Equipas de sucesso: Um propósito que esteja para lá do racional

Mais do que perceber o que fazem as equipas de sucesso, a questão fundamental é perceber o que verdadeiramente compromete os profissionais a quererem estar sempre no máximo. Spoiler alert: não é o dinheiro.

 

Por Rui Lança, director Desportivo no Sport Lisboa e Benfica e docente universitário

 

As equipas de sucesso, como o sucesso noutras acções colectivas complexas, dependem de uma incessante competência. Bons profissionais são importantes, mas não é suficiente. Um bom líder, sendo muito importante, não é suficiente. Bons treinos, formações, comunicação, adaptabilidade, flexibilidade, tudo é importante, mas também não chegam. Até a sorte, sendo sempre útil, não é suficiente. Os resultados de excelência e as vitórias contínuas dependem que tudo isto funcione colectivamente, dia após dia, tarefa após tarefa, jogo após jogo, treino após treino, minuto após minuto, metro após metro…

Mentiria se dissesse, como qualquer outra pessoa, que sei qual a receita mágica para que as equipas funcionem constantemente na sua perfeição. O mais próximo que conseguimos será obter excelentes desempenhos por alguns momentos, em que o modo como esse desempenho é conseguido varia de equipa para equipa. E de líder para líder, contexto para contexto, se há ou não há oposição, etc.

Com a experiência, muita observação e predisposição para o outro, conseguimos perceber o que fazem estas equipas. Comportamentos diferenciadores, denominadores comuns, algumas acções fulcrais da liderança, recursos humanos que se destacam por isto ou por aquilo. Sabendo que aquilo que hoje pode dar certo, pode já não funcionar amanhã. E ainda estamos no ângulo e na esfera intra-equipa, nem chegámos à esfera do confronto com outras equipas, organizações, empresas, projectos. O que poderíamos chamar equipas que trabalham para acções com ou sem oposição.

Com o tempo, a questão deixou de ser tanto o que fazem estas equipas para compreender o “porquê” de os elementos individual e colectivamente quererem estar minuto a minuto, acção a acção, relação a relação, sempre no topo e o que isso acarreta do ponto de vista de abnegação pessoal, social e colectiva.

Qual é a verdadeira consequência que compromete os profissionais a querer estar sempre no máximo? Esta passou a ser a resposta para o “milhão”. Esqueçam o dinheiro. É importante, possibilita muita coisa, mas não é esse o gatilho. Será porventura, e porque todos gostam de dinheiro, momentaneamente. E para algumas pessoas, faz perdurar o compromisso mais tempo ou menos tempo. Mas se fosse “só” isso, não existiram surpresas.

Temos tido a sorte de cada vez mais ter acesso ao interior das equipas e das organizações, às desavenças, aos momentos de alegria e frustração, perceber o que dizem, como dizem, as suas emoções, ver as pessoas abraçadas, a festejar, a chorar. E aí, vemos o interior de um grupo de trabalho, podemos compreender um pouco melhor o “porquê” de aquelas pessoas darem tudo por tudo para que a sua equipa alcance o tal sucesso. Uns de forma mais vincada no individual, outros totalmente a pensar na equipa. Neste equilíbrio, encontramos as tais pessoas e equipas que, por uma razão forte querem mais vezes, mais tempo, de forma mais consistente e com mais talento colectivo, superar a adversidade.

Faz agora 11 anos que lancei o livro de como formar equipas de elevado desempenho. Focado muito no que faziam. Como se formavam. Para lá das pessoas que conheci durante a sua construção, estas partilharam conhecimentos e dicas excelentes. Hoje, mudaria algumas coisas, normal. O que reforçaria após as experiências, os erros, os acertos, quer no desporto de alta competição, quer no mundo organizacional? Destacaria três: Muito importante acertar na pessoa/perfil que se recruta. Ter um propósito que esteja para lá do racional. Ter a liderança certa.

Dos três pontos, o recrutamento e a importância do perfil, bem como a liderança, têm sido alvo de muitos estudos, trabalhos, teorias e narrativas. E por isso, o ponto que destacaria e a que devemos cada vez mais dar muita atenção, é o tal propósito que esteja para lá do que é racional. Sem ser doentio, claro. Mas o que faz as pessoas, quase sem conseguirem explicar 100% o porquê, se entregarem à tarefa, à missão, à equipa. Conseguimos saber o que fazem, mas e o “porquê”? Isso é mais difícil, até porque as próprias pessoas às vezes também não sabem, não conseguem exprimir e narrar.

Um forte e genuíno espírito colectivo. Uma forte cultura colectiva, suportada por uma forte cultura organizacional da empresa, clube, organização, por exemplo. Que as peças do puzzle que perfazem o conjunto sejam quer de muita qualidade, quer as correctas, porque às vezes têm muita qualidade aqui ou ali, mas não se ajustam às outras peças ou à cultura do grupo. Uma causa que seja “a causa” para os elementos e que lhes ocupe constantemente o foco. E uma liderança que saiba como potenciar e alinhar tudo isto e não coloque os seus desejos e valores à frente disto.

 

Este artigo foi publicado na edição de Fevereiro (nº. 146)  da Human Resources.

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