Mais flexibilidade legal, por favor!

Por João Nuno Bogalho, Gestor de Pessoas. Coordenador de pós-graduações no Instituto Piaget

 

Entendo como injusto, estranho, e contraditório, que todo o quadro jurídico, fiscal, funcional e até mesmo estrutural do Estado, esteja criado, organizado e funcione, a partir do paradigma em que as Empresas são o papão, e os trabalhadores os explorados. Não deveríamos ter toda a estrutura implementada, no sentido de incentivar as empresas que queiram promover aquilo que colaboradores valorizam?

Nesta linha, a legislação assume imperativos que, na ótica determinista das garantias mínimas, acaba por castrar algumas excelentes intenções de muitas empresas. Empresas que já vivem no novo paradigma organizacional, e com real atenção e antecipação do que são os fatores motivadores essenciais das novas gerações.

Na verdade, o enquadramento atual, na demagogia da salvaguarda dos “interesses dos trabalhadores”, acaba por criar situações contraditórias.

Em exemplos.

Uma empresa tem como política em que não há limite para os dias de férias que cada Colaborador goza. Nem no total dos dias, nem nos períodos, nem sequer na interpolação, nas pontes. Nada. Os limites são impostos pela qualidade, cumprimento de prazos e objetivos cumpridos. As equipas acordam, organizam-se e essa informação é pública. Operacionalmente, o colaborador comunica aos recursos humanos os dias em que está de férias.

É ou não fantástico? É!

Mas, pela Lei do Trabalho, um trabalhador só pode gozar, no máximo, 30 dias de férias num mesmo ano, e assume-se que alguns serão dias acumulados de anos anteriores. Ou seja, legalmente não se pode atribuir mais férias às pessoas. Que haja o mínimo eu percebo. O máximo de gozo efetivo anual, já não percebo. Porquê? Portanto, se a empresa quer dar mais dias de férias às pessoas, debate-se com o atual enquadramento legal.

Uma empresa diz a todos os seus colaboradores: Trabalhem onde quiserem – remoto, casa, cowork, jardim, escritório da própria empresa, … Onde quiserem. E mais, não há horário de trabalho. Cada um trabalha às horas que quiser e lhe for mais conveniente para a sua organização pessoal, familiar, ou simplesmente porque sim. Apenas uma regra, determinadas reuniões são de presença obrigatória e têm horários fixos, diários, semanais, quinzenais…. E sim, são realizadas em ambiente digital.

Também é ou não fantástico? Também é!

Mas pela Lei do Trabalho, isto é uma complicação. Desde o horário normal de trabalho, ao período de funcionamento, às horas noturnas, aos descansos obrigatórios e complementares, à isenção de horário de trabalho e suas regras, e um rol imenso de tantas outras complexidades. Mas a empresa quer, e as pessoas também. E este é um dos pontos mais valorizados da Proposta de Valor da Empresa. Também aqui, para dar mais do que é previsto na legislação, as empresas entram em exercícios criativos para poderem dar às pessoas o que elas valorizam e querem.

Dir-me-ão que isto são situações absolutamente pontuais, e que a esmagadora maioria das empresas não se organiza, nem organizará assim.

Se olharmos para as empresas mais valorizadas mundialmente, a trabalhar no novo capital – informação, conhecimento, conteúdos – algumas já o fazem, e há bastante tempo. E, garantidamente, serão criadoras de paradigmas replicáveis nessas indústrias e de forma transnacional.

Acrescentaria a necessidade de entender, realmente, o que querem dizer os trending reports regularmente publicados. Combinando com um olhar atento sobre as meta-características e tendências das gerações. Ou mesmo, o que significa realmente work-life balance. Eu acredito que é muitíssimo mais do que um dia ou dois remoto em casa, e/ou sair cedo para chegar a casa cedo. Entendo que é mesmo uma ruptura total com tudo aquilo que hoje é o status quo.

A prática tem-me demonstrado que este é mesmo o caminho. E a pandemia ajudou a comprovar. Temos que ser mais flexíveis e alinhados com os propósitos.

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