Entrevista a Maria da Glória Ribeiro, managing partner da Amrop: «Falhar é uma etapa do sucesso e, muitas vezes, o precursor do mesmo.»

Todos nós temos um talento. Importante é saber identificá-lo para o potenciar. Isso faz-se com a ajuda de algumas ferramentas práticas, que permitem delinear estratégias que nos diferenciem e nos tornem únicos no mercado de trabalho. Em tempos de pandemia como aqueles que hoje vivemos, em que o mercado de trabalho e a vida profissional se alteraram, será que a identificação do talento se mantém igual? Será agora preciso identificar novos talentos? 

 

Por Sandra M. Pinto 

 

Numa entrevista exclusiva, Maria da Glória Ribeiro, fundadora e managing partner em Portugal da multinacional de Executive Search Amrop e autora do livro «Pessoas com Talento [Como Nós]», ajudou-nos a responder não só a estas como a muitas outras questões que interessam aos profissionais e aos lideres, porque, como refere, «o investimento na aquisição e no desenvolvimento de talentos é essencial para atrair, reter e motivar colaboradores».

 

O que distingue um dom de um talento?
Nascemos ou não com determinado dom. Sermos sensíveis ao ritmo, ao som e à música, por exemplo, é ter nascido com o dom e a sensibilidade para uma área que nos irá dar vantagens nestas matérias. Pode alguém, com este tipo de dom, ter vantagens competitivas no mundo da música? Com certeza que sim, a priori. Porém, tudo irá depender de múltiplos estímulos, circunstâncias e factores que irão influenciar a construção da pessoa em causa, da sua personalidade e do seu perfil.

Se esta hipotética pessoa que nasceu com este dom o trabalhar, o desenvolver e o potenciar, transformá-lo-á em talento. Não se dirá mais que nasceu com o dom do ouvido, mas sim que é um talentoso músico.

 

Mas, então, todas as pessoas têm um talento?
Sim, sendo que há uma correlação, quase sempre directa, entre talento e capacidade de concretização de determinada tarefa ou empreendimento. Com isto em mente podemos concluir que cada um de nós possui o(s) seu(s) próprio(s) talento(s).

Vale por isso a pena enfrentar a tarefa de nos documentarmos, treinarmos, aprendermos, enfim, melhorarmos os nossos talentos de forma a influenciarmos positivamente o resultado, ao desenvolvermos o talento poderemos atingir com sucesso muito provavelmente os nossos próprios objectivos. Estaremos assim a influenciar a nossa própria vida, preparando-nos para enfrentar os desafios do futuro.

Os estímulos e circunstâncias que enquadram a formação da nossa personalidade ou maneira de ser são muitos e muito díspares. Porém, compete a cada um de nós fazer a auto-análise e a reflexão interior que permita ter o autoconhecimento e autodomínio para potenciar, alargar e transformar todas as nossas habilidades e dons em talento.

 

Afirma que é preciso coragem para ter talento. Como assim?
Mesmo as habilidades consideradas inatas podem ser desenvolvidas caso haja motivação e com a aplicação de técnicas apropriadas. Assim, qualquer pessoa está, por exemplo, potencialmente apta a aprender música, desde que tenha vontade e use as técnicas apropriadas ao estudo de música.

No entanto, o medo de cometer erros, de falhar, de nos expormos perante os outros, de expormos a nossa ignorância, de nos humilharmos até dificulta a acção, impede-nos de alcançar o nosso propósito, seja ele a mudança de emprego ou de empreender um novo negócio. Tolda-nos os sentidos e esvazia‑nos de energia e coragem.
Por isso sim, é preciso coragem para ter talento. É necessário enfrentar com determinação, espírito de trabalho e sacrifício o empreendimento de se desenvolver.

São sempre aqueles que enfrentam com coragem as dificuldades que sistematicamente conseguem alcançar os objectivos a que se propõem.

 

É importante acreditar?
Sonhar, ter ambição e apostarmos em nós com determinação, tenacidade, resiliência, é o mais poderoso motor de energia para evoluirmos e para atingirmos a realização pessoal e profissional.

Hoje fala-se muito de «propósito» e de espírito de missão para classificar a atitude positiva e emocional que alguns transportam perante um objectivo, uma tarefa ou um empreendimento. O propósito é a razão da existência de cada um de nós. É a força interna e a motivação de cada ser humano para prosseguir numa caminhada pessoal e profissional. É o «propósito» ou a paixão o que dá sentido ao nosso quotidiano e à construção da nossa vida.

 

E onde fica o risco? É este um factor importante que importa avaliar?
A mudança na maioria das vezes não é fácil. Dá muito trabalho, custa e faz-nos correr muitos riscos. Deixamos o paradigma a que nos habituamos e saltamos para um terreno novo que não dominamos. Saímos da chamada zona de conforto, de que tanto ouvimos falar, e da rotina conhecida em que tudo é previsível, em que tudo é controlável e confortável.

Seguir o caminho previsto tem muitas vantagens. É antes de mais seguro. Quando seguimos o previsto não corremos grandes riscos.

Nada disto é mau e pode ser muitas vezes a decisão de muitos para o seu plano de existência. Outros, porém, querem viver com a adrenalina elevada que o risco proporciona. Querem ter a sensação do inseguro e de tanto o experienciarem dominá-lo, tornando-o a sua forma de vida.

Não temos de ser assim ou de outra forma. Temos de saber o que é melhor para nós próprios em cada etapa da nossa vida. Podemos, entretanto, mudar. Temos de nos permitir a isso.

 

Concorda então que é importante saber falhar…
Para muitos a palavra falhar tem um estigma social pesado, uma conotação negativa muito forte. Mas sabemos, porque temos exemplos práticos de grandes empreendedores que antes de alcançarem o sucesso que agora lhes conhecemos falharam várias vezes, tropeçaram várias vezes no seu caminho, que falhar pode incorporar e fazer parte do nosso processo de aprendizagem e crescimento pessoal. Falhar é uma etapa do sucesso e muitas vezes o precursor do mesmo.

O que é importante é sermos capazes de aprender com os erros, sobretudo com os erros que nós próprios cometemos e, depois, termos capacidade de mudar, de nos reinventar e de descobrirmos outras soluções para a nossa própria vida.

 

Nestes tempos de pandemia, em que o mercado de trabalho e a vida profissional se alteraram profundamente, como se identificam os talentos?
Da mesma forma que sempre se identificaram os talentos. Para cada tipo específico de talento que se procura, desenvolvem-se metodologias de pesquisa e metodologia em conformidade.

Hoje, como sempre, o investimento na aquisição e desenvolvimento de talentos é essencial para atrair, reter e motivar colaboradores, de maneira que potenciem ao máximo as suas capacidade e, consequentemente, ajudem as organizações em que estão inseridos a alcançar os objectivos delineados.

 

Como podem os talentos ser potenciados neste “novo normal” em que é exigido distanciamento social?
A vida contemporânea exige resiliência e agilidade por parte de todos, e tolerância e generosidade por parte das lideranças, todos devem trabalhar juntos no sentido de ser mais resilientes e estar mais abertos à mudança – de forma a alcançar uma conexão, uma forma de ajudar os talentos a ter novas ideias para abordar e resolver novos problemas.

Tenho a convicção que as pessoas devem reinventar-se, é necessário que compreendam que parte das suas competências profissionais são humanas, emocionais, intuitivas e que são essas que exigem ser potenciadas e desenvolvidas, pois estão mais longe de ser substituídas pela Inteligência Artificial e Digitalização. A pandemia acelerou este processo.

 

Ganha agora maior importância ter uma boa “marca pessoal”?
Os conceitos de imagem e reputação poderão consagrar todo e qualquer indivíduo que souber utilizá-los a seu favor. A imagem e a reputação podem ser compreendidas como o marketing pessoal.

A marca pessoal tem como objectivo posicionar-nos na mente dos outros como desejamos. Desenvolver a marca pessoal consiste em identificar e comunicar as características que nos fazem sobressair e ser relevantes, visíveis, atractivos e únicos.

A marca é o reflexo daquilo que somos verdadeiramente. A marca pessoal diferencia-nos dos outros e torna-nos distintivos naquilo que fazemos. Dá-nos valor acrescido no mercado de trabalho.

 

Exactamente devido a esta situação de emergência devemos todos dar mais atenção à inteligência emocional?
Sabemos hoje em dia que algumas das nossas competências funcionais mais técnicas podem ser e serão com certeza substituídas pela Inteligência Artificial (IA), num futuro que está cada vez mais próximo. Sabemos também que a aprendizagem pela IA das competências emocionais, as chamadas soft skills, vai sendo também incorporada no processo de machine learning de forma exponencial; porém, nós, os humanos, teremos essas facilidades como motores de aceleração de conhecimento e inteligência.

Seremos cada vez mais poderosos na nossa capacidade de raciocínio e indução, mas nunca poderemos ser substituídos nas competências humanas, como trabalhar em equipa, gerir comportamentos, lidar com as complexidades sociais, ter capacidade de liderar, competências que são hoje em dia críticas para as empresas, aquelas que nos surpreendem, que têm bases intuitivas e que os computadores não poderão alcançar ao mesmo nível de consistência. Estas vão ser as mais-valias de cada um de nós, a mais-valia dos humanos e super-humanos do futuro.

Segundo Goleman, a inteligência emocional é a maior responsável pelo sucesso ou insucesso dos indivíduos, como exemplo recorda que a maioria das situações socioprofissionais são envolvidas por relacionamentos entre as pessoas e, desse modo, pessoas com qualidades de relacionamento humano, como empatia, tolerância e generosidade, têm mais hipóteses de obter o sucesso.

 

Com tanta gente no limite conseguir esse equilíbrio não parece fácil… Que conselhos pode partilhar connosco?
Não podemos seguir modelos. Poderemos ter inspiração e agregação a determinado agrupamento social sempre que a nossa necessidade de ser social assim o exija, mas tudo tem de ser incorporado na nossa própria personalidade que é única e individual, diferenciada de qualquer outra.

Cada um deve fazer o seu melhor e tentar, como sempre deve ser feito, influenciar o seu futuro e o dos outros de forma positiva. É importante ser resiliente e comprometer-se com uma agilidade que permita a cada pessoa crescer enquanto indivíduo inserido numa sociedade.

 

Que ferramentas práticas podem ser utilizadas para promover o talento?
Tenacidade, afinco, determinação, resiliência e automotivação são provavelmente as melhores ferramentas para conseguirmos chegar à meta que traçámos.

São muito mais frequentes as características de perfil capazes de serem melhoradas do que as que dificilmente se alteram ou ultrapassam. E há que fazer esse trabalho: desenvolver e melhorar as nossas características de perfil, os nossos talentos, para que nos possam ser úteis, o mais possível.

Não há receitas que se possam aqui apresentar para cada caso de desenvolvimento do talento. Mas há algumas regras que são comuns: é indispensável querer de facto, isto é, estar verdadeiramente motivado e encontrar a energia interior que proporcione força anímica e coragem para enfrentar um novo processo de autodesenvolvimento e aprendizagem; é necessário estudar, fazendo alguma investigação, olhando para casos que sirvam de benchmark (bons exemplos) ao alvo que nos propomos e para o qual pretendemos adquirir talento; fazer uma lista de todos os pontos indispensáveis que é necessário aprender e assimilar; gradualmente, encetar um plano de autodesenvolvimento e preparação pessoal; e por fim passar à acção já com a preparação necessária, a segurança e a serenidade de quem domina os assuntos.

 

Delinear estratégias que nos diferenciem e nos tornem únicos no mercado de trabalho é hoje ainda mais importante? Por quê?
Conquistar a diferenciação da nossa existência é um passo fundamental para atingir a percepção de sucesso e, muitas vezes, o próprio sucesso.

Mas é claro, antes de mais, temos de saber para onde queremos ir. O que queremos atingir. Que meios temos ao nosso alcance. Só a partir daí poderemos elaborar um plano de acção e melhorar aquilo que sabemos que é insuficiente para a concretização dos nossos objectivos como pessoas, seres sociais e profissionais. Ou seja, não podemos simplesmente deixar que a vida nos leve.

Para isso ser possível, torna‑se fundamental conseguirmos pensar por nós próprios, termos um pensamento único. A partir daí, encontramos sempre um sítio na sociedade que nos será mais adequado, mais à medida da nossa personalidade e, portanto, daquilo que melhor se adapta à nossa maneira de ser.

Desta forma, o papel que queremos ter na sociedade, bem como as nossas ambições e aspirações, terão muito mais hipóteses de ser atingidos.

 

Quais são os pilares essenciais para construir uma carreira de sucesso?
A construção de uma estratégia própria e de uma marca pessoal, a descoberta da nossa motivação, a avaliação do risco, a importância da inteligência emocional, o tempo como valor fundamental a persistência e a paixão que nos move, o que aprendemos quando falhamos e a capacidade de nos exponenciarmos, tentando-nos diferenciar dos demais.

Temos de ser capazes de aproveitar todas as nossas potencialidades e, mais do que isso, ser capazes de as desenvolver. Para o conseguir, temos de nos situar em nós próprios. Não devemos deixar que as tendências, muitas vezes arbitrárias e seguidoras de modas sem fundamento, nos arrastem para realidades que pouco ou nada têm a ver com a nossa essência. É fundamental termos integração humana, isto é, sermos capazes de pensarmos por nós próprios e em função de nós mesmos. Cada um de nós é um mar de experiências, vivências e conjugações. A realização pessoal é isso mesmo: pessoal.

Ler Mais