Entrevista a Filipa Garcia, Garcias: «As pessoas são a temática mais desafiante de uma organização»

É a “filha do patrão” e sabe que muitos têm tendência para ver só o “lado fácil” desta realidade, mas isso nunca incomodou Filipa Garcia. Assumiu a liderança do negócio de família mais cedo do que pensaria, com a responsabilidade de um legado baseado sobretudo no respeito pelas pessoas. É esse legado que quer manter, de olhos postos num futuro ambicioso, mais moderno e digital, mas sem descurar a vertente humana.

 

Por Ana Leonor Martins | Fotos Nuno Carrancho

 

Foi logo no seu segundo dia de trabalho que Arnaldo Garcia, pai e co-fundador da Garcias – empresa de distribuição de bebidas –, deixou Filipa sozinha numa sala para despedir um colaborador. Quando saiu de lá, explicou porquê: «Esta vai ser a tarefa mais difícil da tua vida profissional, por isso tens de a aprender desde cedo.» Foi com o seu pai que aprendeu, diz, as lições mais valiosas da sua vida, ainda que agora siga o seu próprio caminho, com outra maneira de fazer – até porque «todo o paradigma do trabalho, empregador e colaborador se modificou muito» –, mas com o mesmo foco: as pessoas. Não tem dúvidas de que são elas «a temática mais desafiante de uma organização», admite que conciliar as suas pretensões com as exigências do negócio nem sempre é fácil, mas faz questão de manter uma liderança próxima das suas pessoas, que diariamente “lutam pelo mesmo objectivo”: continuar a construir o futuro de todos.

 

Assumiu no ano passado a liderança da Garcias e a presidência do Conselho de Administração. Sempre “soube” que queria seguir o legado familiar?
De certa forma, sim. Ao longo do meu crescimento, o tema Garcias sempre esteve presente nos almoços e jantares de fim-de-semana, aniversários e Natais. Tenho muitas memórias de ver o meu pai e avô e a provar vinhos e espirituosos diferentes e a conversar sobre temas da empresa.

Por um lado, sempre senti o chamamento deste negócio familiar, muito pelo orgulho que sentia em ver o caminho percorrido pela minha família. Por outro, quando terminei o curso quis trabalhar fora de Portugal, para ganhar outras experiências e vivências, mas com a crise de 2009/2010 as oportunidades diminuíram muito e acabei por aceitar o desafio do meu pai e começar o meu percurso na Garcias.

 

Muitos poderão pensar que ser filha do fundador – Arnaldo Garcia – lhe “facilitou a vida” a chegar ao cargo que tem hoje, mas, no fundo, também lhe traz muita responsabilidade acrescida. Sente isso?
Sim, ser “filha do patrão” tem sempre dois lados, embora a maioria das pessoas pensem sempre no lado mais fácil. No entanto, a única pessoa a quem interessava o meu percurso era a mim própria e, por isso, sempre o percorri de cabeça levantada na busca incessante de saber fazer mais e melhor. Tenho a certeza que, hoje, as pessoas que trabalham comigo o fazem por saber que pertencem a uma empresa segura, ambiciosa e com muito futuro pela frente, um pouco à semelhança da minha imagem.

 

A Garcias comemorou em Outubro passado quatro décadas de existência. O que destaca deste percurso como principais marcos?
Destacaria o ano de 1991, quando mudámos de instalações para Alverca do Ribatejo devido à necessidade de aumentar espaço de armazenagem e que foi uma mudança crucial para o desenvolvimento do negócio; 1994 e 1997, quando abrimos os escritórios do Porto e Algarve, respectivamente; em 2007, o meu avô João Garcia faleceu e o meu pai assumiu a presidência da empresa, trazendo, naturalmente, as suas ideias e metodologias de trabalho; em 2010, acumulando com a minha entrada, mudámos para a actual sede e armazém principal, no Parque Logístico do Passil, em Alcochete, onde temos capacidade para armazenar mais de 20 mil paletes; e 2021, um marco também muito importante porque assinalou os nossos 40 anos e as várias mudanças que ultrapassámos.

 

Quais os principais desafios actualmente e como se estão a preparar para os enfrentar?
Os nossos principais desafios são comuns a muitas organizações, dentro e fora do nosso ramo, pois são temas transversais: a falta de recursos humanos, qualificados, os aumentos de preços dos produtos, combustíveis e matérias-primas, assim como um aumento da procura bem maior que a oferta, em todas as vertentes. Temos tentado fazer face a estes temas com políticas de atracção e retenção de talento melhoradas, procura de fornecedores mais diversificados por todo o mundo, e exploração de oportunidades de negócio mais ambiciosas.

 

O que definiu como prioridades de actuação quando assumiu funções?
Com o falecimento do meu pai, no dia 29 de Janeiro de 2021, a minha maior preocupação eram as pessoas que compunham a Garcias, na altura cerca de 350, por todo o País. No primeiro dia útil após este acontecimento, senti que tinha de chegar a eles da melhor forma possível, e fi-lo com a transmissão de uma mensagem de esperança e confiança no futuro.

Com o passar do tempo, fizemos várias restruturações estratégicas, típicas de uma mudança geracional, em vários sectores da empresa. Iniciámos um caminho de profissionalização da Garcias, com a introdução de vários cargos directivos intermédios e, dentro de cada departamento, estamos a adoptar melhores práticas de economia circular, sustentabilidade e busca das maiores eficiências organizacionais.

 

Quais os principais investimentos que estão a ser feitos actualmente?
Actualmente, estamos a terminar a construção do nosso quarto modelo de negócio, uma Garrafeira de Luxo, sobre a designação Garcias Wines & Spirits Boutique. Vamos abrir esta loja na Comporta, nos primeiros dias de Julho, e tem sido um desafio muito enriquecedor. Ao mesmo tempo, estamos a mudar de instalações em Évora, e ainda este ano prevemos iniciar a construção da nossa Base Logística Norte, a inaugurar em meados/ final de 2023.

 

E em termos das vossas mais de 350 pessoas, quais os principais desafios na sua gestão?
Sem dúvida que as pessoas são a temática mais desafiante de uma organização. No meu segundo dia de trabalho, em 2010, o meu pai deixou-me sozinha numa sala a dispensar um colaborador. Quando saí de lá ele disse-me: «Esta vai ser a tarefa mais difícil da tua vida profissional, por isso tens de a aprender desde cedo.»

Ao longo dos anos, a equipa tem crescido, de forma sustentada, à medida que desenvolvemos novos projectos e nos espalhamos geograficamente. Quem gere pessoas tem de gerir uma série de premissas agregadas como as suas expectativas, ambições ou humores, o que torna a tarefa muito imprevisível e, também por isso, estimulante. Gosto muito de pessoas e acredito que tenho muita intuição humana. Embora tenha só 35 anos, tenho tido experiências diversificadas, com as quais tenho aprendido muito.

 

Que tipo de perfis a Garcias integra, de forma genérica?
Agregamos vários tipos de posições, desde profissionais de logística, distribuição, vendas, compras, marketing, recursos humanos, sistemas de informação, atendimento ao público, entre outros, por isso temos todo o tipo de perfis, dos 18 aos 76 anos – a média de idade é 39 anos –, com a escolaridade obrigatória mínima e com mestrado, pessoas com necessidades especiais… Uma diversidade enorme. Outro dado interessante é que cerca de 25% dos nossos colaboradores são do sexo feminino, e este número tem crescido, principalmente nos cargos directivos.

 

Leia a entrevista na íntegra na edição de Junho (nº.138)  da Human Resources, nas bancas.

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