Entrevista: «Há uma mudança de mentalidades, mas ainda há um longo caminho a percorrer para se alcançar a igualdade de género no universo tecnológico», Evgeniya Naumova, Kaspersky

A Kaspersky desenvolveu uma campanha de #empowerment feminino em Portugal, a #WomeninTech Portugal, onde junta a influencer de tecnologia, Geek’alm, a mulheres que desempenham cargos de tecnologia em empresas como a Farfetch, a Natixis e a Accenture Portugal. O tema, cada vez mais na ordem do dia quando se pretende ter um sector tecnológico mais igualitário e inclusivo levou-nos à conversa com Evgeniya Naumova, vice-Presidente da Rede Global de Vendas da Kaspersky e a principal porta-voz da campanha.

Por Sandra M. Pinto

«Foi com ambição que lançámos três talks informais no YouTube e contámos com a ajuda da influenciadora portuguesa de tecnologia Geek’alm, que se sentou à conversa com algumas referências femininas portuguesas a trabalhar em cargos de IT em Portugal», assegura Evgeniya Naumova. A responsável acredita que «estamos perante uma mudança social e cultural», mas tal como refere Geek’alm no seu testemunho, «ainda existe muito preconceito de que a tecnologia é domínio dos homens»

Como surgiu a #WomeninTech Portugal e a que necessidades ou questões veio ela dar resposta?

A campanha Women in Tech surgiu do compromisso da Kaspersky em criar uma indústria mais diversa e segura. Acreditamos que devem ser dadas oportunidades a todas as mulheres para trabalhar numa profissão relacionada com as tecnologias e serviços pelos quais são apaixonadas. Queremos encorajar jovens raparigas e mulheres a seguir uma carreira nesta área, procurando inspirá-las com testemunhos reais e em primeira mão.
Além de querermos promover uma maior integração de mulheres no sector, pretendemos também criar awareness sobre este tema tão importante. Foi com esta ambição que lançámos três talks informais no YouTube e contámos com a ajuda da influenciadora portuguesa de tecnologia Geek’alm, que se sentou à conversa com algumas referências femininas portuguesas a trabalhar em cargos de IT em Portugal.

Em cada uma destas conversas, conseguimos promover a partilha de experiências de mulheres bem-sucedidas na área da tecnologia, com diferentes idades e perfis, a trabalhar em empresas influentes a nível nacional, como a Farfetch, a Natixis e a Accenture. Desmistificámos também o que fazem no seu dia-a-dia, em função do cargo que desempenham – o que, muitas vezes, é algo complexo para quem está de fora e pode criar algum distanciamento. Queremos que esta iniciativa se mantenha dinâmica, através de novos estudos e da partilha de mais exemplos femininos, continuando a apoiar e a inspirar jovens mulheres a seguir a área das tecnologias, e mantendo o setor, em geral, ciente dos seus principais obstáculos e desafios ao nível do género.

Este é um dos temas centrais para a Kaspersky e vamos continuar a criar mais iniciativas que permitam gerar mais awareness junto dos jovens, como já temos vindo a fazer ao longo dos anos. Temos desenvolvido a nível global iniciativas como estágios, aconselhamento e orientação contínua a jovens que procuram seguir uma carreira em IT. A nossa parceria com a Geek’alm – que também é uma mulher que seguiu a área da tecnologia – procura igualmente reforçar e consciencializar que a indústria tecnológica tem lugar para as mulheres e que a tecnologia não tem género. Acreditamos que, com estes testemunhos, podemos chegar a mais mulheres em Portugal e além-fronteiras, inspirando-as e tranquilizando-as relativamente a certos receios que possam ter relacionados com o sector.

Veio a pandemia agravar esta questão?

Apesar de algumas mulheres terem afirmado, através do nosso estudo, que apreciaram a maior flexibilidade proporcionada pelo teletrabalho e que conseguem ser mais produtivas e autónomas, para outras, a pandemia originou um desequilíbrio profundo entre o trabalho e a vida familiar. Quando as mulheres inquiridas foram questionadas sobre as funções do dia-a-dia que prejudicam a sua produtividade ou progresso no trabalho, 60% afirmaram que tinham feito a maior parte da limpeza em casa, além de se verem sobrecarregadas com outras tarefas como os trabalhos escolares das crianças. Concluímos também que foram as mulheres que realizaram um esforço maior para adaptar os seus horários para cuidar da família, em comparação com os seus parceiros do sexo masculino.

Além disso, quase metade das mulheres (47%) que trabalham na área da tecnologia afirmaram que os efeitos da COVID-19 atrasaram a sua evolução na carreira, apesar de uma percentagem semelhante (46%) acreditar que a igualdade de género é mais provável de ser alcançada através de estruturas de trabalho à distância.
A verdade é que o efeito da pandemia difere de mulher para mulher. Algumas apreciam a maior flexibilidade e a inexistência de deslocações trabalho-casa, enquanto outras estão, literalmente, à beira de um esgotamento. Por isso, torna-se primordial que as empresas assegurem que os seus gestores estão alinhados com a estratégia de apoio aos colaboradores que têm responsabilidades de prestação de cuidados e que ressalvem, tanto através da cultura como da política empresarial, que darão aos pais, trabalhadores de ambos os sexos, a flexibilidade de que necessitam para trabalhar durante e além da pandemia.

Existem hoje mais mulheres a trabalhar em cargos de tecnologia em empresas. Significa que as mentalidades estão a mudar? Estamos no caminho certo ou ainda há um longo percurso a percorrer?

É notório que estamos perante uma mudança social e cultural. A campanha Women in Tech Portugal, em particular, demonstra a mudança de mentalidades que está em curso, o caminho que as empresas estão a traçar para alcançarem a igualdade de género no universo tecnológico, mas ainda há muito por fazer. Devem continuar a ser implementadas medidas-chave e iniciativas que apoiem verdadeiramente a carreira das mulheres na área tecnológica, as empresas de IT e os seus colaboradores do sexo masculino, precisam de ser proactivos e comprometidos com a progressão das suas colegas do sexo feminino.

Na sua opinião o que tem afastado as mulheres deste setor? Que medos ou receios têm as mulheres relativamente a ingressarem neste sector?

Começaria por destacar o facto de esta área ainda estar muito “masculinizada”, devido a factores históricos, preconceitos culturais e estereótipos. No passado, não era culturalmente fácil aceitar – quanto mais estimular – o facto de uma mulher querer trabalhar em áreas técnicas e associadas a tecnologia. Aliás, uma das nossas convidadas para a campanha, ao longo da conversa, afirmou que o seu pai achava que não fazia sentido ela seguir uma área relacionada com tecnologia. Queria que ela fosse para áreas mais ligadas a turismo ou culinária, em vez de seguir uma carreira em IT, que era o que a apaixonava. Estas “condicionantes” já podem ser menos frequentes, mas, como qualquer processo cultural, são precisos anos para realmente verificarmos as diferenças.

Apesar de se registar uma melhoria global ao nível da percepção da representatividade de género, de acordo com os dados que recolhemos no nosso estudo global, cerca de um terço (38%) das mulheres afirmam que a falta de profissionais femininas na indústria tecnológica as faz recear entrar no sector. Este dado prova precisamente que ainda existem alguns preconceitos e inseguranças em jogo, promovendo, infelizmente, a falta de pessoas do sexo feminino nesta área de atividade.

Outro fenómeno que verificámos e que influencia a presença feminina no sector consiste na falta de referências femininas, havendo ainda muitas mulheres que, conhecendo poucos ou nenhuns exemplos de mulheres bem-sucedidas em tecnologia, sentem medo de entrar no sector, principalmente quando perspectivam o seu futuro. E, mesmo no caso das mulheres que ingressam em áreas de tecnologia em escolas ou universidades, muitas podem não chegar a enviar a sua candidatura para uma empresa depois de finalizarem o seu curso. Ou porque têm de fazer esse caminho sozinhas, sem referências, ou porque podem ter medo de não serem aceites ou de não verem as suas competências valorizadas, num mundo em que o sexo masculino domina.

Na Kaspersky, continuamos a trabalhar para apresentar mais iniciativas de estágios a nível global, pois acreditamos que proporcionar mais oportunidades aos jovens, independentemente do seu género, orientando-os e introduzindo-os ao universo da cibersegurança, pode também ser uma das formas de ultrapassar o desequilíbrio de género na indústria. Inclusive, temos vindo a apoiar mulheres ligadas à cibersegurança através de várias iniciativas, como, por exemplo, o programa de estágio global remunerado – o SafeBoard – que se encontra actualmente disponível na Rússia, Europa e países da APAC. Neste programa, os estudantes têm oportunidade de praticar e desenvolver as suas competências nas mais variadas áreas, bem como conseguir um emprego na Kaspersky e progredir na sua carreira.

Ainda há preconceito no ambiente de trabalho das TI para com a presença de mulheres?

Infelizmente, os preconceitos ainda se verificam em alguns casos. Durante a nossa campanha, falámos com uma colaboradora da Natixis, que partilhou connosco um episódio que exemplifica bem a existência dos mesmos. Este é um exemplo específico no meio de tantos outros que ainda se verificam e que temos de combater a todos os níveis: cultural, social e profissional.

A desigualdade nos salários é uma realidade atual quando falamos de mulheres em cargos no sector?

É um tema sensível, visto que tanto verificamos organizações com desigualdades, como outras empresas totalmente justas e equitativas. Mas devemos destacar o facto de Portugal estar a registar uma evolução muito positiva relativamente à igualdade de género. Por exemplo, no ranking da igualdade de género, o EIGE colocou Portugal na décima sexta posição da União Europeia, registando uma subida de quatro lugares na classificação desde 2010. Apesar do país se manter abaixo da média europeia, regista avanços a um ritmo mais rápido do que os outros membros.

Também ao nível da União Europeia, nomeadamente no quadro legislativo e cultural, têm-se verificado importantes avanços no que diz respeito às leis da igualdade de género, à promoção da mulher ou ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, que, com a sua “atualidade” e repercussão, já começam a ser vistos como problemas crónicos da sociedade. Esta postura tem sido essencial para se promoverem inúmeros avanços a vários níveis, nomeadamente ao nível das empresas e organizações, por exemplo, com a aplicação de quotas e outras medidas que promovem maior igualdade e equidade.
A nível social, a população em geral está mais sensibilizada para estes temas, e a promoção, na esfera pública, de debates e momentos de interação em torno da diversidade de género ou da representação feminina em algumas áreas, entre outros exemplos, demonstram uma opinião pública cada vez mais ciente e com vontade de mudança.

Em suma, a nível europeu e ocidental em geral, as últimas décadas têm trazido algumas mudanças para o universo feminino. Alguns dos exemplos enumerados demonstram que estamos no caminho certo, mas também o quão longo é o desafio da verdadeira igualdade de género.

São precisos mais exemplos inspiradores, que cheguem também às jovens e que as incentivem a lutar pela carreira que sempre sonharam?

Precisamente. No nosso estudo, verificámos exactamente isso. Ou seja, a falta de referências femininas na área das IT, havendo ainda muitas mulheres que, conhecendo poucos ou nenhuns exemplos de mulheres bem-sucedidas em tecnologia, sentiam medo de entrar no sector, principalmente quando perspectivavam o seu futuro. A nossa campanha Women in Tech pretende fazer exactamente isso. Inspirar jovens mulheres através de testemunhos reais e ajudá-las a perceber melhor a sua paixão e a seguir as suas ambições profissionais, independentemente dos obstáculos.
Em Portugal, conversámos com mulheres genuinamente inspiradoras, cada uma com um percurso muito próprio e enriquecedor. Todas seguiram a sua paixão por tecnologias e são hoje verdadeiros exemplos de vida.

Pode partilhar connosco alguns desses exemplos?

Existem inúmeros exemplos inspiradores de mulheres na área de IT. A Cláudia Nabais da Quidgest, a Ana Gaspar da Volkswagen ou Isabel Pires Chaves da Farfetch. E, claro está, as convidadas que entrevistámos nas nossas talks: Carolina Cardoso (Farfetch), Isabel Michiels (Natixis) e Paula Fernandes (Accenture). São mulheres self-made e que cresceram profissionalmente, ao ponto de hoje serem influentes em todo o sector tecnológico e terem uma reputação internacional. Todas começaram do zero, como jovens apaixonadas que lutaram pelos seus objectivos e foram bem-sucedidas.

Estão as empresas hoje em dia abertas a uma maior inclusão?

Não só estão mais abertas, como também são mais pressionadas neste sentido a nível social, associado às dinâmicas de mudança do mundo em que vivemos atualmente. As próprias empresas e respectivas lideranças já começam a apresentar “visões” mais inclusivas, pelo que o caminho é só um: continuarmos a trabalhar até conseguirmos observar uma verdadeira igualdade e equidade de género em todo o setor empresarial. Acreditamos que é o único caminho a percorrer e com a campanha da Women in Tech em Portugal, marcámos claramente uma posição.

 

Para Geek’alm, ainda existe muito o preconceito de que a tecnologia é domínio dos homens. «Tem de ser quebrada esta barreira, e devem ser dadas as mesmas oportunidades de acesso, de salário e de progressão de carreira, a todos por igual», refende a influenciadora.

Acha que a associação entre tecnologia e masculinidade continua a distanciar as jovens de TI?

Infelizmente, penso que sim. Ainda é visto como uma área de homens e que, apesar de sabermos que será o futuro, ainda há mulheres que têm receio da discriminação na área e principalmente quando querem formar família.

O processo de masculinização da informática, mais precisamente, a figura do geek antissocial, que se desenvolveu na década de 1960, está a desaparecer ou mantem-se?

Sem dúvida que, essa ideia, já se está a dissipar. Mas depende, a informática é muito vasta e em algumas áreas ainda há a ideia do antissocial atrás do computador. Penso que, o facto de hoje em dia o computador também já ser um produto utilizado por todos, ajudou à mudança de paradigma.

O que se dever fazer para fomentar o interesse das mulheres pelo sector?

Acima de tudo, temos de mudar a ideia de que a mulher faz menos ou sabe menos, principalmente ao ser mãe. E isto é algo que acontece em, praticamente, todas as áreas. Precisamos de mostrar, desde cedo, que não existem essas diferenças e que as mulheres podem ingressar nesta área sem sofrerem de preconceitos e principalmente de assédio.

Na sua opinião que factores que dificultam a presença de mulheres na tecnologia?

As mulheres acabam por sentir mais pressão, primeiro para chegar a um lugar de destaque, pressão para manter esse lugar, depois toda a “pressão social” no que toca à relação família/trabalho.

É de facto importante haver mais mulheres em tecnologia?

Sinceramente, acho que sim. Aliás, o equilíbrio entre homens e mulheres acaba por trazer uma maior abundância de, eventuais, ideias e trará uma visão diferente. O diferente não significa melhor nem pior, mas significa que todos juntos conseguimos (obviamente) melhores resultados.

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