Carlos Oliveira, Fundação José Neves: «A educação compensa sempre. A nível de salários e emprego»

Carlos Oliveira, presidente executivo da Fundação José Neves, faz notar que, com base em números muito concretos reunidos pelo estudo “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal”, se conclui que a população portuguesa apresenta um grave défice de qualificações.

 

Por Ana Leonor Martins e Sandra M. Pinto

 

Com este estudo, a Fundação José Neves pretendeu lançar o debate, «para que possamos ter um caminho que saibamos que temos de percorrer colectivamente enquanto país. Só depois de termos uma ambição estabelecida é que podemos definir as estratégias e as políticas concretas de resolução destas questões, que vão implicar que se trabalhe de uma forma muito mais concertada.»

 

O que motivou a Fundação José Neves a fazer este estudo?
Estamos a tentar transformar Portugal numa sociedade do conhecimento em que a educação e o desenvolvimento humano são as bases para o desenvolvimento dos portugueses, seja numa perspectiva individual seja enquanto sociedade. Sendo uma fundação, somos adeptos de medir o impacto e de termos as nossas decisões baseadas em factos e em números.

Parece-nos de extrema importância a existência de um trabalho base que nos dê a realidade da situação em que o País se encontra nestas três dimensões: do emprego, da educação e da relação entre educação e empregabilidade. Assim, além de fazermos uma radiografia de como evoluimos nos últimos 10 anos, apresentamos uma ambição para o País, de modo a que, em 2040, possamos estar nos valores próximos daquilo que queremos para Portugal enquanto um país do conhecimento. Este estudo é, acima de tudo, um contributo para o País, com informação bastante detalhada e que nos permite ter estes dados muito concretos e algumas conclusões.

 

Desse estudo alargado, que análise sumária faz? Quais as principais conclusões?
O estudo pode ser analisado de diferentes ângulos de modo a avaliar da melhor forma o estado da nação. Concluímos que a população portuguesa apresenta um grave défice de qualificações, com base em números muito concretos: por exemplo, dos adultos, há cerca de 50% que não concluíram o ensino secundário. Houve uma notável diminuição do abandono escolar e um aumento significativo dos jovens licenciados. Cria-se assim um fosso entre os jovens e os adultos que estão no mercado de trabalho, com jovens muito mais qualificados e uma grande massa de trabalhadores adultos que não têm sequer o ensino secundário concluído. Portugal é, aliás, um dos países europeus onde este gap geracional é enorme. Por outro lado, nota-se uma dificuldade na entrada dos jovens no mercado de trabalho, sendo que, no final de 2020, menos 60 mil jovens estavam empregados em comparação com o final do ano anterior.

Outra das conclusões que os dados trouxeram é a de que a educação compensa sempre. Quem tem níveis mais elevados de qualificações tem salários mais altos e tem maior protecção do seu emprego, em particular em situações como a própria pandemia, em que o emprego mais qualificado esteve mais protegido das oscilações do mercado. Ao mesmo tempo, foi mais difícil a criação de emprego para os jovens, em particular devido a duas causas: a sua menor experiência no mercado de trabalho e o facto de os jovens terem contratos de mais curta duração, o que faz com que, num ano como o de 2020, sejam eles os mais atingidos quando as empresas pretendem fazer cortes na sua força de trabalho.

O estudo revela também que as mulheres são as mais qualificadas do mercado e são as que menos abandonam a escola. Mas, apesar disso, genericamente, as mulheres ganham menos do que os homens, numa média que ultrapassa os 20%. Sem dúvida que este diferencial salarial merece uma actuação imediata com vista à sua alteração.

 

A pandemia veio agravar alguns desses problemas
Uma análise mais cuidada ao atípico ano de 2020 permite-nos perceber que, tal como já afirmámos, maiores qualificações protegem o emprego, e que, apesar da perda generalizada de emprego, os que menores perdas tiveram – ou que até tiveram criação de emprego – foram as profissões mais qualificadas. Já a perda de emprego aconteceu nas profissões menos qualificadas, o que mais uma vez sublinha a necessidade de se apostar na educação.

Ainda numa análise à época COVID, verificamos que o teletrabalho subiu durante a pandemia, mas está aquém do seu potencial total. Obviamente que também se verificou que o teletrabalho não é para todos, pelo que, de todos os trabalhadores portugueses, apenas 30% têm o potencial de estar a exercer as suas funções em teletrabalho, ou seja, trabalho remoto com recurso a tecnologias de informação e de conhecimento. Assim, foi mais uma protecção para os mais qualificados e para quem estava em lugares hierárquicos mais elevados.

 

Referiu a diferença salarial entre mulheres e homens, mas que outros resultados considera que exigem uma acção rápida?
Para nós, é relevante actuar em todas as frentes para atingirmos os valores pretendidos para 2040. Acima de tudo, porque acreditamos que é preciso ter um farol que nos guie a todos enquanto país sobre aquilo que há para fazer.

 

Que metas definiram para 2040?
Ambicionamos que, em 2040, no máximo 15% dos adultos tenham baixa escolaridade, sendo que hoje falamos de 47,8 %; que relativamente aos jovens com baixa escolaridade aconteça um decréscimo de 24,8% para 5%; que os adultos a frequentar o ensino superior sejam 45%, com uma subida de 19 pontos percentuais neste indicador; e que os jovens adultos com ensino superior sejam 60%, também aqui uma subida significativa de 23 pontos percentuais. Naquilo que é o alinhamento entre a educação e o emprego surge claramente esta importância da educação ao longo da vida, pelo que ambicionamos que, em 2040, 25% dos adultos participem em acções de educação e formação ao longo da vida, e que 90% dos jovens licenciados tenham um emprego, em contraponto aos 77,5% que hoje têm emprego logo quando saem das universidades.

Do ponto de vista dos indicadores de emprego, a nossa ambição é que daqui a 19 anos, Portugal possa estar no top 10 dos países europeus em que o peso do emprego baseado em conhecimento e tecnologia seja de 10%.

Com estes indicadores, Portugal poderia ser, em 2040, a tal sociedade do conhecimento.

 

Ainda que a educação aumente a probabilidade de sucesso, não garante emprego. Há disparidade entre as áreas de estudo, com a taxa de desemprego a ser o dobro nas ciências sociais, comparativamente às ciências naturais, onde haverá falta de profissionais. Não deveria tentar- -se “corrigir” este desajustamento?
De facto, acreditamos, e é uma das nossas recomendações, que há uma necessidade muito grande de um alinhamento entre a oferta, a formação e a educação com aquilo que são as necessidades do mercado de trabalho no presente e no futuro, no médio e no longo prazo. A área das ciências sociais não fica de fora se houver alinhamento e se os próprios currículos evoluírem no sentido de uma aplicabilidade maior destes cursos. Por outro lado, destacamos a necessidade do aparecimento de formação de curta duração e mais focada em competências.

 

Deveria o ensino profissional ser uma maior aposta em Portugal, como é noutros países da Europa, como a Alemanha, por exemplo?
Esse é um tema muito oportuno. De facto, Portugal tem feito algum progresso neste tema, sendo que uma parte significativa da redução do abandono escolar está relacionada com o aumento de frequência do ensino técnico profissional. Mas diria que há aqui uma oportunidade de surgirem carreiras mais viradas para o mercado de trabalho e que, efectivamente, se aposte mais nessa vertente, de modo a se equilibrar a balança entre um ensino mais profissional, outro mais politécnico e outro mais universitário.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Junho (126) da Human Resources.
Se preferir comprar online, tem disponível a versão em papel ou a versão digital.

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