Job Crafting para cépticos
Uma nova buzzword no mundo do trabalho? É legítima a suspeita. Mas não é propriamente isso. O designado job crafting já tem mais de duas décadas, dos trabalhos de investigação de Amy Wrzesniewski e Jane E. Dutton, professores norte-americanos, no início deste século.
Por Carlos Sezões, Managing partner da Darefy – Leadership & Change Builders
Trata-se de um conceito que significa, basicamente, a capacitação de profissionais para redesenhar as suas funções e actividades, potenciando pontos fortes, interesses e sinergias organizacionais. Ao contrário do design tradicional de cargos e funções, top-down, herdado da revolução industrial, do taylorismo e do fordismo, o job crafting permite uma visão (e acção) crítica na forma como trabalhamos – com impacto no desempenho individual e, de forma correspondente, na performance da equipa e da organização.
Basicamente, o job crafting envolve os colaboradores em alterações nos seus “papéis” em três áreas principais:
- Task crafting: modificando o tipo, âmbito ou número de tarefas que executam.
- Relational crafting: alterando a natureza ou a extensão das suas interações com colegas, clientes ou parceiros externos.
- Cognitive crafting: modificando a forma como percecionam o seu trabalho, concentrando-se no seu impacto mais amplo ou propósito/ significado pessoal.
Esta abordagem não pressupõe mudanças drásticas nas funções profissionais, mas sim em fazer ajustes, ou alargamento do que é feito, com significado e um “racional” por trás, que permita aos colaboradores potenciarem todo o seu talento no trabalho.
Um exemplo, do mais prático e simples possível: um engenheiro, responsável por uma linha de produção industrial, que tem uma paixão inata pelo ensino, pode criar uma versão modificada do seu job role, que o satisfaça e proporcione valor acrescentado à sua empresa – por exemplo, iniciando um programa de treino e mentoring interno, envolvendo os seus colegas (reforço relacional) e sendo sponsor de uma nova tecnologia ou estratégia de automação. Com conhecimento e facilitação da sua liderança, claro.
As vantagens são óbvias. Para o colaborador, a nível individual, o aumento do engagement no trabalho, maior noção do significado do que faz e, tipicamente, um melhor desempenho. Ainda, em muitos casos, um maior envolvimento e colaboração com a estrutura, intra-equipa e inter-equipas. Para a organização, maior produtividade e, no final do dia, melhor retenção de colaboradores, dada a sensação de empowerment que proporciona.
Várias grandes empresas, a nível global, utilizam já o Job Crafting. A Google, caracterizada por uma cultura de trabalho orientada à inovação, há muito que incentiva os colaboradores a envolverem-se no redesign do seu job-role (são encorajados a passar 20% das suas horas de trabalho a trabalhar em projetos à sua escolha, não relacionados com as suas responsabilidades directas e regulares). Tal levou à criação de novos produtos de sucesso, como o Gmail. Na Spotify, a cultura de trabalho ágil proporciona autonomia para os colaboradores definirem as suas funções mais concretas. As equipas estão organizadas em squads e chapters, onde os colaboradores podem assumir diferentes funções e responsabilidades com base nos seus interesses e competências, resultando numa força de trabalho mais flexível e empenhada.
Em suma, o job crafting oferece uma forma de os colaboradores assumirem o controlo da sua “work experience”, gerando benefícios individuais e organizacionais. Para os mais cépticos, fica o desafio: invistam em projectos-piloto de job crefting de pequena escala e risco mitigado – organizando, para tal workshops de facilitação que façam o matching de missão – processos críticos – competências existentes; e, feita a implementação, avaliem, passado um ano, métricas como engagement, produtividade e inovação aplicada. Com cultura e lideranças apropriadas terão, previsivelmente, boas notícias.