Entrevista a Steve Cadigan: «O futuro do trabalho vai ser turbulento e desconfortável»

O mundo está a mudar cada vez mais depressa. Vai ficar mais estável do que está, mas não voltará a ser tão estável como era. Instabilidade será a constante. É nisto que Steve Cadigan acredita, defendendo que as empresas e as pessoas têm de aprender a operar no meio do caos. Mas «estamos perante a maior oportunidade de sempre para construir um futuro do trabalho melhor».

 

Por Tânia Reis

 

No dia 28 de Outubro, Steve Cadigan, que foi o primeiro responsável de Recursos Humanos do LinkedIn, e actualmente se intitula como “Talent hacker & advisor, Future of Work Obsessed, teacher & author”, subiu ao palco da Nova SBE em Carcavelos para a SingularityU Portugal Summit: Supermassive, onde arrancou aplausos com a sua visão disruptiva e muito pragmática sobre o “Futuro do trabalho e liderança”.

A Human Resources Portugal conversou, em exclusivo, com o especialista, que partilhou que na criação do Linkedin, algo completamente novo, «ninguém sabia o que estava a fazer», mas foi o caos que serviu como inspiração para trabalhar mais e melhor. Afirma que sempre houve “quiet quitters” e que a pandemia não foi o gatilho, mas antes o acelerador na forma como vemos o trabalho. Mas ainda «estamos a fazer as perguntas erradas por causa das antigas formas de trabalho». «Temos de parar de usar a forma antiga de pensar com palavras como “lealdade”, “engagement” e “felicidade”», defendeu, fazendo ainda notar: «A estratégia das empresas não deve ser tornar os colaboradores “mais felizes”, mas sim torná-los melhores.»

 

Tem trabalhado na área do talento e da cultura corporativa nos últimos 30 anos. Que principais mudanças destaca?
Um ano após ter saído da Universidade Wesleyan, no Connecticut, descobri a área de Recursos Humanos. Nem sabia o que era! Estávamos em 1988. Comecei como recrutador, mas depois avancei para outros âmbitos na Gestão de Pessoas, tendo passado por vários sectores e, desde então, tanto mudou!

Creio que as pessoas já estão um pouco mais conscientes do verdadeiro valor da cultura corporativa e que esta não é meramente “um poster na parede”, mas constitui, sim, uma vantagem competitiva. A liderança está mais madura. Vi realidades que vão desde o «tens sorte por ter um emprego», para o «preciso de te motivar e aprender a motivar». Os gestores passaram de chefes que se limitam a dar ordens a verdadeiros líderes que são coaches e mentores.

Confesso que, em toda a minha carreira, nunca vi algo como o que estamos a viver agora. Acredito firmemente que este é o momento mais dinâmico e imprevisível que enfrentamos.

O futuro é desconhecido e ambos os lados estão desconfortáveis – empregadores e empregados. Nenhum deles sabe que competências vão ser necessárias para amanhã.

A própria internet mudou imenso. Antes, podia dizer-te o que pretendia que a minha empresa alcançasse. Agora, podes encontrar tudo o que pensam sobre a minha empresa online, seja através de ex-colaboradores, dos actuais ou até dos clientes. Actualmente, não podes simplesmente mentir e dizer que a tua empresa é fantástica, porque alguém vai dizer «Não é. Eu trabalho lá».

Todas estas alterações obrigaram as empresas a tornarem-se mais transparentes e as próprias lideranças a dar um passo e serem mais verdadeiras.

 

Aprendemos a lição com a pandemia?
Acho que é um processo e estamos a aprender. Muitas empresas perguntam-me isso, e se devemos adoptar o modelo híbrido ou não, por exemplo. Respondo sempre que o mundo ainda não estabilizou, por isso, creio que ainda não chegou o momento de tomar uma decisão a esse respeito.

 

Acredita que essa estabilização vai chegar?
Não, não acredito. Estou em crer que o mundo vai ficar mais estável, mas, ainda assim, menos estável do que antes da pandemia. A verdade é que não sabemos o que vai acontecer. Por isso, temos de construir para a instabilidade e não para a estabilidade. Temos de aprender a lidar e a operar no meio do caos.

 

Como é que se consegue construir a cultura de uma organização quando tudo muda tão rapidamente?
É simples, mudas tudo rapidamente. Vou dar um exemplo. A maioria das empresas diz: «Este é o nosso plano anual, é isto que vamos fazer durante o ano». Uma coisa é, no fim do ano, perguntar «Então, como foi o ano?» Outra bem diferente é perguntar, no fim de Janeiro, «Como estamos? Precisamos de ajustar algo? Que nova informação temos? Temos os recursos certos? O mercado mudou? Temos um novo concorrente?». E em Fevereiro fazer novamente a mesma coisa e assim sucessivamente.

Temos de mudar este planeamento “lento” para algo mais interactivo. Quando criámos o Linkedin, era uma indústria nova, ninguém sabia o que estava a fazer, porém foi esse caos que nos inspirou a trabalhar mais e melhor. É verdade que não temos todas as respostas, mas não há problema. Só temos de as encontrar e criar.

O meu conselho para as empresas é: colaborem mais, comuniquem mais, envolvam mais as vossas pessoas, e depois conseguirão avançar. No fundo, temos de construir uma cultura onde isso seja possível. Esta noção de que tudo tem de estar sob controlo é impossível, mas o caos dá-nos energia para ajudar a ultrapassar isso.

 

Mas, no final do dia, o colaborador tem contas para pagar e precisa de estabilidade…
As empresas têm de cuidar das suas pessoas ao longo da carreira e, quanto mais investirem no seu crescimento, mais valiosas essas pessoas irão tornar-se, não só para a empresa, mas para todos. Contudo, para que tal aconteça, a perspectiva tem forçosamente de mudar.

Uma empresa não pode formar um colaborador para ele ter sucesso apenas nessa organização. Temos perfeita noção de que o colaborador, mais cedo ou mais tarde, vai sair, por isso a empresa deve torná-lo melhor para o futuro e, se o fizer, verá a sua força e impacto no mercado robustecer-se. Em vez de nos concentrarmos na fidelização de talento, devemos focar-nos na construção de um futuro melhor para esse talento e para as empresas.

A questão da estabilidade existe, claro, mas essa é uma das grandes mudanças que tenho visto em algumas economias. As pessoas conseguiam um emprego e achavam que já não tinham de se preocupar com nada, mas a verdade é que têm de continuar a crescer e a construir, porque o mundo está a mudar demasiado depressa. Em vez de as empresas prometerem que vão cuidar dos colaboradores, devem prometer que vão torná-los melhores para o futuro.

 

Após a “great resignation”, agora fala-se muito no “quiet quitting” e no “quiet firing”. Acha que a pandemia foi o gatilho que despoletou estes e outros temas, ou era algo inevitável?
Não acho que tenha sido o gatilho, mas acredito que a pandemia acelerou uma mudança na psicologia da força de trabalho e na forma como as pessoas pensam o trabalho e as suas vidas. Na verdade, creio que todas essas tendências são apenas uma forma antiga de pensar no trabalho e catalogar as coisas. Sempre houve “quiet quitters”.

Quando lemos que uma empresa despediu 15 funcionários porque descobriu que tinham dois empregos, esse não devia ser sequer motivo de despedimento. Se estavam a fazer o seu trabalho e têm dois empregos, qual é o problema? Estamos a usar a narrativa errada. Temos de parar de usar a forma antiga de pensar com palavras como “lealdade”, “engagement” e “felicidade”.

Precisamos de uma nova linguagem. O “engagement” por exemplo. Claro que queremos que um colaborador se sinta envolvido, mas primeiro ele precisa de saber e sentir que a empresa está envolvida com ele e só depois a liderança tem o direito de lhe perguntar se ele se sente envolvido. Isso é o mais importante. Estamos a fazer as perguntas erradas por causa das antigas formas de trabalho.

 

Afirmou na sua intervenção que «as pessoas não querem ser contratadas, querem ser inspiradas. As pessoas querem uma aventura, não uma carreira.» O que quer dizer com isto?
Quero dizer que as pessoas já não querem um trabalho “aborrecido”. Os colaboradores reconhecem que vão assumir um compromisso de fazer algo durante grande parte da vida, por isso, essa função deve ter significado e vir com aprendizagem e crescimento. Deve ser uma aventura e deve ser inspiradora. Parece-me uma expectativa justa.

A estratégia de talento das empresas é «vem para aqui para teres um trabalho melhor», quando devia ser «vem para aqui para depois poderes ter acesso um trabalho melhor». Numa estrutura organizacional tradicional, o colaborador olha para cima e vê uma série de cargos e muito reduzidas oportunidades de ascensão. Contudo, olha para fora e vê um mundo de oportunidades.

Chegou o momento de desenvolver uma nova “agenda” do talento, baseada no factor mais humano. A estratégia das empresas não deve ser tornar os colaboradores “mais felizes”, mas sim torná-los melhores. Temos de começar a cuidar dos colaboradores mesmo depois de saírem, porque há uma grande probabilidade de voltarem.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Novembro (nº. 143)  da Human Resources, nas bancas.

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