Integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho português. Da consciencialização à acção!

No mês em que se comemora o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência (3 de Dezembro), importa olhar de perto para as soluções que a nossa lei tem oferecido para um dos problemas que há muito se inscreve nas agendas nacional e europeia: a integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Por Filipa Ribeiro Gonçalves, advogada na Dower Law Firm

 

Em Portugal, a legislação laboral prevê que o trabalhador ou candidato tem direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser prejudicado (ou discriminado) em razão de um conjunto de factores, como a capacidade de trabalho reduzida ou deficiência.

Os dados não escondem, porém, que, para as pessoas com deficiência, o leque de oportunidades profissionais continua a ser significativamente fechado. O que, sabemos, não deixa de se arreigar no (ainda patente) estigma de que a deficiência é sinónimo de “incapacidade para o trabalho”.

Incumbindo ao Estado o dever de estimular e apoiar a acção do empregador na contratação de trabalhador com deficiência, sucederam-se, nos últimos anos, alguns incentivos e medidas de apoio tendentes ao cumprimento deste mesmo desiderato.

Neste caminho, destaca-se o regime previsto na Lei n.º 4/2019, de 10 de Janeiro, que veio sujeitar uma parte do tecido empresarial português a um sistema de quotas (percentagem mínima) de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%. A deficiência abrange as áreas da paralisia cerebral, orgânica, motora, visual, auditiva e intelectual.

Do regime resulta que as médias empresas (com 75 trabalhadores ou mais e menos de 250 trabalhadores) devem admitir trabalhadores com deficiência em número não inferior a 1% do pessoal ao seu serviço, tendo também de o fazer as grandes empresas (com 250 trabalhadores ou mais) em número não inferior a 2% do pessoal ao seu serviço.

Apesar de o regime estar em vigor desde o dia 1 de Fevereiro de 2019, determinou-se que as empresas dispunham de um período de transição para aplicação e cumprimento do previsto no diploma. Daqui resulta que: i) as empresas que empreguem mais de 100 trabalhadores têm de ter preenchida a quota aplicável desde o passado dia 1 de Fevereiro de 2023; ii) sendo que as restantes (com um número de trabalhadores compreendido entre 75 e 100) terão de o fazer a 1 de Fevereiro de 2024.

Antecipando potenciais cenários em que o cumprimento do sistema de quotas se afigura, na prática, inexequível, o diploma estabelece duas excepções.

Por um lado, podem ser excepcionadas do sistema as entidades empregadoras que apresentem o competente pedido junto da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Para o efeito, exige-se que o pedido seja acompanhado de parecer fundamentado sobre a impossibilidade da efectiva aplicação do regime no posto de trabalho em causa, parecer esse que é emitido pelo INR, I. P., com a colaboração dos serviços do IEFP, I. P, disponibilizando aquela entidade, no seu portal, o formulário que deve ser utilizado.

Por outro lado, podem ainda ser excepcionadas do cumprimento do regime as entidades empregadoras que façam prova, junto da ACT, nomeadamente através de declaração emitida pelo IEFP, I.P., da não existência, em número suficiente, de candidatos com deficiência inscritos nos serviços de emprego que reúnam os requisitos necessários para preencher os postos de trabalho das ofertas de emprego apresentadas.

Pese embora se comine o incumprimento do sistema de quotas de emprego com a prática de contraordenação grave, parece, por agora, impor-se a conclusão de que não é ainda patente a feracidade que se pretendeu conferir ao regime. Neste período de transição entre a “consciencialização” e a “efectiva acção”, a percentagem de pessoas com deficiência efectivamente empregadas está ainda (significativamente) aquém do esperado.

Ler Mais