Humanpersi: O que posso fazer por mim com o meu talento?

Não perguntem o que a empresa pode fazer com o vosso talento. Perguntem antes o que podem fazer com ele, em benefício vosso e da vossa empresa! Kennedy não disse isto, mas podia ter dito.

 

Por Artur Nunes, managing partner da Humanpersi

 

O que acontece quando temos talento? Ou quando temos um tipo de talento que não serve de nada para o nosso trabalho? Antes de tudo, vamos clarificar o que é isso de talento, e como o podemos identificar e gerir. Ter talento não é mais do que fazer com facilidade coisas muito bem feitas, quando conseguimos conjugar as nossas competências “naturais” com uma forte auto-motivação.

Um desafio da gestão de talento é pronunciar o nome de um dos autores mais interessantes da Psicologia positiva, Mihali Csikszentmihalyi (tentem dizer “me-high chick-sent-me-high” e talvez saia algo parecido…), que desenvolveu o conceito de flow – algo que todos já sentimos nalgum momento – e que consiste num estado de completa absorção numa actividade que nos dá tanta satisfação intrínseca que parece que mais nada tem importância.

Perdemos a noção do tempo, esquecemo-nos de comer a horas… até acabar o que estamos a fazer. E não o fazemos por dinheiro, é mesmo pelo orgulho e satisfação que temos no resultado que estamos a produzir. Se isso depois der dinheiro… melhor! Mas não é esse o ponto. É mesmo o “gozo intrínseco” e o reconhecimento que as outras pessoas que vêm o resultado do nosso trabalho acabam por nos dar, de forma explícita ou implícita.

O conceito de flow é muito interessante. Chama a atenção para algo que todos podemos intuir, mas que está hoje em dia muito bem estudado: só uma conjugação o mais perfeita possível entre as nossas capacidades e competências, a nossa motivação intrínseca e o tipo de actividade em que estamos envolvidos permite que a nossa performance e motivação sejam maximizados.

O desafio está, enquanto especialistas em desenvolvimento de recursos humanos, em sermos capazes de desenvolver métodos ou técnicas que ajudem a descobrir quais as nossas competências, motivações e tipos de actividades que, colocados em conjunto, produzem aquilo que podemos designar como sucesso, para nós e para as nossas organizações.

Mas quando pensamos no conceito de “talento”, temos necessariamente que fazer a pergunta: talento para quê?

O facto de uma das componentes mais fortes do nosso talento serem as nossas “forças naturais”, que de alguma forma nasceram connosco, e que desejavelmente podemos ter a felicidade de conseguir utilizar no dia a dia no nosso trabalho, coloca o foco na nossa capacidade de descobrir que forças são essas.

Mas então não são os especialistas de recursos humanos que, com os seus métodos e técnicas mais sofisticados, recorrendo à mais moderna tecnologia, vão descobrir as nossas forças? (e, já agora, as áreas menos fortes?).

Não é através da Gallup, por exemplo, com a ferramenta de profiling de talentos “StrengsFinder”, ou uma ferramenta de feedback 360 graus, ou um simulador de competências de gestão como o utilizado num Management Appraisal desenhado pela Humanpersi, por exemplo, que se descobrem os nossos talentos escondidos e dos quais não temos a mínima consciência?

Antes de responder a estas questões, deixem-me voltar à frase que Kennedy não disse. Na realidade, quem descobre tudo acerca de nós somos nós mesmos. Nem mais nem menos. Quem faz coisas com o nosso talento somos nós. É isso mesmo.

E quem beneficia com o nosso talento? Somos nós próprios, directamente, porque nos sentimos mais felizes e realizados; e a nossa empresa, indirectamente, porque alcança resultados desejados, bem como todos os seus principais stakeholders – clientes, accionistas, colaboradores (da nossa equipa e das outras equipas) e a sociedade em geral. É win-win-win.

Por essa razão, os métodos e técnicas mais sofisticados que hoje em dia podemos utilizar para descobrir talento e mapear “forças” e “áreas de desafio” (que são “fraquezas”, mas dito desta forma é de digestão mais fácil), são acima de tudo ferramentas de auto-conhecimento, que aprofundam a nossa própria capacidade de gerir o nosso talento – começando por descobrí-lo e por procurar, na nossa organização ou noutra que o proporcione, as actividades onde esse talento pode ser aplicado e gerar valor.

Querem um exemplo? Falar ao telefone com clientes pouco satisfeitos e perguntar-lhes se eles estão satisfeitos. Aguentar o embate inicial, e em poucos segundos cativá-los pela simpatia e levá-los a falar do que lhes vai na alma. Bom ou mau.

Eu consigo fazer isso? Nem pensar. Mas conheço quem consiga. É a Maria Fernanda. Ela adora falar ao telefone, passa o dia ao telefone, adora conversar com pessoas, adora compreender as suas dificuldades, é naturalmente sim- pática ao telefone, e por isso “dá-lhes a volta” em três tempos. E lá consegue o precioso feedback sem o qual fica difícil saber o que pode ser melhorado. E os clientes agradecem, quando nem queriam falar.

Quem ganha com isso? Em primeiro lugar, a Maria Fernanda, que faz o trabalho. Aplica talentos que lhe são naturais, faz o que seria muito difícil para outras pessoas fazer de forma natural e sem um sofrimento que comprometeria a performance.

Em segundo lugar ganha a empresa, que consegue recolher feedback dos seus clientes, e com isso melhorar o serviço. Os clientes também ganham. No fundo, todos ganham.

O ponto central da gestão de talento nos dias de hoje é o seguinte: é a cada um de nós que compete descobrir quais os nossos talentos, quais as áreas para as quais não temos talento e o que podemos fazer para encontrar as empresas ou organizações nas quais podemos aplicar esses talentos, bem como obter ajuda para desenvolver as nossas “áreas de desafio”.

E qual o papel da organização nisso? É ela que deve definir uma estratégia e as acções necessárias para atrair, reter e desenvolver os “talentos certos” para as actividades que necessita que sejam realizadas de forma competente e motivada. É também a organização que deve investir recursos na disponibilização de “produtos de talent development” aos seus colaboradores, perseguindo por essa via o duplo objectivo de promover o seu auto-desenvolvimento e concretizar a sua estratégia de talent manegement.

E qual o papel dos especialistas em gestão de recursos humanos? Eles devem ter os métodos e as técnicas, ou “produtos de talent development”, que ajudam tanto o próprio a mapear os seus talentos e as suas áreas de desafio, como a organização a descobrir se tem as pessoas certas para o tipo de actividade que deve ser levada a cabo, de acordo com a sua estratégia de talent management.

O novo paradigma da gestão de talento no século XXI é o Talent Development Self Service! Eu próprio utilizo aquilo que me permite conhecer melhor o meu talento (os tais “produtos de talent development”), as minhas áreas de desafio, e definir uma estratégia de auto-desenvolvimento, apoiada pela minha organização (desde que alinhada com os seus objectivos). Eu ganho com isso. Mas a minha organização também ganha.

Há quem diga que os Millennials são uma geração egoísta, voltada para os seus interesses, e que procura avidamente feedback e liberdade na forma como trabalha por objectivos (já agora, isto é apenas um estereótipo).

Pois eu digo: ainda bem. É este “choque de ideias” que é necessário para derrubar de vez a cultura paternalista, de acordo com a qual “eu, empresa, vou dizer-te qual é o teu potencial, e vou levar-te ao colo para subires esta íngreme escadaria de melhoria do teu desempenho”.

A empresa já não é nada disto. Uma das multinacionais de excelência a operar no nosso país já definiu o seu rumo estratégico global na gestão de pessoas. Chama-se “Ownership Culture”. Isso significa, entre muitas outras coisas, “Own Your Career”.

O responsável pelo meu desenvolvimento profissional sou eu próprio e mais ninguém. E o que faz a empresa para isso? Como Kennedy não diria melhor, é a empresa que ganha com aquilo que cada um dos seus colaboradores pode fazer por si mesmo!

Aprendi numa formação recente, sobre comunicação e empatia, que a confiança se gera quando conseguimos fazer aos outros aquilo que eles fariam a si mesmos.

A empatia da organização para com os seus colaboradores, ou a confiança recíproca que os millennials (e não só) tanto procuram, consiste em fazer com os colaboradores aquilo que eles devem fazer a si mesmos – procurar reforçar o seu auto-conhecimento, e com esse conhecimento traçar o seu próprio plano de desenvolvimento profissional.

As organizações, neste novo paradigma de gestão de talento, ficam mais preparadas para uma nova geração (não só os millennials, mas também as gerações que lhes sucedem…) que decidiu agarrar o ownership da sua “carreira” – ou seja, o conjunto de desafios e experiências profissionais nos quais decide aplicar o seu talento.

Em síntese, o novo paradigma da gestão de talento não é mais do que o paradigma da focalização do desenvolvimento em cada indivíduo como o protagonista principal da gestão do seu talento. Ganha o colaborador e ganha a empresa.

 

Este artigo foi publicado na edição de Maio da Human Resources.

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