Gerir mudança através das pessoas ou gerir pessoas através da mudança?

As pessoas resistem naturalmente a mudanças que não entendem e em que não vêem benefícios para elas. Mas a mudança é, não só fundamental, como inevitável. Assim, como podemos promover a mudança? Não há receitas mágicas.

 

Por Isabel Moço, coordenadora e professora da Universidade Europeia, e Pedro Valido, strategist na 4theChange

 

O inquérito da Gartner aos líderes de Recursos Humanos sobre as suas prioridades para 2022, regista-se que a primeira é a velocidade de aquisição de novas skills e competências, e a segunda o design organizacional e gestão da mudança. Ponto positivo de alinhamento é que estas prioridades estão em harmonia com as prioridades de negócio – por ordem de importância, o aumento de eficiência operacional (66%) e a execução de transformações de negócio (esta segunda foi a que mais aumentou, para 65%).

Em Recursos Humanos (RH), tal como noutras áreas, quer falemos de iniciativas de mudança, transformação, reorganização, modelos operativos, de processos, de cultura, de tecnologias ou simplesmente “programas de…”, todos têm algo em comum: um alto grau de insucesso (mais de 50%). Ao referirmo-nos a insucesso, falamos de não atingirem os objectivos definidos no princípio (quando são claramente definidos). A razão principal? As pessoas resistem naturalmente a mudanças que não entendem e em que não vêem benefícios para elas.

Como podemos ajudar na mudança? Comecemos pelo mindset, imprescindível, de Gestão de Pessoas. Não devemos ser – e pensar – como gestores de programas ou projectos (ainda que sejamos levados a fazê-lo, e se possível com urgência!), mas ser e pensar como agentes ou enablers de mudança. Em termos práticos, a grande diferença é o profissional de RH necessitar de mais conhecimento da prática de gestão e liderança do factor humano na mudança nas organizações. Por exemplo, a prática diz-nos que nem todos transitam para o estado futuro de imediato ou em “bloco” e, sendo assim, qual o plano para lidar/enfrentar a resistência à mudança, que inevitavelmente vai surgir?

Claro que não existem projectos sem pessoas, nem existem mudanças organizacionais que não devam ser estruturadas como projectos, por isso as duas não podem ser separadas. A gestão da mudança permite que as duas coexistam e contribuam para o sucesso da mesma. Esse é o papel do agente de mudança.

Antes e durante as fases de projecto, em que consideramos algumas fases cruciais, como a iniciação, aquisição, execução, implementação, fecho e run, algumas das melhores práticas em termos de resultados, mesmo ao nível da monitorização e envolvimento das pessoas, desenvolvem trabalho profundo e sério em temas como:

Planear e gerir comunicações;
Espírito de equipa e dinâmicas de reforço;
Encorajar processo participativo (ou co-criação);
Gerir conflitos, motivação, tensão e comportamentos;
Encorajar a criatividade e inovação;
Gestão de engagement dos stakeholders.

 

Existem inúmeros frameworks de gestão da mudança. O objectivo deste artigo não é enumerá-los, deixando apenas a sugestão de não perder tempo a procurar minimizar “o melhor”, ou aquele que acha resolver todos os seus desafios. Pela nossa experiência, tal não existe, são referências de boas práticas, testadas e até validadas, mas que necessitam de sentido crítico e contexto. Muitas vezes utilizamos partes de frameworks, mas o que conta é o contexto e objectivo e, acima de tudo, a adaptabilidade aos recursos, objectivos e mudança que se procura – para não referir o sponsorship da gestão, condição à partida para a viabilização, ou não, de cada acção.

Como agente de mudança, os seus factores críticos de sucesso vão ser o seu mindset, fonte de resiliência e motor para aumentar a capacidade de criar redes de agentes de mudança na organização (e às vezes fora dela). Para ser efectivamente um agente de mudança, ou, se preferir, um gestor de mudança(s), uma competência crítica que precisa permanentemente de ter e desenvolver é conseguir influenciar sem autoridade, seguindo o mindset que todos são possíveis aliados na mudança (recomendamos a leitura do livro “Influencing without authority”, de A. Cohen e D. Bradford). Se tiver esse mindset e conseguir aliar parceiros fortes e com conhecimento de frameworks e práticas de gestão da mudança, terá mais hipóteses de minimizar os insucessos. Falaremos sobre isto mais tarde.

 

Por onde começar?
O business case
A resposta é simples, mas complexa: pelo business case. Ainda que muitas vezes tenhamos de o construir, os elementos e informação relevante devem ser obtidos através da:

  • Análise do problema (data, workshops, cruzamento de dados e dependências);
  • Engagement com stakeholders (sponsors executivos e algumas pessoas/grupos que serão alvo da mudança);
  • Montagem do business case;
  • Assessments (prontidão para a mudança, impacto da mudança…).

Ambos docentes no “Programa Avançado de Change Management”, um dos princípios que advogamos e praticamos com as turmas é a estratégia de business case, com casos reais extraídos da realidade dos alunos, para mapeamento dos benefícios visíveis resultantes da análise e pensamento crítico:

Se Estado Actual + Business Case = Estado Futuro, então Estado Actual + Mudança = Benefícios e ganhos

Em termos gerais, a visão, missão, objectivos (estratégicos, da mudança, entregáveis e métricas de sucesso) da mudança são a estratégica organizacional que a mudança deve entregar.

 

Defina e prepare o(s) sponsor(s)
Como agente de mudança, uma parte do nosso papel é “reunir forças e apoio”. Toda e qualquer mudança necessita de sponsors com credibilidade e poder para impulsionar, monitorizar e intervir quando necessário (ou a nosso pedido). Estes têm de entender bem o seu papel e ter disponibilidade para trabalhar no projecto em momentos chave:

  • Envolvendo-os e discutindo visões, objectivos, expectativas e impactos do projecto (workshop, conversas individuais, etc.);
  • Esclarecendo as áreas envolvidas e as mudanças efectivas pretendidas (business case);
  • Pedindo “formal e assertivamente” o seu apoio (comunicações sobre estado do projecto, presença e abertura de kick offs, falando sobre o tema em reuniões operacionais, desbloqueando situações de resistência, etc.). De igual forma, outras pessoas que devem ser envolvidas como sponsors ou agentes de mudança (para criar a sua “rede de influência”), deverão ser chamadas a participar.

 

Defina a lista de entregáveis
Eis alguns exemplos que poderão ajudar o agente de mudança (lista não exaustiva) nas várias fases da mesma:

  • Assessment de prontidão da organização para a mudança (exemplo: cultura e seu impacto na mudança);
  • Lista de stakeholders (sponsors, agentes, focus groups, gestores de projectos, etc.);
  • Plano de comunicação claro para todos;
  • Acções de “marketing”;
  • Lista de processos a mudar/criar para sustentar a mudança;
  • Avaliação das necessidades de aprendizagem (learning needs analysis);
  • Plano de aprendizagem (learning plan);
  • Análise de partes interessadas e planos de compromisso;
  • Plano de comunicação detalhado;
  • Avaliação de prontidão para implementação;
  • Registo de discrepâncias;
  • Plano de resistência à mudança;
  • Plano de aprendizagem contínua;
  • Avaliações das partes interessadas;
  • Realização de benefícios (assesment de impacto);
  • Questionários dos stakeholders;
  • Medição contínua do engagement dos grupos-alvo.

 

Defina a composição e responsabilidades da equipa de projecto
Depois de obter o mandato e apoio dos sponsors executivos, chega o momento de formar a equipa de projecto. A equipa será formada em função dos entregáveis e competências inerentes, mas também em função do seu mindset. Alguns exemplos de competências, para reflexão face ao seu caso e à mudança pretendida:

  • Problem solving mindset;
  • Resiliência;
  • Capacidade de comunicação;
  • Espírito de colaboração e partilha;
  • Growth mindset e adaptabilidade à mudança;
  • Agile mindset (crucial, porque uma mudança sofre variadas alterações durante a execução).

 

Finalmente, como começar se não tiver as competências necessárias dentro da sua organização? Podemos, numa visão muito abrangente e generalista, indicar desde já dois dos principais caminhos possíveis:

  • Aquisição de competências: Como acima referimos, poderá fazê-lo realizando um programa de formação de executivos especializado para esse efeito, por exemplo numa universidade, mas saiba que também existem empresas que formam change managers/agentes de mudança.
  • “Aquisição” de experiência: contratar uma empresa consultora com as competências necessárias, mas que se preocupe em transferir conhecimento para poder envolver e desenvolver a sua equipa, para melhor rentabilizar o investimento.

 

Acreditamos, pela experiência já de muitos anos, que a mudança, grande ou pequena, e seja qual for o seu scope, não se fará só de vontade e projectos em powerpoint – a importância de acautelar e acomodar bem os projectos de mudança, sobretudo quando temos responsabilidades de gestão de pessoas, é tão grande, que só por si essa questão mal atendida poderá fazer cair o melhor dos projectos. Capacite-se, capacite e envolva.

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