É preciso humanizar a experiência do colaborador. E para isso olhar para eles como pessoas, não como profissionais

“Humavolução – Humanizar a Experiência numa Cultura de Revolução” foi o tema da intervenção de Joana Queiroz Ribeiro, directora de Pessoas e Organização da Fidelidade, na XXV Conferência Human Resources Portugal, que decorreu a 21 de Março no Museu do Oriente, em Lisboa. Após uma apresentação inicial, em que identificou quatro dimesões da cultura de revolução nas empresas, foram convidados para debater o tema Marco Serrão, director de Gestão de Pessoas e Cultura da Galp, e Sandro Resende, fundador da Manicómio.

 

Joana Queiroz Ribeiro defende que, se quisermos humanizar a experiência que as pessoas têm numa organização, teremos de compreender verdadeiramente o que nos define enquanto seres humanos, um aspecto que vai muito além do contexto organizacional. A ideia é que passemos a olhar para os colaboradores como “humanos”. Para fazer isto, são necessárias transformações profundas nas empresas, que passarão de uma evolução para uma “revolução”. A directora de Pessoas e Organização da Fidelidade lembra algumas de Einstein – encontrar simplicidade na desordem, harmonia na discórdia e oportunidades no meio das dificuldades – para mostrar como esta forma de ver o mundo continua válida até aos dias de hoje.

Para uma cultura de revolução nas empresas é necessário ter em conta quatro dimensões: Perspectiva, Experimentação, Obsessão pelo Cliente e Destruição Intencional.

Por Perspectiva, entende-se, «a forma como olhamos para o futuro e para os desafios que enfrentamos e que determinam o nosso destino. Nem sempre optar pelos caminhos que nos deixam na nossa zona de conforto nos levam aos resultados que queremos». Além disso, «dizemos com muita frequência que não conseguimos prever o futuro, mas isso depende da perspectiva. Se trabalharmos os cenários e conseguirmos preparar-nos para eles, é possível capitalizar em cima das disrupções que vão surgindo».

Outra ideia é, como dizia Peter Drucker, fazer as perguntas certas. Isto é importante porque as perguntas não mudam com a mesma frequência do que as respostas, o que significa que, ao fazermos as perguntas certas, obtemos respostas que têm a ver com o contexto, com o momento e com os desafios que estamos a viver.

Joana Queiroz Ribeiro fala também da Experimentação: «navegar pelo caos requer que a organização se adapte e mude. Isto necessita de uma cultura que encoraje a testagem, a experimentação é o errar». É por isso que a gestora defende ser preciso criar organizações onde haja espaço para inovar, errar, corrigir e continuar em frente. Mas, para isso, «é necessário perceber que a maioria das inovações que temos na nossa mesa não vão ver a luz do dia». Sempre que as pessoas entram nas empresas, fazem muitas questões, e que essa tendência se perde à medida que ganham conhecimento e confiança, lembra Joana Queiroz Ribeiro. «Vamos contrariar estas tendências porque são as perguntas que fazemos que nos vão dar as respostas de que precisamos.»

Do mesmo modo, é essencial discutir, nas organizações, o que não está a correr bem «porque só quando o discutimos de forma aberta, criamos um ambiente seguro para errar e arriscar».

Por outro lado, «se quisermos criar produtos disruptivos, temos de ser obcecados pelos nossos clientes. Ao ponto de correr riscos. Não partamos do princípio de que conhecemos tudo o que os clientes fazem e tudo o que eles querem».

A profissional defende ainda a ideia de que uma cultura de revolução não pode existir com barreiras dentro da organização. «Sabemos que existem muitas barreiras que têm normalmente a ver com as estruturas, os organigramas, as chefias, a hierarquia e a formo como estamos a trabalhar». É aqui que entra a ideia de Destruição Intencional, ou seja, «para nos adaptarmos, temos de intencionalmente saber destruir, deixar cair. Temos de quebrar as estruturas e hierarquias que nos impedem de ver com clareza as transformações». Isto acontece em empresas que se juntam à volta de uma ideologia. O fundamental é que cada organização perceba à volta do que é que as pessoas se juntam.

A descentralização da tomada de decisão é outro ponto fundamental. Numa cultura de revolução, o papel dos líderes é, muitas vezes, romper com algumas tradições. «Temos de nos atrever a trazer a nossa loucura para servir as organizações. E contratar as pessoas mais diferentes de nós para trabalharem connosco. Para nos desafiarem. Porque são elas que nos vão obrigar a sair das nossas zonas de conforto, são elas que, com mais leveza, vão questionar o status quo das organizações, e assim acelerar as mudanças.

 

A humanização da experiência

Joana Queiroz Ribeiro salienta que é muito importante que o trabalho tenha significado e sentido, seja porque é um fit perfeito para o colaborador, ou porque lhe dá autonomia nas suas funções, ou porque lhe permite ter equipas ágeis a trabalharem consigo, ou até porque lhe dá tempo para se desenvolver individualmente. Por outro lado, a liderança é o que caracteriza as organizações, por isso é necessário que os objectivos sejam claros, que existam coaching e feedback regulares, foco no desenvolvimento da gestão e transparência. «O estilo de liderança e o workplace que nos serve a todos são uma espécie de cultura para criarmos microexperiências positivas que impactam na vida das pessoas que trabalham connosco.»

Igualmente fundamental é a preocupação que as empresas têm com a saúde e o bem-estar dos seus colaboradores: segurança em todos os aspectos do trabalho; incentivo à actividade física e ao bem-estar; suporte ao bem-estar psicológico e emocional; e suporte financeiro e familiar. A isto juntam-se reais oportunidades de carreira, de desenvolvimento e de crescimento dentro das organizações, hoje determinantes para que as pessoas queiram manter-se nos seus empregos.

Por fim, a directora de Pessoas e Organização refere a confiança na organização. «A consistência e a coerência daquilo que dizemos e fazemos é fundamental para criar estas plataformas de confiança, sem as quais nada disto tem a mínima importância para as pessoas.» Para que haja essa confiança, é preciso que as empresas tenham uma missão e propósito que vão além dos objectivos financeiros; que tenham lideranças transparentes, empáticas e íntegras; que invistam continuamente nas pessoas; e que se foquem no social, no ambiente e na comunidade. «Devemos olhar para os nossos processos como produtos e para os nossos clientes internos como consumidores» para colocar as pessoas no centro activando uma cultura de revolução, conclui.

Chamado para debater o tema da humanização da experiência do colaborador, Marco Serrão refere que, para si próprio, um dos aliciantes a voltar a Portugal e liderar a equipa de Recursos Humanos foi o facto de a Galp ser uma empresa em processo de transformação. O «forte propósito» da transição energética leva a que a equipa de Pessoas tenha um grande desafio pela frente, «porque as expectativas são muito altas. A própria equipa está em transformação, não só a nível de competências, mas também de forma de trabalho. Decidimos arriscar e abraçar uma forma de trabalho ágil, em que há um foco muito maior na experiência das pessoas e na jornada dos colaboradores dentro da organização. É um processo de ciclos curtos e melhoria contínua».

Desta nova forma de trabalhar já surgiram alguns projectos, como o programa que reconhecimento, «porque um elemento muito importante nos nossos pilares estratégicos é criar uma cultura em que as pessoas sintam que a organização se preocupa com elas. O Grow é um programa de reconhecimento que foi lançado no final do ano passado e nasceu para fazer com que a empresa se foque mais neste aspecto do reconhecimento. Mais recentemente, lançámos o Balance, que é um programa associado ao well-being, outro elemento muito importante para a Galp. A Semana da Mulher é outro exemplo. As pessoas querem levar o melhor de si para a organização e queremos que elas sintam que isso é possível».

Sandro Resende explica que a Manicómio funciona com uma lógica de porta aberta para o exterior, e considera que as empresas deveriam ter também esta postura. «Todas as ideias que venham de fora e possam entrar dentro do espaço podem ser aproveitadas. Não temos paredes, os momentos de decisão são em conjunto e os diálogos são muito abertos. Não existem problemas em falar abertamente de assuntos financeiros, de doenças ou de fragilidades. Mostrar fragilidade é muito importante, e sinto que as empresas precisam de evoluir neste aspecto».

O fundador da Manicómio refere que «também o espaço físico é muito importante para as empresas. Sentimo-nos muito bem em casa, no café, mas depois chegamos à empresa e não nos sentimos assim tão bem. Temos de transformar essa realidade». E conclui que «as pessoas sentem-se felizes nas empresas quando desafiam, seja o chefe, uma ideia ou mesmo a inovação. No futuro, gostava de ver as pessoas nas organizações a desafiarem os processos, as formas de estar, as locações, as transparências, constantemente. E que o fizessem sem medo».

 

Fotos NC Produções

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