Entrevista a Julia Denzel, Tabaqueira. Valorizar os trabalhadores e reforçar a competitividade, com foco no futuro (sem fumo)

No passado mês de Julho, a Tabaqueira, subsidiária da Philip Morris Internacional (PMI), fechou um acordo com os dois sindicatos mais representativos da empresa, aumentando salários e reforçando benefícios. A directora de Recursos Humanos, Julia Denzel, admite o orgulho no compromisso alcançando, que representa «um passo importante na valorização das pessoas e no reforço de uma cultura de reconhecimento e equilíbrio».

 

Por Ana Leonor Martins

 

O novo Acordo de Empresa, alcançado com o Sindicato Nacional da Indústria e da Energia (SINDEL) e com o Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura e das Indústrias de Alimentação, Bebidas e Tabacos de Portugal (SINTAB), prevê um aumento salarial de colectivo de 4,7% já este ano – com um mínimo de 110 euros – e melhorias no subsídio de turno, entre outras formas de reconhecimento, transversais à diversificada população de cerca de 1500 pessoas. Mas, mais do que números, traduz um compromisso com o diálogo social e, sobretudo, com a valorização dos trabalhadores, conseguido através da escuta activa, num momento de profunda transformação da empresa, rumo a um futuro sem fumo. Julia Denzel revela a sua ambição: «a Tabaqueira ser conhecida e reconhecida como um dos três melhores empregadores do País».

 

Qual a importância deste novo Acordo de Empresa, com dois sindicatos distintos?
Este acordo é muito positivo, desde logo para todos os trabalhadores da Tabaqueira. Penso que esta convicção é partilhada quer pela empresa, quer pelo SINDEL e pelo SINTAB. São os dois sindicatos com maior representatividade na empresa e maior intervenção activa no processo negocial.

Alcançar este acordo é particularmente relevante uma vez que demonstra um forte compromisso com o diálogo social e a construção de consensos, num quadro de boas relações. Cada associação sindical representa diferentes perfis de trabalhadores, o que faz com que este entendimento conjunto garanta que é acordo verdadeiramente abrangente e inclusivo, reflectindo as necessidades da generalidade dos trabalhadores.

 

Mas estes processos negociais nunca são fáceis… Houve pontos especialmente difíceis de consensualizar?
Temos princípios muito sólidos na nossa abordagem num processo de negociação, que se caracteriza pelo respeito mútuo, pela postura construtiva e pelo diálogo aberto. Isso permite-nos encontrar pontos em comum e que os diversos interesses sejam reflectidos no acordo.

Não podemos esquecer que a nossa população é muito diversificada, englobando trabalhadores de duas empresas distintas – uma que se dedica à comercialização dos produtos e outra à produção, a fábrica –, e ainda um centro de TI, e diversos centros de excelência. Este ano, estou particularmente orgulhosa de como conseguimos convergir os diferentes interesses da nossa população e alcançar um acordo benéfico para todas as pessoas.

Ao mesmo tempo, as associações sindicais mostraram abertura aos interesses da empresa, para garantir estabilidade de longo prazo, vigorando o acordo até Março de 2027, e, assim, reforçar a grande atractividade e reputação da Tabaqueira no universo de Portugal e da PMI.

 

De um total de cerca de 1500 colaboradores, qual o “peso” e as especificidades de cada uma dessas realidades que referiu?
À fábrica, estão ligados 32% dos nossos trabalhadores, 28% aos centros de serviços globais – como o IT Hub e o Finance Hub –, e os restantes 40% são funções de suporte ao mercado nacional.

A fábrica é um pilar fundamental, já que se trata de uma das maiores e mais reconhecidas fábricas da nossa região, com competências técnicas muito específicas e novas tecnologias. Os centros de serviços globais reforçam a nossa capacidade de inovação e atraem talento altamente qualificado. Já toda a nossa estrutura de suporte ao mercado nacional é o pilar de toda a operação em Portugal e agrega várias funções, das áreas comerciais às funções de suporte, nomeadamente de Recursos Humanos, têm em comum ser as melhores pessoas, com quem se aprende todos os dias.

 

Comparativamente com outras realidades em que a PMI está presente, qual o peso e influência dos sindicatos?
Em Portugal, temos uma relação muito construtiva com as estruturas sindicais. A influência dos sindicatos é significativa e equilibrada. O que distingue esta realidade é a parceria e o diálogo aberto que conseguimos manter. Trabalhamos com base na confiança, o que permite um trabalho conjunto mais estratégico e menos reactivo.

O facto de vir, e ter trabalhado, na Alemanha, faz com que esteja muito habituada a construir uma relação forte com os parceiros sociais – sindicatos e comissões de trabalhadores. Naturalmente, pode haver momentos de tensão, dependendo do contexto, mas, para mim, esse é também o objectivo, no sentido em que as melhores soluções surgem de um atrito construtivo. O resultado das negociações é a prova disso mesmo.

É por isso que valorizo estas parcerias… Se forem mantidas através da escuta activa e do diálogo, como é o caso.

A diversidade e magnitude da nossa presença em Portugal traz também muita responsabilidade aos sindicatos para garantir que todos se sentem representados e que asseguramos um excelente futuro para todos.

 

Quais os principais pontos acordados?
Um dos aspectos mais relevantes deste acordo é, sem dúvida, o aumento salarial colectivo de 4,7%, a atribuir na totalidade este ano, com uma garantia de aumento mínimo de 110 euros, o que, no caso de alguns trabalhadores, significou um aumento de 11%. É uma forma concreta de valorizar o esforço de todos e, para mim pessoalmente, mostra a nossa responsabilidade social específica para todas as áreas da empresa. Não poderia pedir nada melhor como responsável pela área de Recursos Humanos.

Destaco também a actualização do subsídio de turno no regime de três turnos, que aumenta de 22% para 23%, reflectindo o reconhecimento da exigência deste modelo de trabalho.

Foi ainda acordado um aumento de 4,7% nas cláusulas de expressão pecuniária, o que permite uma revisão abrangente das componentes económicas do acordo colectivo. No fundo, este é um passo importante na valorização das nossas pessoas e no reforço de uma cultura de reconhecimento e equilíbrio.

 

Para além dos aumentos salariais, quais as principais pretensões dos colaboradores?
Os temas mais reivindicados estão, naturalmente, ligados à valorização do trabalho e, portanto, aos aumentos salariais, num contexto de aumento generalizado de preços e do custo de vida. Mas há outros aspectos, como o reconhecimento de desempenho, a transparência na progressão e a conciliação entre vida pessoal e profissional.

Ouvimos os trabalhadores ao longo do ano, e esta negociação é também resultado de uma atitude de escuta activa e de abertura ao diálogo.

 

Que alterações introduziram em termos da política de reconhecimento?
Uma vez que o reconhecimento é um dos factores mais motivadores e é diferente para cada pessoa, seguimos uma abordagem holística. Além da codificação do nosso ADN sob os valores «We care, we are better together, we are game changers», voltámos a dar mais ênfase a elementos de reconhecimento mais frequentes e abrangentes.

 

Por exemplo?
Introduzimos cartões de reconhecimento que promovem o reconhecimento entre pares. São uma forma simples, mas muito impactante, de reconhecimento no dia-a-dia. Mas continuamos a dar prémios, que celebramos em grandes momentos de envolvimento com a organização.

 

Referiu também a transparência na progressão de carreira… O que vai mudar?
A progressão na carreira sempre foi uma constante na PMI, e a Tabaqueira é um excelente exemplo disso mesmo. Isto é demonstrado, por exemplo, pelo facto de os nossos trabalhadores permanecerem, em média, apenas dois anos e meio na mesma função.

O que me deixa orgulhosa é que, actualmente, elevamos a progressão e o desenvolvimento a um nível completamente diferente. Começando por incutir a mentalidade certa sobre o que significa crescimento, construímos uma estrutura muito sólida, para que tanto os supervisores como os outros trabalhadores possam conduzir as conversas certas sobre progressão, com foco em serem muito intencionais e orientados para o objectivo. Isto a par de uma grande clareza sobre os percursos de carreira e, como tal, apoiando melhor toda a organização nos planos de talentos.

O objectivo é mais satisfação e motivação, bem como impulsionar uma rede de talentos que seja sustentável e com competências melhoradas para o nosso futuro sem fumo.

 

Como foi recebida pelos trabalhadores a notícia do novo acordo da empresa?
A reacção tem sido muito positiva. Sabemos que temos uma população diversa, com realidades e necessidades distintas, por isso procurámos desenhar um pacote equilibrado. Por exemplo, o aumento do subsídio de turnos, apesar de não abranger todos, responde a um grupo relevante e reconhece os desafios associados a esse tipo de trabalho. Outras medidas, como o reforço dos benefícios e o plano de desenvolvimento, têm um impacto mais transversal.

 

Que resultados esperam alcançar com estas medidas, nomeadamente na motivação e retenção de colaboradores, e também na atracção, principalmente dos jovens?
Esperamos um impacto directo na motivação, uma vez que os trabalhadores se sentem valorizados. Acreditamos que terá reflexos ainda mais significativos na retenção e na capacidade de atrair novos talentos, em especial os mais jovens, que procuram organizações com valores claros, oportunidades de crescimento e equilíbrio vida pessoal e trabalho.

 

Falou na vossa visão, de um futuro sem fumo, têm colocado um grande foco na inovação. Isso muda o tipo de perfis de que precisam?
Sem dúvida. Estamos a desenvolver competências digitais, de análise de dados, de inovação e de gestão de mudança. A nossa transformação rumo a um futuro sem fumo exige perfis mais multidisciplinares, com pensamento crítico, capacidade de adaptação e sensibilidade para temas como sustentabilidade e bem-estar.

 

Isso obriga a “requalificarem” – dar novas competências – às vossas pessoas?
A aposta no reskilling e no upskilling, para adaptar a empresa e as suas pessoas a um contexto de grande mudança, é o que nos permitirá anteciparmo-nos e navegar nestas alterações, não deixando ninguém para trás.

Contamos com um portefólio de aprendizagem muito amplo da PMI, complementado por parcerias com universidades de renome, como a Nova SBE, para programas específicos de alto valor, bem como as nossas iniciativas de formação específicas para a transformação da indústria.

 

Por outro lado, também terão de recrutar… Como é que esta transformação – sendo a Tabaqueira, hoje, muito mais do que uma fábrica de Tabaco – está a impactar a vossa marca de empregador e o tipo de perfis que atraem?
Esta transformação está a ampliar significativamente o leque de perfis. Estamos a atrair talentos nas áreas de tecnologia, inovação, ciência e sustentabilidade.

Mas estamos também a valorizar o talento, o que é muito importante num mercado que hoje é muito competitivo. Isso exige que sejamos também uma marca empregadora mais forte, transparente e alinhada com os valores da nova geração.

A minha ambição é a Tabaqueira ser conhecida e reconhecida como um dos três melhores empregadores do País. Sei que temos o que é preciso, mas temos de partilhar isso – e o nosso orgulho – externamente, fora da organização, não apenas celebrar internamente.

 

A cultura também terá de mudar… Como tem evoluído?
A cultura na Tabaqueira é um exemplo, e uma das mais valiosas em que já participei. Temos vindo a evoluir para uma cultura mais colaborativa, ágil e orientada para o impacto. Valorizamos cada vez mais a escuta activa, na valorização dos trabalhadores e na aprendizagem contínua. Ter a organização extremamente empenhada é o principal facilitador para a implementação destes valores culturais, sendo que nos empenhamos em assegurar o desenvolvimento destes comportamentos com a estrutura organizacional e o modelo de governação adequados. Esta mudança cultural é essencial para acompanhar a transformação do negócio.

 

O que acredita que é hoje mais valorizado pelos profissionais?
Além da remuneração justa, os profissionais valorizam cada vez mais o desenvolvimento contínuo, o propósito da empresa, o reconhecimento e a possibilidade de conciliar a vida pessoal e profissional. A cultura e os valores organizacionais tornnaram-se elementos diferenciadores na decisão de onde trabalhar.

Não estou a dizer que somos perfeitos – claro que precisamos de nos ajustar continuamente às tendências sociais –, mas tenho orgulho em dizer que correspondemos aos valores dos trabalhadores. A rotatividade média nos 3% fala por si.

 

Este acordo pode também ajudar a consolidar o papel estratégico da Tabaqueira na PMI?
Claramente. Este acordo reforça o nosso posicionamento dentro da PMI como uma operação moderna, com boas práticas laborais e alinhada com os valores da transformação global do grupo. Consolida a nossa reputação interna e externa, tornando-nos um exemplo a seguir.

Portugal acolhe o centro financeiro global e o segundo maior pólo tecnológico da Philip Morris International, com uma exportação de serviços superior a 58 milhões de euros em 2024. A breve prazo, será inaugurado um novo hub global de IA, reforçando o papel do País como plataforma estratégica de inovação, digitalização e investimento.

Actualmente, 26% da força de trabalho da Tabaqueira desempenha funções globais, atraindo talento altamente qualificado para Portugal. Criado há apenas quatro anos, o IT HUB conta com mais de 220 especialistas em software, IA, cibersegurança e dados. Por sua vez, o Finance & Strategy Hub é um dos seis centros financeiros globais da PMI, gerindo operações para 180 mercados em todo o mundo.

A única coisa de que precisamos é de um ambiente regulatório adequado…

 

E, a nível da Gestão de Pessoas, quais os vossos principais desafios, num futuro próximo?
Os principais desafios passam por continuar a desenvolver competências futuras, manter níveis elevados de envolvimento, num contexto de mudança constante, e garantir que todos os trabalhadores, independentemente da função ou da antiguidade, sentem que fazem parte desta transformação. A diversidade geracional e cultural será também um tema cada vez mais central, bem como a promoção do bem-estar físico e emocional.

As empresas são as pessoas que as compõem, e é nessa relação humana e próxima que queremos assentar a nossa actuação, de pessoas para pessoas.

 

Este artigo foi publicado na edição de Agosto (nº. 176) da Human Resources.

Disponível nas bancas e online, na versão em papel e na versão digital.

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