MIT. Na liderança, o carácter tem de ser tão valorizado como a competência

O carácter é muito mais do que ética – e fomentar uma cultura onde é tão valorizado como a competência pode resultar em melhores decisões e melhores resultados. Pode (e deve) haver uma rigorosa aplicação do carácter da liderança nas organizações, ser avaliado e desenvolvido como outros comportamentos humanos.

 

Por Mary Crossan, William (Bill) Furlong e Robert D. Austin, MIT Sloan Management Review

 

Independentemente da atenção que o carácter de um líder recebe quando testemunhamos os seus extremos negativos – como quando um CEO autoritário preside a uma cultura corrupta ou abusiva – a maioria das organizações pensa surpreendentemente pouco naquilo que é, efectivamente, uma das alavancas mais significativas disponíveis para um desenvolvimento organizacional positivo.

As organizações que não conseguem contratar e desenvolver um carácter positivo entre os seus líderes estão a perder uma oportunidade. De facto, um estudo descobriu que as organizações com líderes de elevado carácter – aqueles a quem os colaboradores deram classificações altas na integridade, responsabilidade, perdão e compaixão – tinham quase cinco vezes o retorno sobre os bens do que aqueles com baixo carácter.

Por que é que este aspecto da liderança e da cultura organizacional é tão negligenciado? Durante mais de uma década de investigação ao carácter da liderança nas organizações, descobrimos que os líderes subestimam e entendem mal o conceito de carácter. Marginalizam-no como sendo apenas uma questão de ética, em vez de o reconhecerem como a base de todo o julgamento e tomada de decisões. Avaliam geralmente o seu próprio carácter como “suficientemente bom”. Acreditam ser uma característica fixa e não uma qualidade que pode ser desenvolvida, e por isso não vêem como a força individual do carácter pode ser incorporada e escalonada nas suas próprias organizações e culturas. Em termos simples, não vêem que a competência e o carácter andam de mãos dadas.

A nossa pesquisa sobre o carácter da liderança começou como uma investigação às falhas de liderança associadas à crise económica global de 2008. Conduzimos grupos de debate com mais de 300 líderes empresariais no Canadá, Estados Unidos da América, Inglaterra e Hong Kong. Os grupos chegaram ao consenso de que o carácter dos líderes contribuiu substancialmente para a criação da crise. Infelizmente, não houve consenso sobre como definir o carácter, e houve uma ampla discussão sobre se este poderia sequer ser desenvolvido. Propusemo-nos a abordar a ciência subjacente ao carácter da liderança: o que é (e não é), porque é importante, como pode ser desenvolvido, e como se manifesta nas acções das pessoas.

Ao desvendarmos o que é o carácter e como funciona, a base crítica é o seu impacto no julgamento e nas escolhas que fazemos minuto a minuto, dia após dia – aquilo a que chamamos os micromomentos entre estímulo e resposta. É este julgamento baseado no carácter que apoia um desempenho superior, e a sua falta explica tanto a má conduta como a má tomada de decisões. Em numerosos casos de grande visibilidade – seja a crise financeira global, o escândalo das emissões da Volkswagen, ou a tragédia do Boeing 737 Max – a competência técnica era largamente evidente, mas o carácter não o era. Essencialmente, o caminho perigoso do discernimento e tomada de decisões comprometidos pode ser identificado nas sementes do carácter comprometido.

É importante notar que, embora a força do carácter apoie certamente a tomada de decisões éticas, o seu alcance é muito mais amplo; como acima referido, demasiados líderes equacionam-no simplesmente como sendo “bom”, o que é demasiado limitativo. É também uma influência poderosa no bem-estar individual e na excelência sustentada, pelo que é importante a todos os níveis da organização, e não apenas na liderança.

Para dar um exemplo, considere a perspectiva de Ron Francis, director- -geral da equipa de hóquei profissional Seattle Kraken. No encontro da NHL de 2022, onde as equipas têm a oportunidade de entrevistar os possíveis candidatos à selecção, um atleta perguntou-lhe o que a equipa procura num jogador. A sua resposta imediata?

O carácter. A competência é o mínimo, mas o que distingue jogadores, equipas e organizações é o carácter que lhes permite oferecer o seu melhor todos os dias, mesmo em situações desafiantes. Será que o jogador exausto mantém a motivação necessária para vencer numa batalha um contra um pelo disco? Será que um jogador resiste a um adversário que os tenta tirar do jogo? E será que uma equipa consegue prosseguir durante um período difícil de derrotas? Nenhuma destas escolhas tem a ver com competência ou habilidade, mas com carácter, e fazem a diferença entre ganhar e perder. Ao mais alto nível, o carácter é a vantagem competitiva.

Neste artigo, iremos apresentar uma compreensão mais profunda de carácter e das suas aplicações, começando com uma visão geral da nossa “Estrutura do Caracter da Liderança” baseada na pesquisa, e iremos oferecer orientação para os líderes empresariais começarem a aplicar considerações de carácter de modo a construírem organizações mais fortes.

 

Compreender o carácter da liderança
Enquanto a rigorosa aplicação do carácter da liderança nas organizações é nova, a ciência do carácter não é. Há mais de dois milénios, Aristóteles declarou o carácter como sendo um conjunto virtuoso de hábitos. Ainda antes disso, cerca de 500 a.C., Confúcio já tinha introduzido ideias sobre justiça, humanidade e sabedoria. Mais recentemente, os psicólogos Christopher Peterson e Martin Seligman utilizaram uma abordagem científica rigorosa para identificar um conjunto universal de virtudes que contribuem para o bem-estar e para a evolução humana. Encaminhar esta profundidade de investigação sobre o carácter e o bem-estar para a liderança das organizações envolveu o mapeamento da pesquisa académica sobre o carácter com aplicação prática nas organizações.

Para criar uma ponte entre as bases da pesquisa associadas ao carácter e a aplicação do carácter na prática da liderança, usámos uma abordagem de bolsa de estudo dedicada com mais de dois mil executivos que envolveu grupos de foco e análise quantitativa. Isto acabou por levar a uma definição de carácter de líder baseada em 10 dimensões separadas que interagem com uma 11.ª, a qualidade central de discernimento.

Cada dimensão neste primeiro quadro é uma possível virtude. Consistente com o pensamento de Aristóteles, no entanto, as virtudes tornam-se vícios em deficiência ou em excesso. Por exemplo, os líderes com muito pouca coragem são tímidos; aqueles que levam a coragem ao extremo tornam-se imprudentes. Cada comportamento de carácter pode funcionar como um vício em deficiência ou em excesso (quadro 2).

As pessoas têm muitas vezes dificuldade em compreender como os vícios, bem como as virtudes, podem nascer das dimensões do carácter. Contudo, quando pedimos às pessoas que descrevam um líder com muita integridade, responsabilidade e dinamismo (comportamentos frequentemente reforçados, endossados e recompensados nas organizações) e baixa humildade, humanidade e temperança (comportamentos que normalmente não são apoiados), as respostas são consistentes. Em vez de descrever um líder autêntico, honesto, transparente, com princípios e consistente (comportamentos observáveis associados à integridade no seu estado virtuoso), o líder é descrito como sendo intransigente, beligerante, indiscriminado, dogmático e rígido (o estado vício da integridade).

O problema é que tratamos esses comportamentos de vício como expressões de estilo pessoal, em vez de os ligarmos às más decisões e aos resultados negativos que muitas vezes criam. É importante compreender que tal pessoa não é apenas “um pouco exigente”, mas que os próprios comportamentos que a organização endossou e recompensou sobrestimaram algumas dimensões de carácter e subestimaram outras, levando a uma tomada de decisão e cultura disfuncionais, e a maus resultados.

 

Leia artigo na íntegra na edição de Fevereiro (nº. 146)  da Human Resources, nas bancas.

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