
Flash Talk com Jéssica Bronze, Timeless Experiences: «A gamificação está a mudar silenciosa e animadamente a forma como trabalhamos»
Inicialmente destinado ao turismo, os escape games ao ar livre em Lisboa depressa foram alargados às empresas. Coesão, criatividade e motivação com diversão à mistura são alguns dos benefícios para os colaboradores, garante Jéssica Bronze, co-fundadora e Game master da Timeless Experiences.
Por Tânia Reis
Ao tornar tarefas rotineiras mais dinâmicas, a gamificação transforma experiências monótonas em momentos mais estimulantes. Entre os impactos estão o aumento do envolvimento das equipas, melhoria na aprendizagem, reforço da motivação e maior retenção de talento. Mas também melhor desempenho, mais produtividade e maior satisfação no trabalho.
Em que áreas desenvolve a Timeless a sua actividade?
A ideia nasceu de uma vontade de “revolucionar” o turismo: transformar passeios turísticos, que às vezes podem ser um pouco monótonos, em experiências imersivas e cheias de acção. Criámos, então, os nossos escape games ao ar livre, em Lisboa, como uma forma divertida de conhecer a cidade. Não só para turistas, mas também para grupos de amigos, despedidas de solteiro e famílias.
Rapidamente percebemos que podíamos ir ainda mais longe e alargar os nossos jogos às empresas para ajudar as equipas a tornarem-se mais coesas, criativas e motivadas, tudo enquanto se divertem. Os jogos são sempre uma mistura de raciocínio, mistério e diversão, e o melhor é que estão espalhados por toda a cidade: praças, ruelas, monumentos… Lisboa é o nosso tabuleiro de jogo.
Além dos nossos jogos ao ar livre, lançámos recentemente um game show – agora, dentro de portas. Inspirado no famoso concurso “Family Feud”, é o jogo perfeito para eventos de grupo. Com uma boa dose de competição saudável e muita diversão, é uma boa maneira de criar memórias e fortalecer relações.
De que forma está a gamificação a revolucionar o mundo do trabalho?
A gamificação, ou seja, a aplicação de dinâmicas de jogo – como desafios, recompensas, rankings e feedback — em contextos empresariais, com o objectivo de melhorar o desempenho, o envolvimento e a aprendizagem dos colaboradores, está a mudar silenciosa e animadamente a forma como trabalhamos. O impacto faz-se sentir em várias frentes das organizações: aumenta o envolvimento das equipas, melhora a aprendizagem, reforça a motivação e contribui para a retenção de talento.
Ao tornar tarefas rotineiras mais dinâmicas, a gamificação transforma experiências monótonas em momentos mais estimulantes. A bem dizer, em vez de simplesmente “cumprir” tarefas, os colaboradores sentem-se verdadeiramente envolvidos, e isso traduz-se em melhor desempenho, mais produtividade e maior satisfação no trabalho. Em termos práticos, uma equipa comercial que precisa atingir metas pode beneficiar de, por exemplo, um sistema de desafios semanais com feedback e prémios simbólicos, e o processo de onboarding pode passar de desafiante a desafio. Como? Ao modificá-lo de um processo para um jogo, integrando os novos colaboradores com perguntas interactivas e recompensas simbólicas à medida que vão conhecendo a empresa, os colegas e a cultura empresarial.
Esta revolução pode não ser barulhenta, mas é profunda, e cada vez mais empresas estão a perceber o seu verdadeiro valor.
Que principais skills desenvolve?
Depende muito do jogo e dos objectivos de cada empresa quando neles participam. Mas, entre as principais skills, destacam-se o trabalho em equipa, já que muitas dinâmicas gamificadas exigem colaboração e comunicação constante entre colegas; a resolução de problemas e o pensamento crítico, estimulados através de desafios, enigmas ou simulações; e a tomada de decisão, que é treinada ao lidar com escolhas e consequências dentro de ambientes interactivos.
Mais do que transmitir conteúdos, a gamificação prepara os colaboradores para enfrentar desafios reais, de forma mais confiante e colaborativa. As empresas podem aplicar este conceito através de plataformas de e-learning gamificadas, em que a progressão corresponde a níveis e conquistas, tornando a aprendizagem num processo contínuo e cativante. Há aqui, também, a possibilidade de elevar os sistemas de feedback, com sistemas onde os colaboradores indicam o seu feedback de uma forma menos convencional e lúdica como emojis ou pontos.
Assim, a gamificação ajuda a desenvolver competências como a gestão do tempo e de prioridades, através de tarefas com prazos e objectivos definidos, e reforça a motivação intrínseca, ao basear-se em lógicas de progressão, reconhecimento e conquista. Também promove a capacidade de adaptação à mudança, ao introduzir variáveis e imprevistos típicos dos jogos, e incentiva a liderança e a proactividade, ao proporcionar espaços onde os participantes assumem papéis activos, tomam decisões e conduzem o grupo rumo aos objectivos.
Que feedback têm obtido das empresas?
O feedback tem sido muito positivo. Muitas empresas começam por experimentar “O Coleccionador” – provavelmente o nosso jogo mais procurado -, uma aventura dinâmica ao ar livre onde a cidade é o tabuleiro e a equipa tem como missão recuperar um exemplar único d’”Os Lusíadas”. No entanto, temos também uma grande procura por actividades personalizadas, pensadas de raiz para responder aos objectivos, perfil e contexto de cada grupo. Os motivos são vários, mas o que nos dizem mais vezes é que os trabalhadores se sentem mais unidos depois de participarem nas actividades.
E não só – a participação em actividades de team building, na mesma medida que a gamificação, tem-se mostrado um aliado do desenvolvimento organizacional. Trocado por miúdos, estas actividades e estratégias vão além da diversão, trabalhando competências interpessoais – as ditas soft skills – num ambiente de baixo risco e alta colaboração. Isto prepara as equipas para lidar com desafios reais do dia-a-dia com mais criatividade e coesão.
Quais os “tipos” de gamificação que elas mais escolhem?
O team building é, sem dúvida, o formato mais procurado. E não é por acaso: este tipo de gamificação permite trabalhar competências essenciais – como comunicação, colaboração e pensamento criativo – num ambiente informal, fora do contexto de trabalho, onde a diversão e a espontaneidade abrem espaço para relações mais genuínas e eficazes.
Mas não é o único. Temos também muita procura por formações gamificadas, onde integramos conteúdos mais técnicos ou específicos das empresas dentro de dinâmicas de jogo, tornando a aprendizagem mais envolvente e memorável. Outro formato em crescimento são as experiências temáticas para eventos corporativos, como jogos desenhados para congressos, convenções ou acções de employer branding, que tornam esses momentos mais interactivos e marcantes.
São apreciados transversalmente por todos os colaboradores ou há diferenças geracionais?
Não notamos grandes diferenças geracionais na aceitação, mas é possível que os participantes mais jovens, habituados a um ambiente digital, tenham um maior apreço por actividades que envolvam tecnologias ou plataformas digitais. No entanto, a gamificação, especialmente no contexto de team building, tem sido bem recebida por todas as gerações, independentemente da faixa etária. Em boa verdade, acreditamos que é sempre proveitosa, quando aplicada da forma correcta ao público certo: as técnicas usadas podem variar caso se trate de níveis mais juniores ou seniores, dependendo do sector e até da meta final.
Como implementar a gamificação numa empresa de forma eficaz?
O primeiro passo é garantir que os objectivos da gamificação estão alinhados com os valores e as metas da empresa, mas também com as preferências dos participantes. Afinal, nem todos somos outdoorsy, ou, em português, pessoas que gostam de andar ao ar livre; e também há, na mesma medida, quem não goste de ficar muito tempo entre quatro paredes. A acrescentar, é fundamental que o jogo ou actividade esteja estruturado de forma a permitir que todos os participantes se envolvam de maneira activa e significativa. É importante também garantir que a gamificação seja inclusiva e acessível a todos, independentemente das suas competências.
Mas além dos tradicionais team buildings, existem outras abordagens que podem ser aplicadas, como desafios de produtividade ou jogos de treino de habilidades específicas, embora muitas empresas ainda não os implementem. A gamificação tem ganhado cada vez mais protagonismo no mercado de trabalho – a título de exemplo, a Mastercard lançou recentemente um projecto na América Latina que utiliza esta tendência para potenciar a ‘saúde financeira’ dos seus clientes; o ISCAL pretende apostar nesta vertente através de um simulador que usa a gamificação para motivar e dar ferramentas aos seus alunos; e nem o universo fitness se escapa, com a gamificação a dar toda uma nova vida às aulas de grupo, vejam-se startups como a BHOUT.
Que tendências prevê para o futuro nesta área?
Uma tendência interessante é o retorno ao físico – a gamificação no mundo real, as experiências mais tangíveis. Estamos constantemente ligados a dispositivos e plataformas digitais e, do que vemos, muitas empresas têm procurado integrar a gamificação offline, onde os colaboradores participam em actividades presenciais e interactivas ao ar livre. Como referido acima, esta área é transversal a muitas outras, e se tivermos em conta o apoio da tecnologia e da Inteligência Artificial, tem o potencial para revolucionar não apenas o mundo corporativo como o ensino, o desporto e, quem sabe, o nosso quotidiano.