Jovens em fuga… ou jovens em busca?
Nas nossas sociedades, temos fenómenos pontuais e conjunturais, de curta ou média duração, e tendências estruturais, que permanecem no tempo. Há que corrigir as frequentes “miopias estratégicas” de quem lidera e discernir umas das outras. Na questão tão falada da emigração das gerações mais jovens, tal discernimento é essencial.
Por Carlos Sezões, Managing partner da Darefy – Leadership & Change Builders
Estatísticas recentes, reveladas pela comunicação social, dizem-nos que cerca de um terço dos portugueses entre os 19 e os 35 anos reside hoje fora de Portugal. Serão aproximadamente 850 mil jovens. A intensidade desta saída tem variado ao longo do ano. Nos anos em que estivemos sujeitos ao programa de assistência financeira (a “troika”), tivemos cerca de 30 mil novos emigrantes por ano. Segundo consta, os números reduziram-se e a média andará hoje perto de 15 mil anuais. De notar que as características desta emigração se alteraram. Antes predominavam perfis menos qualificados enquanto hoje vemos sair talento vindo das mais reputadas universidades nacionais, em áreas como a gestão, as engenharias, as tecnologias ou os cuidados de saúde.
Primeiro, há que desfazer mitos urbanos ou percepções enviesadas. Neste mundo globalizado e de elevada mobilidade, as saídas e entradas de pessoas por motivações profissionais serão cada vez mais frequentes (nomeadamente, neste espaço cada vez mais integrado da União Europeia). Com mais-valias evidentes em termos de mundividência, novos conhecimentos e competências e maior capacitação financeira. Essas motivações profissionais transformam-se, frequentemente em projectos de vida, pessoais e/ ou familiares e, deste modo, portugueses ficam radicados indefinidamente na Alemanha ou no Reino Unido, franceses em Portugal ou italianos em Espanha. Isto é algo que, em 2024, se tornou estrutural – e não só na Europa como em todo o mundo.
O problema (aliás, grande problema) são os números e a referida composição: em termos relativos, a nossa emigração jovem é a maior da Europa e o talento que perdemos (pontual ou permanentemente) é um factor de travão ao nosso desenvolvimento económico e social. Sinceramente, por experiência empírica e tendo em conta as análises de motivações, não diria que os jovens “fogem” de Portugal, em função de qualquer crise económica ou graves carências sociais ou financeiras. Diria que, em particular os perfis mais qualificados, “buscam” algo mais que este País não lhes consegue ou quer dar.
Quando apontei, no primeiro parágrafo deste artigo, “quem lidera”, concretizo em lideranças políticas e empresarias. Ambas são responsáveis, as primeiras numa vertente “macro”, das políticas e estruturas do país, as segundas numa perspectiva “micro”, do governance e cultura das suas organizações.
Na vertente “macro”, teremos de agir sobre o quadro do mercado de trabalho e da fiscalidade. Precisamos de enquadramentos legais mais flexíveis, na gestão de contratações e despedimentos, que assegurem maior adaptação às preferências de trabalho das novas gerações – e assegurem valores de meritocracia, inovação e rejuvenescimento, ao invés de proteger apenas os que estão “instalados” e seguros, em várias classes profissionais, e menosprezar os que tentam entrar. Por outro lado, ter um quadro fiscal que vá além das receitas típicas – benefícios fiscais transitórios – e que assegure taxas de impostos sobre os rendimentos competitivas no contexto europeu e mesmo mundial. Na fiscalidade empresarial (que facilita grandes projectos) e na tão debatida política de habitação há um caminho enorme a percorrer.
Na questão “micro”, há que transformar os modelos e estilos de gestão das organizações portuguesas. Sublinhando que estamos melhor em algumas dimensões nestes anos pós-pandemia (flexibilidade informalidade, multiculturalidade e abertura ao mundo) precisamos de reforçar competências de liderança, planeamento e estratégia (nomeadamente dos gestores de PME) e construir culturas mais ágeis e colaborativas, que potenciem ambientes de trabalho mais saudáveis. Bem sei que tal não se faz por decreto mas há que construir, sequencialmente, auto-consciência, estratégia e accção, por parte de quem gere.
Em suma, para que os saldos migratórios sejam mais positivos (em quantidade e na qualidade do talento), precisamos de estratégias para tornar Portugal um óptimo país para viver e para trabalhar. Para que aquilo que os mais jovens buscam esteja aqui ao seu alcance, neste belo espaço à beira do Atlântico.