Líder informal – A “mão invisível” da liderança

No seu livro “Teoria dos sentimentos morais”, Adam Smith introduziu o conceito da “mão invisível”. Na sua opinião, a economia, desde que livre e sem intervenção de órgãos/ agentes externos, acaba sempre por se regular de forma automática, como se houvesse uma mão invisível por detrás de tudo. Poder-se-à dizer que os líderes informais são uma “mão invisível” da liderança?

 

Por Ricardo Caldeira, autor do livro “Liderança Emocional”

 

Regra geral, a palavra liderança está associada a quem vai à frente, quem está em primeiro, quem é melhor, quem sabe mais ou quem é a face mais visível de algo. Pois bem, também em regra, este pensamento está errado e é uma enorme falácia.

Líderes são aqueles que, não raras vezes, estão antes na retaguarda; são os últimos (a “abandonar o barco”), ajudam os outros a serem melhores (muitas vezes até mais do que eles próprios – e sem se importarem com isso), criam as condições para a sua evolução, para o seu maior conhecimento e desenvolvimento, e, na maioria das vezes, são a variável menos exposta da equação.

Quantas pessoas conhecemos e quantas vezes nos deparamos com aquilo a que se chama líderes informais? Líderes Informais são pessoas que, pela sua essência, carácter e personalidade, se “impõem” de forma natural perante os demais, sem que necessitem, para esse efeito, de qualquer cargo de liderança, e sem que hierarquicamente tenham algum estatuto ou posição de comando. Credibilidade e influência são, a este propósito, as palavras-chave, e que estão na base desta assumpção. Credibilidade e influência essas que resultam da mescla de requisitos tão díspares como autenticidade, confiabilidade, criatividade, ética, inovação, inteligência, orientação para resultados e solution-focused. Por outro lado, relacionamentos e conexões são a sua essência.

Estes são os indivíduos que dentro de uma organização valem a pena ser ouvidos, por causa da sua experiência e da reputação que granjeiam entre os colegas. São capazes de influenciar as decisões dos outros, ainda que não tenham, conforme referido, qualquer posição formal, nem qualquer poder sobre quem escolhe segui-los. A liderança informal é então, sobretudo, uma liderança de influência(s), e o líder informal consegue influenciar de maneiras diversas, como tal, é percebido também de diferentes formas.

É sempre alguém, dentro de uma organização ou unidade de trabalho, que, em virtude de como é percebido pelos demais, é visto como um exemplo, digno de ser seguido ou de se lhe ser prestada atenção. São pessoas a quem, muitas vezes instintivamente, procuramos para apoio e orientação quando em presença de dificuldades. Demonstram a sua liderança fazendo as coisas, conseguindo retirar o melhor dos colegas, desafiando-os a fazer mais.

Podem ser difíceis de encontrar e nem sempre são quem mais esperamos. Com muita frequência, nem sequer percebem que estão a fazer algo particularmente especial ou diferente, e é precisamente por isso que também precisam de ajuda – para estarem mais conscientes daquilo que fazem.

São líderes sombra, anónimos. Não ambicionam ou procuram qualquer palco ou as luzes da ribalta. São desinteressados e altruístas. Preocupam-se com o dar, não fazem tanta questão em receber. Muitos líderes informais não querem estar no centro das atenções, nem tão pouco se vêem como líderes. Mas são-no, e sem se aperceberem de que o são, ou se verem enquanto tal – são-no aos olhos dos outros.

 

Líder informal vs líder formal
A principal distinção entre um líder informal e um líder formal é, então, o facto de o informal não ocupar posições de poder ou autoridade (formal) sobre aqueles que optam por segui-lo. Outra característica importante é a de que um líder informal não tenta liderar de forma intencional. Simplesmente lidera – pela confiança, pelo carisma, pelo respeito que os outros lhe reconhecem, e que os leva a segui-lo. A formalidade advém de um cargo, posição, hierarquia ou estatuto, enquanto a informalidade é fruto do carácter, da empatia e da personalidade.

Quem nos é mais inspirador, o dono da empresa, que, embora rico e poderoso, não conhecemos e muitas vezes nunca “praticou”, ou o colega inteligente, respeitado, supercompetente e trabalhador? Ou ainda aquele colega menos talentoso, mas que dá 110% em prol da equipa, para compensar o seu menor talento?

Os verdadeiros líderes informais estão profundamente harmonizados com o que está a acontecer no seio da organização. Um dos elementos que dá aos líderes informais a capacidade de liderar (e inspirar) é a percepção da sua independência da estrutura formal de autoridade. São apelidados de líderes autênticos, maioritariamente por confluírem em si as seguintes características:

  • São muito bons na construção de relacionamentos;
  • Têm o dom e o poder da comunicação – são por norma os que falam mais, e sobretudo melhor;
  • Conhecem, entendendo-a profundamente, toda a organização e sabem como todas as coisas funcionam. Os líderes informais dominam e “espalham” a cultura da organização, a sua história e aquelas a que se convencionou chamar regras não ditas (instituídas, mas nem sempre institucionais). São aqueles que personificam, transportam e promovem toda a mística e cultura internas de uma qualquer organização. Tanto pode ser aquela pessoa que acolhe e integra os recém-chegados, como aquela que, com o seu trabalho, com os resultados que alcança, serve de mentor para a restante equipa.

 

Lembro-me bem de alguns líderes informais com quem tive o prazer de trabalhar, da ajuda que me deram em alturas muitas vezes tão difíceis – com os líderes formais a terem de dividir a sua atenção por todos os membros da equipa, sem poderem ou conseguirem particularizar nesta ou naquela pessoa uma atenção mais em particular. E com a sua grande maioria construiu-se, e ficou, muito boa relação profissional, mas também de amizade – relações que ainda hoje se mantêm (é uma das boas e congratulantes consequências, que decorre precisamente daquilo que define os líderes informais, a sua cativante personalidade e postura, a atenção e dedicação às causas e às pessoas de que se rodeiam, tudo de forma despretensiosa, tantas vezes invisível, muitas mais “inconsciente”).

  • São altruístas puros – predispõem-se a ajudar sem segundas intenções, e sem esperar qualquer retorno;
  • São os chamados “early adopters” – tendencialmente são os primeiros a saber sobre novas ferramentas e/ou tecnologias, e a incentivar a sua divulgação e utilização;
  • Envolvem-se profundamente nas coisas, fomentam o pensamento crítico, a inovação, a criatividade, a igualdade e a diversidade de géneros;
  • Humildade e sentido de justiça são mais duas das suas características basilares;
  • São de uma colaboração extrema, ultraprestáveis e donos de um, por norma, acutilante sentido de humor. A informalidade, como em tudo na vida, liberta as pessoas, desinibe-as, levando-as a serem mais descomplexadas e mais descontraídas (a praia para o florescimento de um maior divertimento, à-vontade e espírito humorístico que por sua vez são icebreakers e dinamizam os relacionamentos);
  • Confiam e são confiáveis. Intuitivos, amiúde. Consistentes e muito competentes nas suas tarefas e objectivos;
  • Estes líderes são também mais emocionais (possuem elevadas capacidades de percepção emocional) – são assim mais propensos a tornarem-se “blackswan leaders”.
  • São empáticos. Muito. São extremamente cativantes na sua forma de ser, estar e de comunicar;
  • Lideram pelo carácter e confiança, e não pelo poder.

 

O principal problema que se pode identificar aos líderes informais é que alguns podem tornar-se ineficazes se ou quando recebem autoridade formal. Tal acontece porque a autoridade formal pode alterar os seus relacionamentos com os interlocutores. Se os líderes formais tentam manipular os líderes informais, o risco é o de que estes se insurjam ou “fiquem contra” o líder formal.

Tamanha influência e decisividade pode sempre funcionar num duplo sentido, ou seja, se e quando os líderes informais não aceitarem a estrutura de poder existente, ou os seus objectivos, eles podem efectivamente trabalhar para subvertê-los – Smart apelidou-os de “activo oculto”, precisamente por causa desta responsabilidade distinta, este contrapeso, uma vez que a sua influência pode ser usada para minar o status quo vigente –, e, por outro lado, o seu poder vai ao ponto de também conseguirem irradiar alguns comportamentos críticos de baixo para cima. São então, ou podem ser, o vector de conexão ou desconexão entre os líderes formais e as equipas.

Quantos de nós não tiveram, ou ainda têm, destes líderes? Aquela figura tantas vezes paternalista, o ancião, o “avozinho” como muitas vezes chegam a ser carinhosamente apelidados. Creio que serão, de facto, uma mão invisível nas organizações.

Se é verdade que todos nós podemos ser líderes (vários estudos se referem ao facto de esta capacidade estar ao alcance de qualquer um), então ainda mais verdade é que todos nós podemos ser líderes informais. Neste caso, tal depende sobretudo daquilo que somos, podemos fazer ou queremos ser.

“Being a leader doesn’t require a title; having a title doesn’t make you a leader!”

 

Este artigo foi publicado na edição de Maio (125) da Human Resources, nas bancas.
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