Humanos & Robôs: Quais os desafios de um local de trabalho híbrido?

Graças à inteligência artificial, estamos a construir uma sociedade híbrida em que temos humanos e robôs a trabalhar lado a lado e, como não poderia deixar de ser, os desafios para as organizações são imensos. E para os profissionais de Recursos Humanos também.

 

Por Silviana Freitas, Responsável dos Recursos Humanos do Grupo Impacting

 

O que proponho é uma reflexão sobre os desafios específicos dos profissionais de Recursos Humanos (ou deverei dizer dos profissionais de Recursos Humanos e Robôs?).

Hoje, a inteligência artificial, sob as suas diversas formas, já substitui os profissionais de Recursos Humanos em boa parte do processo de recrutamento e selecção, designadamente na prospecção de candidatos, na triagem de currículos e até na realização de entrevistas de selecção.

Outro exemplo de uma tendência já instalada graças à inteligência artificial e à automação é a utilização de chatbots na Gestão de Pessoas, que respondem facilmente a grande parte das questões colocadas às equipas de Recursos Humanos, e que dizem respeito a salários, férias, entre outros. Estes robôs estão disponíveis 24 horas por dia e, por isso, diminuem os custos da empresa e permitem identificar e quantificar as situações que exigem maior clarificação, contribuindo para a resolução dos problemas mais identificados.

A aceleração sem precedentes das tecnologias já disponíveis proporciona(rá) aos profissionais desta área mais tempo para assumirem um papel cada vez mais estratégico e menos operacional dentro das organizações, ao mesmo tempo que permitirá que se preparem melhor para os desafios de um local de trabalho híbrido. Eis alguns desses desafios:

 

Desafio 1: Comunicação interna
A capacidade de comunicar as mudanças advindas com a tecnologia será um desafio para as organizações e respectivos líderes. Os Recursos Humanos terão aqui o papel de garantir que este processo decorra da melhor forma, idealmente através da participação de equipas multidisciplinares – pessoas da área de Operações, Tecnologia, Investigação e Desenvolvimento, Recursos Humanos e outras relevantes –, que implementem e integrem as tecnologias novas de forma eficaz.  Ao longo deste processo, é necessário assegurar que é transmitido às pessoas porque é importante a introdução da tecnologia e da inovação, mitigando os receios – sendo o maior de todos a perda do emprego –, e envolvendo-as em todas as fases de implementação. Deste modo, poderão compreender os benefícios da mudança e, ao mesmo tempo, entender como é que cada uma delas poderá contribuir para o sucesso da empresa e para o seu próprio sucesso. A motivação dos colaboradores será certamente influenciada pelo modo como a comunicação for gerida ao longo de todo o processo de mudança.

 

Desafio 2: Formação e desenvolvimento
No que concerne à formação, a estratégia de Recursos Humanos tenderá a destacar o desenvolvimento das chamadas “competências de fusão” nos colaboradores, competências direccionadas para a utilização de sistemas e interfaces digitais de inteligência artificial. Neste âmbito, a adaptação não será fácil, mas sim gradual, e vai além da responsabilidade das empresas e das equipas de Recursos Humanos, requerendo intervenção do Estado para se conseguir alcançar o objectivo de desenvolver novos conhecimentos e competências ajustados à nova realidade do mercado de trabalho.

Na realidade, e como escreveu Alvin Toffler – escritor e futurista americano –, mais do que aprender, teremos de aprender a desaprender e a reaprender. E será que a inteligência artificial pode ajudar os humanos neste desenvolvimento? Claramente que sim. E estes terão de sentir-se cada vez mais confortáveis com o facto de receberem feedback de desempenho, coaching e até avaliações através de meios baseados em inteligência artificial.

 

Desafio 3: Gestão de carreira
Este desafio está relacionado com o anterior, uma vez que a formação e desenvolvimento de novas competências por parte dos colaboradores cria oportunidades para que estes reinventem a carreira e se especializem nas tarefas onde os seres humanos são mais competitivos do que os robôs, como é o caso da criatividade e da adaptabilidade.

Segundo um estudo recente da McKinsey, prevê-se que entre 75 a 375 milhões de pessoas terão de mudar de funções e adquirir novas competências até 2030, pelo que o trabalho dos profissionais de Recursos Humanos passará assim por contribuir para a gestão de carreira das pessoas nas organizações.

 

Desafio 4: Liderança
Os desafios relacionados com a liderança assentarão, por um lado, numa nova tipologia de liderança, que necessariamente terá de aliar as competências humanas – que continuam necessárias – a um mindset fortemente tecnológico e de inovação constante. Por outro, poderão surgir novas posições de liderança como os chief robotic officers (CRO), para apoiarem a coordenação e a performance das máquinas, e os profissionais responsáveis pelas questões de ética tecnológica.

Além disso, certamente surgirão novos desafios a coordenar e liderar equipas híbridas, desde logo ter de o fazer à distância, como já acontece – a E-Liderança. E será mais difícil ou mais fácil a gestão de conflitos no trabalho em equipas híbridas?

 

Desafio 5: Criar conexões significativas
Os avanços tecnológicos conhecidos – como chatbots, robôs, redes sociais – e aqueles por descobrir, por mais aliciantes que sejam, conseguirão substituir a necessidade de conexão humana – como no filme “Her”? Assumindo que não, pelo menos no futuro mais próximo, os profissionais de Recursos Humanos terão de estar atentos à necessidade de conexão significativa com o outro e não tão superficial.

Para um humano que esteja numa equipa maioritariamente constituída por robôs pode ser fundamental que o gestor de Pessoas encontre formas alternativas de proporcionar oportunidades para o estabelecimento de conexões pessoais significativas como visitar os escritórios da empresa (caso trabalhem em casa), almoços regulares com colegas de trabalho, actividades de team building, entre outros.

Neste mundo digital, o toque humano tenderá a ser mais valorizado que nunca. Identificados alguns dos muitos desafios, o pressuposto subjacente é que, tanto os humanos como os sistemas e interfaces baseados em inteligência artificial têm limitações, e o principal desafio para os profissionais de Recursos Humanos será aliar ambas as partes. Por outras palavras, terão de intervir de modo a que cada uma preencha as lacunas da outra.

Não obstante os benefícios advindos com a tecnologia, as pessoas continuarão a ser o fio condutor e impulsionador da criatividade, do pensamento inovador e da inteligência emocional. Por conseguinte, manterão um papel importante nas organizações, mas terão de ser cada vez mais adaptáveis à mudança, imposta pela tecnologia e pelos próprios clientes/consumidores. Terão de desenvolver mais competências digitais, sem desinvestir no que é mais humano: a capacidade de criar.

Neste enquadramento, poderemos equacionar que o conceito de quociente de inteligência emocional (QE), que evoluiu do quociente de inteligência (QI), poderá agora evoluir para um quociente de inteligência colaborativa (QC), ou seja, a capacidade de humanos e máquinas trabalharem juntos será um factor diferenciador de sucesso.

A resposta a estes desafios estará certamente relacionada com o modo como seremos – (ou não) capazes de criar e manter uma relação de confiança entre pessoas e máquinas dentro das organizações.

 

Este artigo foi publicado na edição de Outubro da Human Resources.

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