modelo híbrido, baseado na confiança e capitalizando na cultura. Terá que ser um modelo fluído, eficiente e equilibrado». Destacou ainda o desafio do talento, pois Portugal passa a competir com todos os países e não será fácil atrair e reter os melhores, e considera que, para além da cultura da empresa, também o workplace será crítico nessa “luta”.

Em jeito de conclusão, Nelson Pires salientou a importância da resiliência, capacidade de adaptação e foco no resultado. Pessoas têm que deixar de ser menos “aportuguesadas” e mais “accountable”.»

O CEO da Fidelidade acredita que nunca como hoje as pessoas foram tão estratégicas para as empresas e por isso apostar no seu desenvolvimento deve ser o foco. Vamos ter um desafio massivo de reskilling», reconheceu. «As áreas de Recursos Humanos vão ter muito trabalho pela frente, é um enorme desafio, porque vão faltar pessoas em Portugal. Não vamos ter acesso às pessoas que queremos, teremos que trabalhar com as que temos.»

 

 

 

 

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